Sem uma solução clara no horizonte, a Argentina vive uma crise financeira cujo desfecho, até o momento, é incerto. A única certeza é a de que o governo da presidente Cristina Kirchner não pagará a dívida de US$ 1,5 bilhão com credores que não participaram das operações de reestruturação realizadas em 2005 e 2010, de forma imediata e em dinheiro, como exige a Justiça americana.
Descartada essa opção, o desfecho da queda de braço judicial entre a Casa Rosada e os chamados “fundos abutres” é imprevisível, e a sensação que predomina é que o Executivo ainda não sabe como evitar que o país seja arrastado para um novo calote. Com esse pano de fundo, ontem o mercado local voltou a viver um dia de profundo nervosismo: a Bolsa de Valores de Buenos Aires despencou 4,9%, e o dólar paralelo subiu US$ 0,10, fechando em 12,40 pesos nas cuevas (cavernas) do centro portenho.
Nesta quinta-feira, a Elliott Management Corp., representante de um grupo de fundos “abutres” credores, indicou que está pronta para negociar e que aceitará bônus como parte do pagamento, revelou o “Wall Street Journal”, citando uma fonte com conhecimento da estratégia de negociação.
“Estamos esperançosos de que a Argentina esteja falando sério sobre vir à mesa de negociação”, disse a fonte, acrescentando que ainda não há um diálogo em andamento.
INFORMAÇÕES CONTRADITÓRIAS
Na Argentina, a quinta-feira começou com uma inesperada declaração do chefe de gabinete, Jorge Capitanich, que negou o envio de uma missão negociadora a Nova York, semana que vem, contrariando o que informaram na véspera os advogados do governo, em audiência com o juiz Thomas Griesa, encarregado do caso. No fim do dia, a versão on-line do jornal “Clarín” informou o inverso, citando fontes da equipe do ministro da Economia, Axel Kicillof.
As dúvidas sobre o que fará o país devem continuar até o início da semana que vem, já que esta sexta-feira é feriado nacional, e Kicillof e seus colaboradores pretendiam dedicar os próximos três dias a consolidar uma estratégia que permita evitar o calote. O mais provável é que a Casa Rosada prorrogue por um mês o vencimento do próximo dia 30 de junho, de US$ 900 milhões, que o governo já avisou que não poderá pagar, porque corre o risco de que o dinheiro seja embargado pelos “fundos abutres”.
— A decisão da Corte Suprema dos EUA (de ratificar a sentença de Griesa) colocou o governo entre a espada e a parede. Se pagar o vencimento, o dinheiro poderá ser embargado para pagar aos “abutres”; se realizar uma troca para emitir bônus locais para evitar o embargo, estaria contrariando a Corte americana — afirmou a jornalista Mara Laudonia, autora do livro “Os abutres da dívida”.
Já o economista Martin Tetaz, pesquisador da Universidade Nacional de La Plata, disse que “uma coisa é o discurso combativo da presidente e do ministro, e outra, a realidade”:
— O governo fez a mesma coisa com a Repsol e o Clube de Paris e terminou pagando, em bônus, mas pagando. Aqui é a mesma situação, e a única alternativa é pagar.
MODELO DE NEGOCIAÇÃO
O economista explicou ainda que “o governo evita falar em missão porque não quer aparecer negociando com os abutres, embora essa seja a realidade”. Essa estratégia se deve, segundo Tetaz, à necessidade de impedir a ativação da chamada cláusula Rufo (Rights Upon Future Offers), que permitiria aos 93% dos credores que participaram das trocas de 2005 e 2010 exigir as mesmas condições que seriam oferecidas aos “fundos abutres”.
— O governo quer que um eventual pagamento em bônus aos “abutres” apareça como uma ordem de Griesa, porque se for uma decisão voluntária da Argentina, em meio a uma negociação, os 93% que aceitaram as ofertas do país poderiam pedir a mesma coisa.
A Elliott Management, do empresário Paul Singer, está analisando acordos recentes entre a Argentina e credores, vistos como modelo potencial para um acerto, disse a fonte ouvida pelo “Journal”. Isso poderia incluir aceitar como pagamento dinheiro e bônus. Em abril, a Argentina concordou pagar à petrolífera espanhola Repsol US$ 5 bilhões em bônus, pela nacionalização da subsidiária argentina da empresa. Em maio, o país acertou o pagamento de US$ 9,7 bilhões aos países do Clube de Paris.