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A grande oportunidade para a América Latina é pensar que toda essa melhora contribui para a crescente evolução da classe média”
Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) desde 2005, Luis Alberto Moreno não esconde o entusiasmo com o início do que chama de “a década da América Latina”, que, na sua visão, já começou a viver um processo de redução de pobreza e da miséria combinado com crescimento de renda e da atividade econômica. “E o Brasil é o melhor exemplo”, repete em diversas ocasiões ao tratar dos temas sociais, políticos e econômicos da região. O economista colombiano de formação liberal conduziu um dos mais fortes planos de liberalização econômica e privatizações.
Antes de chegar ao BID, Moreno foi embaixador nos Estados Unidos, onde teve um papel importante na aprovação pelo Congresso norte-americano do chamado Plano Colômbia, um programa de US$ 4 bilhões para combate ao narcotráfico no país. As habilidades do diplomata, cuja recondução ao cargo já conta com o apoio do governo brasileiro, transparecem quando confrontado com temas espinhosos. As críticas aos governos mais esquerdistas, como o venezuelano, de Hugo Chaves, são deixadas de lado em troca dos elogios à maturidade institucional do Brasil.
Moreno vê com otimismo as possibilidades do fim da crise econômica que afeta os países do sul da Europa. No entanto, ele destaca que a recuperação vai demorar entre quatro e cinco anos, o que fará com que as nações europeias enfrentem uma década perdida como ocorreu com os latino-americanos. Nem mesmo nos prognósticos do futebol, o colombiano arrisca radicalizar. Ele não indica o vencedor, mas acredita que, dos quatro semifinalistas da Copa do Mundo, há uma séria chance de três serem do Mercosul: Argentina, Brasil, Chile ou Paraguai. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida ao Correio.
Como a América Latina vai superar os desafios do desenvolvimento econômico em um contexto político ainda marcado pela influência político-ideológica de governos estatizantes, como os da Venezuela, do Equador e da Bolívia?
São muitos os desafios que a América Latina tem, mas eu diria que vamos terminar os próximos 10 anos com a década latino-americana. Se observarmos a recuperação da economia mundial, fica claro que ela ocorre fundamentalmente na Ásia e nos países da América Latina. Não há dúvida que os países latino-americanos, especialmente os maiores e os da América do Sul, têm uma oportunidade de crescimento muito boa porque podem produzir, a preços muito competitivos, os produtos básicos devido ao fato de que estamos em um cenário de baixas taxas de juros e baixos preços do petróleo. Por outro lado, alimentos e minérios estão todos com preços sob controle. Diferentemente do que ocorria no passado, estamos acabando com a extrema pobreza, o que permitiu que em nossos países haja um crescente mercado interno. O melhor exemplo disso é o Brasil, onde se constata o crescimento do consumo das classes C e D. Esse conjunto de coisas me encoraja a pensar que teremos uma década muito interessante, especialmente para a América do Sul.
Mas as pressões na área social persistem.
O bom desempenho econômico não quer dizer que todas as brechas sociais que estão abertas não sejam a grande urgência no cenário. Parece-me que, nesse caso, é preciso convocar toda a sociedade. Nós, do BID, trabalhamos com muitas organizações de empresários, com filantropia privada. Nesta semana, lançamos no México, com o presidente Felipe Calderón e com o empresário Bill Gates (da Microsoft), um programa, que contou com o apoio do governo espanhol, voltado para o atendimento de saúde em toda a América Central. Menciono isso a título de exemplo, porque no Brasil também está se fazendo muito. A filantropia visa a oferecer apoio e a atender necessidades urgentes, buscando nem tanto se concentrar nos problemas, mas nas soluções.
Quando se percebe que a concentração de renda não cai mesmo com os fortes investimentos sociais do governo, fica a dúvida de como essas políticas podem atuar para ajudar nessa direção.
Essas são questões que tomam muito tempo. Como são demoradas, apresentam desajuste por causa da concentração da riqueza. Não se resolvem da noite para o dia. A grande oportunidade para a América Latina é pensar que toda essa melhora econômica contribui para a crescente evolução da classe média, que começa a consumir e aportar muitíssima riqueza para todos. O mais importante é que isso não tem volta. Sabemos que se considera um país desenvolvido quando ele apresenta um PIB (Produto Interno Bruto) per capita em torno de US$ 10 mil. Não há nenhum país na América Latina que esteja nesse ponto, nem sequer o Chile. Mas estamos nos aproximando desse nível nos próximos anos e isso já é um caminho muito importante, que nos coloca numa posição muito diferente da que tínhamos no passado.
Maior exportador mundial, maior consumidor de produtos básicos e o país que mais aumenta sua presença no Hemisfério Sul, até que ponto a China representa um risco para a América Latina?
A China representa uma oportunidade e um desafio para todos os países latino-americanos, tanto que já é o principal parceiro comercial do Brasil. A China não tem, obviamente, apenas a aspiração de ser um grande importador de commodities nem um exportador de produtos de baixa qualidade. Pelo contrário, tem as mesmas ambições de fazer o que fez o Japão no passado, que foi quem conseguiu mover-se de produtor de bens de baixa qualidade para os de alta tecnologia. O mesmo ocorreu com outros países orientais como a Coreia do Sul e Cingapura, que focaram suas atuações na área de serviços. Não há dúvida que a China pretende melhorar a sua produção e, com isso, abre um espaço interessante para que certas empresas de porte médio possam observar, aprender e crescer com os chineses. Sobretudo, entender os requisitos que permitem consolidar a presença dos seus produtos no mercado internacional. Há aqui uma oportunidade muito interessante para as empresas latino-americanas.
