Embora tenham arrebatado importante fatia do mercado de crédito, com avanços bem acima da concorrência em suas carteiras de empréstimos, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal tiveram de lançar mão da ativação de créditos fiscais entre outros artifícios para evitar que seus lucros encolhessem em 2012. Estudo elaborado pela Austin Rating mostra que, do lucro recorde de R$ 12,2 bilhões que o BB apresentou no ano passado, R$ 3,82 bilhões vieram de ganhos com venda de imóveis e ativação de créditos fiscais. Sem esses expedientes contábeis, o resultado proveniente efetivamente de suas atividades fins, como crédito e receita de tarifas, cairia para R$ 8,3 bilhões, ou 29,2% menor.
No caso da Caixa, a queda seria ainda maior. Dos R$ 6,06 bilhões publicados no balanço (17% maior que os R$ 5,18 bilhões de 2011), R$ 2,6 bilhões vieram da ativação de créditos fiscais. Assim, sem a ativação dos créditos tributários, o lucro teria sido 35% menor, de R$ 3,4 bilhões.
— Desde a crise de 2008 os bancos públicos desempenham um papel importante de irrigar a economia com mais crédito, tanto que suas participações no mercado só vêm crescendo. Mas dizer que isso, combinado com a redução dos spreads, se traduziu em maiores ganhos não é verdade. Os resultados cresceram influenciados por fatores não recorrentes — diz Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, referindo-se às pressões do governo para que os bancos públicos cortassem os juros de suas linhas, forçando os privados a fazer o mesmo.
Procurada, a Caixa informou por meio de sua assessoria de comunicação que o total de crédito tributário constituído no ano passado somou R$ 2 bilhões, e que foram gerados “principalmente” por causa de despesas com provisões decorrentes da ampliação da sua carteira de empréstimos. O ganho extra com esses créditos fiscais, segundo a Caixa, não têm caráter não-recorrente. “Trara-se na verdade de evento decorrente da dinâmica das nossas operações, e sendo assim, deve ser tratado como um fato normal e recorrente”, afirma a instituição. O BB não se pronunciou sobre o assunto.
O Itaú-Unibanco — maior banco privado e segundo do país, só atrás do BB — usou somente R$ 737 milhões de créditos fiscais, embora suas despesas com provisões contra créditos de liquidação duvidosa tenham crescido 34,2% no ano. O Bradesco lançou mão de volume um pouco maior, R$ 1,46 bilhão. Em ambos os casos, contudo, esses “créditos” pouco acrescentaram aos seus lucros. No Itaú-Unibanco, os eventos não recorrentes tiveram impacto de R$ 446 milhões sobre o lucro contábil, que foi de R$ 13,5 bilhões, ao passo que no Bradesco o ganho foi ainda menor, de R$ 142 milhões, para um lucro que somou R$ 11,38 bilhões.
Otto Nogami, professor de Economia do Insper, diz que a diferença entre o aumento dos volumes de empréstimos de BB e Caixa, de 24,9% e 42%, respectivamente, ficou muito acima da evolução observada nos seus lucros, de 0,7% e 17%. Discrepância que em sua visão não é normal.
— Isso mostra que, sob pressão do governo, as duas instituições estão atuando de maneira pouco eficiente — diz Nogami.
Calote abaixo do padrão
Além de constatar que o crescimento no volume de crédito ficou longe de compensar nos resultados dos bancos públicos a queda dos juros (spreads) encabeçadas por eles, a Austin afirma ainda que os índices de inadimplência de BB e CEF ao final do ano passado, em torno de 2%, estão muito abaixo da média do mercado — a taxa média do calote no setor bancário ficou em torno de 4,5% do total de operações.
— Historicamente, BB e CEF sempre tiveram índices de inadimplência acima da média do mercado. Esse é um indicador que deve ser acompanhado com atenção nos próximos balanços para termos uma ideia mais clara da qualidade das suas carteiras de crédito — diz Rodrigues.
Uma possibilidade para essa taxa de calote menor, pondera Rodrigues, pode ser uma estratégia de renegociação pelos dois bancos dos débitos dos clientes endividados, evitando que sejam lançados nos cadastros de inadimplentes — classificação atribuída a correntistas com atrasos de mais de 90 dias nos pagamentos das parcelas dos financiamentos.
Nogami, do Insper, vê no movimento de corte de taxas de juros efetivado por BB e Caixa num ambiente de inadimplência elevada uma outra frente de exposição perigosa das duas instituições.
— Quando se tem um nível de endividamento e de inadimplência subindo, não se justifica reduzir drasticamente as taxas de juros. Ao fazerem isso, se está potencializando os riscos das duas instituições — adverte Nogami.
Ano difícil para os bancos
A concorrência acirrada num ambiente de juros mais baixos, a inadimplência que não cede e as incertezas sobre a recuperação da economia devem fazer de 2013 um ano mais difícil ainda para o setor bancário, na avaliação da Austin Rating, que projeta resultados muito próximos ou até menores que os de 2012.
— Nos dois últimos dois anos, os bancos passaram por um período de mudanças e não está claro que a inadimplência voltará aos padrões anteriores. Por isso, as instituições terão de buscar maior eficiência, especialmente pelo lado das despesas — diz Rodrigues.
Relatório divulgado esta semana pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com base nos balanços de 13 bancos (os cinco maiores bancos e oito de menor porte) confirma haver uma estabilidade nos lucros do sistema nos últimos dois anos, que tem custado a perda de rentabilidade do setor. No final de 2012, a rentabilidade média das 13 instituições analisadas era de 17,6%, a menor desde dezembro de 2008.