O Brasil vendeu ontem US$ 1 bilhão em bônus no mercado externo com prazo de vencimento em dez anos e pagou o menor cupom (juro nominal) da história: 5,875% ao ano. Aproveitou a melhora nos mercados financeiros. A alta dos preços de commodities exportadas pelo país provocou forte recuo na cotação do dólar, valorização das principais ações da bolsa e queda no risco-Brasil. O sucesso da captação do Tesouro trouxe um tombo ainda maior nas cotações do dólar, pois abre espaço para empresas brasileiras voltarem a buscar recursos por meio do lançamento de bônus no mercado internacional ampliando o fluxo da moeda americana ao país.
A avaliação no governo é que ainda é cedo para dizer que o pior da crise acabou. Mas, de qualquer forma, há um alívio no mercado que permitiu que o Tesouro retornasse ao mercado. O país pagou um prêmio de risco de 370 pontos básicos sobre os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, abaixo dos 375 pontos sugeridos inicialmente. A demanda passou a oferta e, segundo fontes de mercado, mais de 100 investidores compraram os papéis nos Estados Unidos, Europa e Ásia. O rendimento ficou em 6,127% ao ano.
\”A emissão abre a avenida para empresas brasileiras também captarem no exterior\”, disse ao Valor Alexandre Bettamio, presidente da Merrill Lynch no Brasil que, junto com o Goldman Sachs, liderou a transação. \”Estamos muito orgulhosos de termos participado da operação que reabre o mercado externo para o Brasil depois de um final de ano tão crítico\”, afirmou.
Em meio ao otimismo geral e com juros americanos nos níveis mais baixos da história, um total de 11 emissores lançaram títulos em dólar ontem para captar um total de US$ 18,5 bilhões, segundo a \”Bloomberg\”. A Colômbia foi um desses emissores: colocou papéis em dólar no total de US$ 1 bilhão, pelo prazo de vencimento em 10 anos, com prêmio de 502,9 pontos básicos sobre os títulos americanos e rendimento de 7,5% ao ano.
Os emergentes estão aproveitando a queda nos prêmios de risco desde 24 de outubro, quando o índice EMBI+ do JPMorgan bateu nos 865 pontos básicos, seu nível máximo em 2008. O mercado de crédito congelou após a quebra da Lehman Brothers, em 15 de setembro do ano passado, chegando ao máximo do estresse em outubro. Depois, veio se recuperando. No dia 5 último, o prêmio dos emergentes estava a 290 pontos básicos, uma queda de 66,5%. O risco-Brasil medido pelo EMBI+ caiu 43% do dia 23 de outubro até ontem.
Antes do Brasil e da Colômbia, o único emergente que havia emitido eurobônus desde a falência da Lehman Brothers havia sido o México, que captou em 18 de dezembro US$ 2 bilhões pelo prazo de dez anos pagando cupom de 5,95% ao ano e rendimento de 5,98%.
A recuperação dos preços dos principais ativos financeiros ainda é vista com cautela na área econômica porque não foi acompanhada por notícias sobre a melhora dos fundamentos da economia mundial. Os dados de atividade continuam fracos. A melhora é restrita aos mercados financeiros que, tipicamente, têm um maior apetite por risco no começo do ano.
\”Depois do final de 2008 de extrema cautela, muitos fundos, investidores e bancos estão colocando de novo seu caixa para funcionar\”, diz o presidente do Calyon no Brasil, David Jana. Geralmente em dezembro os investidores evitam assumir novos riscos, pois querem apresentar balanços de final de ano os melhores possíveis e reter os ganhos obtidos no início do ano. O movimento foi agravado no final de 2008 por causa da crise. Segundo Jana, os ativos de renda fixa são tradicionalmente os mais procurados após crises, pois ofereceram menos risco do que a renda variável. \”Acho que teremos um primeiro trimestre bem atraente para emissões externas de dívida.\”
A última captação do Tesouro brasileiro havia ocorrido em maio de 2008. Uma fonte do governo explica que o Tesouro não precisa captar novos recursos para financiar sua dívida externa. O objetivo é apenas \”criar uma curva de juros mais bem feita\” e abrir o caminho para a retomada das captações das empresas.
Desde meados de dezembro o Tesouro passou a registrar também o retorno dos investidores estrangeiros ao mercado de dívida interna. Os juros futuros mais curtos caíram em virtude da expectativa de que o Banco Central corte a taxa básica, e os juros mais longos recuaram, em parte, devido ao maior apetite dos estrangeiros por risco.
Para o governo, podemos estar passando por um tradicional rali de início de ano. O cenário básico é que o mercado continue relativamente fechado, principalmente no que diz respeito a empréstimos. Por isso estão em pé os planos do governo de oferecer uma linha de empréstimos em dólares para ajudar as empresas rolarem dívidas no exterior, criada por meio de resolução do Conselho Monetário Nacional. A expectativa é que a regulamentação complementar saia em uma ou duas semanas.
A recuperação parcial dos preços das \”commodities\” nos últimos dias também poderia contribuir para formar um cenário mais positivo. A soja teve uma alta de mais de 20% em uma semana e a cotação do petróleo voltou a superar US$ 50. Esse é o principal fator por trás da recente valorização da moeda nacional, que saiu dos níveis de R$ 2,38 em 23 de dezembro para R$ 2,19 ontem.