A tentativa do presidente da Câmara, Michel Temer (SP), e do Senado, José Sarney (AP), dois dos principais articuladores do PMDB na sucessão presidencial em 2010, de impedir o trancamento da pauta do Congresso por medidas provisórias tem sua constitucionalidade questionada por juristas. Na análise de especialistas ouvidos pelo Valor, a decisão é política e deveria ser rejeitada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Professor titular de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo, Virgílio Afonso da Silva considera correto, do ponto de vista político, que Michel Temer e José Sarney queiram alterar a situação atual do Congresso, onde há atraso na votações de matérias importantes por conta do travamento da pauta por MPs. “Mas, do ponto de vista jurídico-constitucional, a interpretação dele (Temer) não faz grande sentido.” Professor da FGV, Oscar Vilhena Vieira reforçou: “É uma interpretação política. Não corresponde com aquilo que está na Constituição.”
Temer disse ter feito uma “interpretação sistêmica” da Constituição e, em reunião com Sarney, decidiram limitar o poder de MPs de trancarem pauta. O argumento usado por Temer, advogado constitucionalista, é que no cenário atual o equilíbrio entre os Poderes não é respeitado, uma vez que o Executivo impõe sua agenda ao Legislativo com as MPs. A Constituição, no artigo 62, sexto parágrafo, determina que depois de 45 dias da edição da MP a pauta fica trancada até que ela seja votada. Temer e Sarney querem que decretos legislativos, emendas e projetos de lei complementar, por exemplo, possam ser votados em sessões extraordinárias, mesmo que haja uma MP para ser votada.
Os constitucionalistas contestam: dizem que o artigo é claro e não abre margem para outra interpretação. Para eles, o Supremo deveria seguir o que está explícito na Constituição. Para o advogado Rui Celso Reali Fragoso, no debate do STF o que prevalecerá será a ” norma fria da Constituição e não a interpretação ideal”.
Além de dar mais poder aos presidentes da Câmara e do Senado, que decidirão sobre a relevância e urgência das MPs enviadas pelo governo, a decisão de Temer e Sarney poderá elevar ainda mais o número de MPs enviadas pelo governo, alertam os juristas. “Antes, com o travamento da pauta por MPs, era desaconselhável que o presidente enviasse mais MPs, sob o risco de atrapalhar votações de projetos de interesse do Executivo. Mas agora, sem constrangimentos, vai enviar ainda mais”, analisou Vieira.
Nos últimos dois anos, durante a gestão de Arlindo Chinaglia (PT-SP) como presidente da Câmara, o número de MPs aprovadas foi significativo. Em 2007, 42% do que foi aprovado pelos parlamentares foram medidas provisórias. No ano passado, elas representaram 25%.
Os constitucionalistas analisam o enfraquecimento da oposição no Congresso, que negocia a aprovação de projetos de seu interesse em troca do apoio na votação de MPs. “Essa decisão favorece o Executivo. Se o Congresso não analisar a MP, isso não vai atrapalhar a votação de projetos de interesse do governo”, disse Fragoso. “O problema central é que a minoria perderá o poder de criar obstáculos para as deliberações.”
A última vez que a Câmara votou pela alteração no rito das MPs foi em 2001, quando a Câmara era presidida pelo hoje governador de Minas, Aécio Neves (PSDB). Na época, a grande mudança foi a possibilidade de uma MP trancar a pauta. Os parlamentares aprovaram emenda constitucional que determina a prioridade da MP sobre as demais “deliberações legislativas”, com o trancamento da pauta a partir do 45 dia – justamente o parágrafo questionado por Michel Temer.
Na avaliação dos juristas, Temer não deveria apostar em uma nova interpretação do texto constitucional, mas sim articular a aprovação de emenda constitucional para alterar a tramitação das MPs. “O presidente da Câmara argumenta que é uma medida para equilibrar o poder do Legislativo com o do Executivo. Mas a emenda foi aprovada pelos próprios congressistas, em 2001. São eles que deveriam alterá-las”, disse Virgílio Afonso da Silva.
Antecessor de Temer na presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) empenhou-se em tentar destravar a pauta da Casa, com a Proposta de Emenda Constitucional 511/06, cuja principal mudança proposta é o fim do trancamento da pauta pelas MPs. A PEC, entretanto foi votada só em primeiro turno.