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18 de abril de 2024Como amplamente se sabe, a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva. Ou seja, a responsabilização do causador de dano ambiental independe da comprovação de sua culpa — entendida aqui sob um sentido amplo, que abarca a culpa propriamente dita e o dolo. Tal entendimento, positivado no artigo 14, 1 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), decorre da teoria do risco integral, segundo a qual é reparável o dano ambiental mesmo que produzido de forma involuntária, tendo em vista a assunção pelo agente do risco de causá-lo.
A natureza objetiva da responsabilidade, no entanto, embora exclua da discussão a existência ou não de culpa, não exime o acusador de comprovar a incidência dos outros pressupostos da responsabilidade civil: 1) ato ilícito; 2) dano e 3) nexo de causalidade.
Explico: em primeiro lugar, para que determinada situação ambiental seja indenizável é necessária a prática de ato antijurídico, ou seja, que desrespeite algum dispositivo legal devidamente instituído. É por esse motivo, por exemplo, que não há como requerer a indenização de um motorista de caminhão pela emissão dos gases produto da combustão do diesel. Afinal, muito embora se saiba que a produção de CO2 causa danos ao ambiente e seja de fácil observação o nexo entre a conduta de conduzir o veículo e o dano causado, o mero ato de dirigir não detém qualquer antijuridicidade. Portanto, ainda que lesivo — mesmo que em menor monta — ao meio ambiente, a condução do caminhão não configura dano ambiental indenizável.
Em segundo lugar, inexiste obrigação de reparar (indenizar) dano quando inexiste… o dano. Ao passo que nas esferas penal e administrativa o objetivo é punir e coibir a reincidência de certa conduta, a responsabilização civil tem como objetivo retornar a coisa — no caso aqui discutido, o ambiente — ao seu estado pretérito ao ato repreensível. Ou seja, não se condena a indenizar pela mera conduta, mas apenas pela ocorrência de dano, e apenas na extensão do prejuízo. Nesta toada, ainda que repreensível pela lei ambiental, uma conduta não ensejará responsabilização civil se não for causadora de dano.
Tome-se por exemplo a operação de uma fábrica sem as devidas licenças ambientais. De pronto, pode-se observar que a conduta da empresa operadora da planta industrial é ilegal, tendo em vista a obrigatoriedade do licenciamento ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (artigo 3o, Resolução Conoma 117). Essa postura poderá — e deverá — ser punida na esfera administrativa. No entanto, se dessa operação não resultar qualquer dano ao ambiente – seja ele na forma de poluição, supressão vegetal etc — não será cabível qualquer indenização cível, porquanto não haverá mudança no estado do bem que se busca recuperar: o ambiente. Em outras palavras, não existirá situação fática a corrigir, de sorte que se torna impossível até mesmo a quantificação de uma eventual indenização.
Em terceiro e último lugar resta o ponto mais controvertido desta discussão. Toda responsabilização civil demanda a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano efetivamente causado. No entanto, em inúmeras situações, a identificação da causa de algum prejuízo não é de fácil resolução. Afinal, muitas vezes o acidente/dano não ocorre por apenas uma causa específica, senão por uma sucessão de acontecimentos que, isolados, talvez não fossem capazes de gerar qualquer lesão. Desse imbróglio nasceram duas teorias opostas de compreensão do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil.
A primeira, denominada \”equivalência de condições\” tem como preceito fundamental que \”[…] considera-se causa toda condição do resultado, todo o fato que concorra para produzi-lo, todo o fato sem o qual o resultado não se teria produzido\” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. 7ª ed. Saraiva, São Paulo: 2020). Ou seja, qualquer ação sem a qual o resultado não teria acontecido (conditio sine qua non) torna-se apta a caracterizar uma responsabilidade de reparar o eventual dano. Esse entendimento, embora existente, é pouco adotado no ordenamento pátrio. Afinal, dele decorrem armadilhas lógicas inconcebíveis, como o caso do dano causado pela queda de um avião da qual não restaram sobreviventes: não faria sentido colocar ao lado da companhia aérea e da fabricante da aeronave, no polo passivo da demanda, o taxista que levou um dos comissários ao aeroporto, sob a justificativa de que a conduta dele foi condição sem a qual a morte do tripulante não aconteceria.
É por isso que a teoria mais adotada no Brasil é a da \”causalidade adequada\” que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste naquela onde \”nem todas as condições que concorrem para o resultado são equivalentes (como no caso da responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o resultado. Ou seja, só a causa de mais imprescindível para a ocorrência do dano é considerada para a caracterização da responsabilidade civil\”(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. Atlas, São Paulo: 2012). Ou seja, só são capazes de conferir responsabilidade no âmbito civil as causas que, por si só, teriam sido capazes de gerar o dano.
É esse, inclusive, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça — STJ no célebre caso do navio Vicuña, acidentado no porto paranaense de Paranaguá. A causa discutia a possibilidade responsabilizar os adquirentes de carga de metanol pelo seu derramamento nas águas da baía, tendo em vista a explosão do navio durante seu processo de atracagem. No precedente, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em construção de invejável lucidez, homenageou a teoria da causalidade adequada ao exigir a efetiva demonstração de nexo causal para aferir a obrigação de indenizar. Nas palavras do magistrado, \”em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva (e lastreada pela teoria do risco integral), faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador\” (REsp nº 2016/0108822-1, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Segunda Seção, j. 25-10-2017, DJe 22- 11-2017).
Ou seja, embora a compra e o transporte do metanol tenham sido condições necessárias para a ocorrência do dano provocado no derramamento, a ação de adquirir o químico, por si só, não era suficiente a gerar qualquer dano ambiental. Diferente é o caso da explosão da embarcação de transporte que, dada a carga transportada, constitui fato suficiente para produzir prejuízo ambiental. Por isso, enquanto a primeira situação não consiste ato civilmente responsabilizável, a segunda será ensejadora de responsabilidade civil.
Portanto, embora seja pacífica a natureza objetiva da responsabilidade civil ambiental em nosso país, é importante que a sociedade civil e os operadores do direito tenham em vista que essa natureza afasta única e exclusivamente a discussão acerca da culpa. A relativização dos outros pressupostos da responsabilização civil (ato ilícito, dano e nexo causal) contribui apenas para a construção de uma atmosfera de tensão e insegurança jurídica em meio ao setor produtivo nacional. Nesse sentido, a observância ao entendimento dos tribunais superiores não representa apenas um ato de respeito aos precedentes, mas um verdadeiro ato de compatibilização da proteção do meio ambiente com o desenvolvimento social sustentável e com as garantias estabelecidas da ordem jurídico-civil brasileira.