O Brasil está, mais uma vez, inundado de moeda estrangeira. O valor do dólar ante o real não para de cair. Essa valorização, que os economistas chamam de apreciação do real, tem ocorrido em relação a praticamente todas as principais moedas do mundo, inclusive o iuane, o dinheiro da China. Isso é bom ou ruim? O consumidor brasileiro gosta, pois ganha poder de compra e consegue fazer aquela viagem de sonho. O Brasil globalizado, aparentemente, fica cada dia mais forte. Será mesmo?
Os empresários, enquanto concorrentes dos importados, sofrem muito, porque não conseguem acompanhar a queda dos preços em dólar. Mas gostam da valorização do real como investidores e aplicadores, porque compram máquinas e equipamentos mais baratos, de alto conteúdo técnico. O real forte também é bom na hora de remeter lucros para matrizes ou fazer aquisições no exterior. Por esse aspecto, parece que vivemos uma chance única.
Por que, então, a China, um paradigma moderno de gestão vitoriosa, caminhou em direção inversa à nossa, procurando adiar pelo maior tempo possível a valorização de sua moeda? Por que os chineses não quiseram sentir-se “ricos” como os brasileiros se sentem hoje? E por que os políticos de lá não deixaram isso acontecer logo para usufruir as delícias da popularidade? Uma explicação é que lá não há urnas de votação. A explicação fica melhor se lembrarmos que os chineses têm um plano decenal para o crescimento da economia. No Brasil, o que der de expansão do PIB, tudo bem. E, se não der, paciência. Aliás, muito se explica por esta palavra: paciência. Os brasileiros querem e precisam de resultados logo. Somos impacientes. E eles têm uma paciência chinesa. Jogam no longo prazo. Trabalham para o coletivo. Olham para o time, não para o umbigo.
Essa diferença de visão de país e de missão principal de governo põe o Brasil no extremo oposto da China. O Brasil construiu uma obsessão com a inflação, abandonando toda e qualquer outra meta de governo. Por isso, deixa seu Banco Central colocar a taxa de juros no nível mais alto do planeta, sem se preocupar com a repercussão monetária disso na atração de dólares. Um monte de aplicadores ávidos por um ganho a mais corre para papéis brasileiros. A entrada maciça de dólares faz o real ficar atraente, e a valorização do real premia quem apostou contra o dólar. Ganham os especuladores que ficam em posições vendidas em dólar, no mercado futuro. Eles alavancam fortunas e pressionam a expectativa da moeda americana mais para baixo. Antes da crise de 2008, no período Lula, os aplicadores estrangeiros faturaram em média cerca de 25% ao ano na renda fixa brasileira. Nada mau para um risco apenas moderado. Adivinha quem financiou esse ganho?
Não pense que o Brasil, apenas por ampliar suas reservas, hoje de quase US$ 300 bilhões, tornou-se forte. Isso é bom, mas não é o principal. A força da China advém de sua alta capacidade de se financiar sem dependência externa. Os chineses exibem uma taxa de poupança de mais de 45% sobre o PIB, ou seja, economizam para investir, entre famílias, empresas e governo, quase a metade de sua produção. Por isso, podem crescer tanto.
Já o Brasil há anos se arrasta numa das taxas de poupança mais baixas do planeta, por ter um governo gastador. Na última década, salvo em 2003, o setor público sempre aumentou seus gastos correntes (mesmo excluindo os enormes juros) acima do ritmo da produção nacional. Somos um gigante de pés de barro, ao recorrer à colocação externa de ações da Petrobras para financiar o pré-sal, quando deveríamos ter força financeira para fazer isso com poupança doméstica. O dólar que entrou para financiar o pré-sal é o mesmo que derruba as cotações do dólar e nos deixa pensar que ficamos mais ricos. Por isso somos tão diferentes dos chineses. Temos pouca chance de chegar aonde eles estão indo. Mas, enquanto vamos, continuamos o povo mais alegre do mundo. Não é à toa que Tiririca se elegeu. Pensando bem, teve até pouco voto.