Como o senhor relaciona o desenvolvimento econômico da América Latina com as eleições recentes ou próximas em países como Brasil, Colômbia e Chile?
Na medida em que existe prosperidade econômica nesses países, as pessoas começam a vivenciar essa realidade. Com isso, há muito mais atenção nos resultados políticos e cobrança para que exista estabilidade econômica. Eu acredito que o grande desenvolvimento da região, e o Brasil é o melhor exemplo disso, está ligado a esse fato. Eu recordo um fato que me impressionou por demonstrar a maturidade política a que chegou o Brasil nesse quesito. No primeiro semestre de 2008, o presidente Lula disse que Meirelles (Henrique Meirelles, presidente do Banco Central) “tinha que fazer o que tinha que fazer”. E o que era isso? Frear a economia brasileira porque havia um choque de preços de produtos básicos, de alimentos e de petróleo. Tudo isso foi feito sem que tivesse afetado a alta popularidade do governo. Muitos latino-americanos precisam entender que a estabilidade macroeconômica é algo que não tivemos no passado, mas que hoje é muito importante. É um bem público que devemos defender. Conheço muitos governos que estão fazendo isso, não todos, porque estamos numa região muito heterogênea. Mas, sem dúvida, o que vamos ver agora são eleições mais disputadas, nas quais não há uma variação muito grande nas propostas econômicas.
A crise na Zona do Euro ameaça o crescimento mundial e, de acordo com especialistas, pode gerar uma situação ainda mais crítica que a do subprime. O senhor vislumbra saída para esse cenário?
Espero que não ameace o crescimento. Outra crise é a última coisa que queremos. Uma série de fatores alimenta a volatilidade no mercado europeu, por causa das incertezas sobre como vai resultar, por exemplo, o resgate da Grécia. Mas a verdade é que a Grécia é para a Europa o que o estado do Alabama é para os Estados Unidos: muito pequena. Então, o caso pode ser resolvido. Lamentavelmente, esses problemas vão resultar no que ocorreu na América Latina no passado, em uma década de baixo crescimento para os países afetados pela crise. Não menos certo é que essas crises financeiras exigem que se passe quatro ou cinco anos antes que as economias consigam retomar o crescimento que obtinham no período anterior à crise.
Estamos perto de um colapso do euro? Como o Brasil e os demais países latino-americanos serão afetados nesse cenário?
Não acredito que o euro vai acabar.
A Europa terminará, com o tempo, saindo fortalecida dessa crise. Sem dúvida, isso vai ajudar que ocorra uma sincronização maior das políticas fiscais. Vamos assistir a incertezas que vão afetar a América Latina e ao Brasil, que têm um comércio importante com os europeus, especialmente a Alemanha. Muitos países sul-americanos têm uma relação comercial importante com a Europa e sobretudo em investimentos.
A crise financeira levou a uma discussão sobre o papel do BID, que acabou fortalecido por uma decisão recente de aumento de capital por parte dos países-membros, num aporte de US$ 70 bilhões. Como fica o Brasil nesse contexto?
A capitalização, no cenário latino-americano, está associada à proposta de que o banco articule financiamentos que ajudem na integração latino-americana. Esse é um tema em que o Brasil atua muitíssimo, tem um trabalho importante nas suas fronteiras de integração comercial e de infraestrutura. Temos aqui uma oportunidade muito grande de trabalhar com o Brasil. É claro que o Brasil continuará sendo, seguramente, o principal cliente do banco, pois é a maior economia da região.
Qual é o valor dos empréstimos?
Neste ano, vamos ter operações que devem chegar a US$ 2,7 bilhões, muitas delas nas áreas já tradicionais, especialmente com os governos estaduais, com o Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo). Temos um trabalho muito relevante com os estados nordestinos, que concentram um número grande de sedes da Copa do Mundo de 2014. Atuamos no Pró-Cidade (programa federal de financiamento da infraestrutura urbana dos municípios), que, neste ano, já contratou US$ 800 milhões em várias cidades, com recursos de US$ 20 milhões a US$ 30 milhões. Há e haverá também um grande espaço para as empresas, porque nos interessa muito apoiar o setor privado.
Os economistas estão muito acostumados com previsões. O senhor arriscaria uma um pouco mais complicada, como quem vai ganhar a Copa do Mundo de futebol?
Como a Colômbia quase nunca vai à Copa, então torço para o Brasil. Foi com a camisa brasileira que estive pela última vez na competição, na final da Copa da França. Agora, quanto ao torneio atual, prefiro não indicar o vencedor. Eu falo como latino-americano e espero que, entre as quatro equipes que vão para a semifinal, pelo menos três sejam de países do Mercosul: Argentina, Brasil, Chile ou Paraguai. O time da Argentina joga muito bem, como demonstrou na vitória de 4 a 1 contra a Coreia do Sul. A Alemanha vem muito bem também. Mas o Brasil, por mais que baixe de produção, retira o melhor de si quando está sob pressão.
Há muito mais atenção nos resultados políticos e cobrança para que exista estabilidade econômica. O Brasil é o melhor exemplo disso”