O pior da crise econômica mundial pode ter passado, mas os balanços dos bancos ainda estão atulhados de lixo tóxico. Números nada animadores emergiram do mais recente Relatório de Estabilidade Financeira Global, divulgado nesta semana pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Se, por um lado, o FMI, reduziu o tamanho das perdas esperadas para o sistema financeiro em função da crise internacional, por outro constatou que menos da metade dos prejuízos foram digeridos até agora. A notícia não é ruim apenas para os acionistas dos bancos. O comprometimento dos balanços ameaça a recuperação econômica mundial. O Fundo projeta retração de 1,1% para o planeta neste ano e crescimento de 3,1% em 2010. Além disso, a vulnerabilidade dos bancos mantém os governos em estado de alerta e os tubos de oxigênio ligados.
Divulgado duas vezes por ano, o novo Relatório de Estabilidade Financeira Global informou que as perdas mundiais com a crise do sistema financeiro, incluindo bancos, seguradoras e demais instituições, vão acumular US$ 3,4 trilhões entre 2007 e 2010. O montante é US$ 600 milhões menor do que os US$ 4 trilhões projetados no levantamento anterior, divulgado em abril.
O número diminuiu com a valorização dos títulos no primeiro semestre, o que reduziu as perdas com a marcação a mercado. Houve também uma revisão metodológica que tornou mais precisa a avaliação dos prejuízos dos bancos europeus ao tomar como base o volume de provisões feitas. Apesar disso, o FMI espera prejuízos substanciais à frente.
Os bancos, que já reconheceram US$ 1,3 trilhão em perdas até agora, ainda terão que enfrentar mais US$ 1,5 trilhão em baixas. A maior parte dos prejuízos, cerca de dois terços do total, virá das carteiras de crédito, e não mais dos títulos que causaram boa parte dos problemas iniciais.
As perdas não são homogêneas e nem todos os países estão no mesmo estágio de digestão. Os técnicos do FMI dizem que os bancos americanos já baixaram 60% de suas perdas totais, enquanto os da zona do euro e do Reino Unido fizeram apenas 40% da lição de casa.
A defasagem é resultado de vários fatores entre eles a diferença de ciclo de crédito, de princípios contábeis e de composição dos balanços. Se os bancos americanos terão mais perdas com créditos residenciais e com títulos, os ingleses e da zona do euro perderão mais com créditos externos, feitos em geral para países do Leste Europeu.
A conta também recai de modo diferenciado. As perdas em proporção ao tamanho do sistema bancário de cada região são maiores nos EUA e Reino Unido do que nas instituições da zona do euro. Os bancos americanos ficarão com a maior parte da conta. Serão US$ 1,025 trilhão em baixas – 8,2% do total de US$ 12,561 trilhões em ativos. O lado positivo é que US$ 610 bilhões já foram digeridos e uma quantia menor, de US$ 420 bilhões ainda vem pela frente.
Nos bancos ingleses, as perdas totais devem atingir US$ 604 bilhões, dos quais apenas US$ 260 bilhões já foram reconhecidas. Do total de baixas, quase US$ 500 bilhões são com crédito. Já os prejuízos previstos para os bancos da zona do euro somam US$ 814 bilhões, sendo US$ 470 bilhões a serem contabilizadas.
Os bancos voltaram a registrar lucro graças à injeção de dinheiro promovida pelos governos, melhoria dos mercados e o refinanciamento dos ativos imobiliários. Mas as margens estão pressionadas pela queda das taxas de juros e custos mais elevados de captação. A volta aos produtos financeiros mais simples também deverá reduzir a rentabilidade. As receitas antes das provisões só devem voltar aos padrões “normais” no fim de 2014.
Essa constatação explica a mão leve do G-20 no cronograma de reformas esperadas para o setor financeiro. As reformas são necessárias para fortalecer o sistema e coibir os abusos e o renascimento das práticas perniciosas e obscuras que proliferaram no casino financeiro nos últimos anos e desencadearam a crise. Se os bancos tivessem que se enquadrar em padrões mais rigorosos de capital, as perdas seriam maiores. Assim, as novas regras de capital mínimo serão calibradas no próximo ano para entrar em vigor em etapas nos anos seguintes, à medida que a economia se recuperar, e serão postas em prática apenas no fim de 2012.