Dificilmente os bancos que são os grandes administradores de fundos do mercado brasileiro abrirão mão de um bolo de receitas anuais da ordem de R$ 15 bilhões em taxas de administração num cenário de redução da Selic. E nessa empreitada não estão sozinhos. O governo é o maior interessado em manter a pujança do setor que é o grande financiador da dívida pública mobiliária ao adquirir papéis federais para as suas diversas carteiras. O uso de um redutor para a Taxa Referencial (TR) é a medida prática e de manejo político mais fácil para evitar que a caderneta de poupança ganhe atratividade em relação aos fundos de investimentos, segundo especialistas ouvidos pelo Valor.
Num ambiente de afrouxamento monetário não faz sentido que a aplicação mais simples e popular continue pagando 6% ao ano mais alguma correção da inflação com a componente pós-fixada TR, diz o professor Ricardo Leal, do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É uma distorção a caderneta remunerar com mais vantagem quem aplica R$ 300,00 do que aquele que investe milhares de reais num fundo DI com baixa taxa de administração quando o juro caminha para a casa do um dígito”, afirma. “Não dá para prometer retorno real de 6% quando o juro real é 8%, acho difícil que o governo, com o tamanho da dívida interna, tenha interesse em reduzir a demanda por títulos públicos.”
Para Leal, uma das alternativas do à aplicação de um redutor para a TR seria a extinção do indexador da remuneração da poupança e a proposta para que bancos pagassem taxas prefixadas na caderneta, não-tabeladas, deixando as políticas de captação de cada instituição cumprir o papel de incentivar este ou aquele produto de investimento. Ele reconhece, porém, que mexer na parte de retorno fixo da caderneta não é uma medida política de fácil execução.
Com um patrimônio de mais de R$ 1 trilhão reunido no setor de fundos e com os grandes conglomerados financeiros com uma fatia de 80% desse universo, as áreas de gestão e distribuição vão ter de se reinventar para manter o filão de receitas com taxas de administração quando os juros caírem mais, diz o professor William Eid, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Levando-se em conta que, na média, as instituições cobrem entre 1% e 1,5% ao ano, são de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões que repartem anualmente. “As áreas de fundos têm de ser simplificadas e até mesmo os gestores precisarão entender as carências do investidor.”
Eid calcula que se a Selic cair para 10% ao ano, o que é bastante factível para 2009, pode haver uma migração mais relevante dos fundos para a poupança se o governo não fizer nada. Ele lembra que com a Selic atual, de 11,25% ao ano, o investidor que topa pagar mais do que 1,8% de taxa de administração em qualquer fundo DI por dois anos já está perdendo, considerando-se a alíquota de imposto de renda mais baixa, de 15% para aplicações por esse período. Com o juro a 10%, o aceitável seria uma taxa de administração de 0,6%, custo, porém, inacessível para os investidores de varejo.
Ele também considera que a solução mais cabível para não deixar que o retorno da poupança se sobreponha ao dos fundos é mexer na TR. Uma outra proposta, mas de solução difícil no curto prazo, passaria por pressões para que sejam feitas mudanças tributárias. Conforme exemplifica Eid, a França, com objetivo de incentivar a poupança de longo prazo, fez uma imensa reforma e isenta o investidor do IR quando o dinheiro fica aplicado por sete anos. Passou a ocupar as primeiras colocações do setor de fundos no mundo mesmo sem ter tradição forte no mercado de capitais.
Mesmo com os juros caindo e a rentabilidade dos fundos tornando-se menos atraente em comparação à poupança, a cultura do brasileiro não é se movimentar buscando retornos mais favoráveis, diz Thiago Luis dos Santos Pinto, autor do estudo “Evolução das Taxas de Administração nos fundos de investimento no Brasil”, apresentado em 2007 ao Instituto Coppead. “O investidor típico de renda fixa não acompanha diretamente o rendimento dele e quando tem dinheiro sobrando procura um lugar que considera seguro”, diz.
Ele considera que para os bancos é mais vantajoso captar dinheiro para os fundos do que via caderneta e que a abordagem na rede sempre estará ligada às metas dos gerentes. Num momento de maior aversão a perdas, o apelo de preservar esse tipo de receita é ainda maior porque as instituições não têm de correr risco de crédito com a destinação obrigatória de boa parte da poupança para o financiamento imobiliário, acrescenta o professor de finanças da Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP) André Oda.
Uma conta simples que o investidor pode fazer, sugere, é pegar o retorno nominal do seu fundo e multiplicar por 0,85 para aplicações com prazo acima de dois anos ou por 0,775 para prazos de até 6 meses. Se o resultado for menor do que a poupança vale migrar.