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8 de junho de 2022Drawback sobre serviços no Brasil?
22 de junho de 2022O serviço público pode ser prestado diretamente pelo Poder Público ou pela iniciativa privada, por meio de contrato de concessão ou permissão.
Neste prisma, a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição de 1988 (CF/88), no seu artigo 2º, inciso II, prescreve que a concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
Ainda, conforme inciso III, do artigo 2º, da referida lei, há a concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, que consiste a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegados pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado.
Outrossim, cabe aqui registrar, a exigência constitucional de prévia licitação nos regimes de concessão ou permissão, in verbis:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado. (grifei)
Nessa toada, vê-se que se trata de um contrato complexo, pois a concessão, além de não poder ser delegada para pessoas físicas, deve seguir os trâmites das modalidades nominadas concorrência ou diálogo competitivo.
Intervenção nos contratos de concessão e o exercício do contraditório: embasamento legal
Em observância ao artigo 175 da CF/88 e Lei nº 8.987/95, o Poder Público poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.
Assim, este controle e fiscalização é um poder-dever do concedente e busca concretizar os princípios de continuidade e adequação do serviço público, assim como a observância do regime jurídico legal e contratual correlatos. É o que trata o artigo 32 da lei:
Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.
Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida.
Logo, ao delegar a prestação de alguns serviços públicos, resguarda para si, na qualidade de poder concedente, a prerrogativa de regulamentar, controlar e fiscalizar a atuação do delegatário.
Na mesma esteira, o artigo 33 da Lei nº 8.987/95, dispõe:
Art. 33. Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.
§ 1o Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização.
§ 2o O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção. (grifei)
Portanto, deduz-se, da leitura dos dispositivos, que, em ocorrendo a intervenção, o direito de defesa do concessionário é postergado, só sendo realizado com a instauração do procedimento administrativo para apuração das irregularidades.
Decisão do STJ no RMS 66.794-AM
O transporte coletivo intramunicipal é de competência do município que pode exercer diretamente ou transferir para a iniciativa privada. É o que dispõe o artigo 30, V, da CF/88:
Art. 30. Compete aos Municípios:
[…]
V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
Inclusive, com base nos artigos 30, inciso V e 175 da CF/88, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede repercussão geral cravou a seguinte tese:
Salvo situações excepcionais, devidamente comprovadas, o implemento de transporte público coletivo pressupõe prévia licitação. STF. Plenário. RE 1001104, Rel. Marco Aurélio, julgado em 15/05/2020 (Repercussão Geral – Tema 854).
No que concerne ao contrato de concessão dessa natureza e sua materialização/execução, a 2ª Turma do Tribunal da Cidadania no acórdão proferido em Recurso ordinário em Mandado de Segurança 66.794-AM, sob relatoria do Ministro Francisco Falcão decidiu:
EMENTA
ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO.
I – Na origem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas impetrou mandado de segurança visando à decretação da nulidade da intervenção no sistema de transporte coletivo urbano do Município de Manaus-AM.
II – O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas denegou a ordem entendendo dispensável estabelecer contraditório prévio à decretação da intervenção, afastando a alegação de confisco e decidiu que seria necessária a produção de prova pericial.
III – Conforme se extrai do regime jurídico do art. 175 da Constituição e da Lei de Concessões – Lei n. 8.987/1995, o Estado delega a prestação de alguns serviços públicos, resguardando a si, na qualidade de poder concedente, a prerrogativa de regulamentar, controlar e fiscalizar a atuação do delegatário. A intervenção no contrato de concessão visa assegurar a adequação na prestação do serviço público, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes (art. 32 da Lei n.8.987/1995).
IV – De um lado, o poder concedente deve \”instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa\” (art. 33 da Lei n. 8.987/1995). De outro, não se pode desconsiderar que eventuais ilegalidades no curso do procedimento dependem de comprovação de prejuízo.
V – Em se tratando de intervenção, o direito de defesa do concessionário só é propiciado após a decretação da intervenção, a partir do momento em que for instaurado o procedimento administrativo para apuração das irregularidades. Isso porque a intervenção possui finalidades investigatória e fiscalizatória, e não punitivas.
VI – No caso, não cabe a concessão da segurança, dado que a impetração exigiria atividade instrutória mediante produção de provas, inclusive periciais, a fim de esclarecer eventual reequilíbrio econômico-financeiro no contrato, bem como as alegadas nulidades no curso da intervenção no contrato de concessão firmado entre as concessionárias de transporte coletivo e o Município de Manaus. Não foi demonstrado o alegado direito líquido e certo, bem como não houve comprovação, de plano, da violação ao direito por ato ilegal ou abusivo atribuído às autoridades públicas.
VII – Recurso ordinário desprovido.
STJ. 2ª Turma. RMS 66.794-AM, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 22/02/2022 (Info 727).
O caso concreto tratava de situação em que o município celebrou contrato de concessão com uma empresa privada por meio da qual transferiu a execução do serviço público de transporte intramunicipal de passageiros.
Após alguns anos, verificaram-se irregularidades graves na execução do contrato, o que prejudicava a adequabilidade da prestação do serviço.
Posteriormente, o município decretou a intervenção neste contrato de concessão. Então, foi impetrado mandado de segurança sob alegação de que o Município não garantiu à concessionária o contraditório e a ampla defesa, com a instauração de processo administrativo prévio
Extrai-se do acórdão que a intervenção possui finalidades investigatória e fiscalizatória, e não punitiva. Logo, a lei nº 8.987/95 não exige que se estabeleça contraditório prévio à decretação da intervenção, sendo esse contraditório realizado após o ato.
O regime jurídico de controle, do qual decorre, dentre outros, o ato de intervenção, segundo Carvalho Filho (2013) caracteriza-se como \”o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder\”.
Neste diapasão, ao realizar o cotejo entre a ordem legal/constitucional, entendimento do STJ em sede repercussão geral e doutrinário, vê-se que esse regime jurídico de controle é um mecanismo legítimo de concretude dos princípios que regem a prestação de serviços públicos, quais sejam: os princípios da continuidade, da generalidade, da atualidade, da modicidade das tarifas e da cortesia, todos, embasados na Lei nº 8987/95.
Conclusão
Regular o serviço público consiste na adequação normativa com o escopo de sua concretização e afastamento de óbices que possam frustrar a execução do serviço público.
Outrossim, o regime jurídico de controle é um mecanismo legítimo para fins de alinhamento de sua atuação com os princípios que regem a prestação de serviços públicos, tais como: os princípios da continuidade, da generalidade, da atualidade, da modicidade das tarifas e da cortesia, todos, embasados na lei nº 8.987/95.
Nesse diapasão, a competência constitucional para a instituição do serviço inclui o poder de regulamentação, assim como de controlar sua execução. Portanto, a intervenção é um procedimento legítimo para apuração de irregularidades de ordens investigatória e fiscalizatória, o que, por não ter finalidade lucrativa justifica a postergação do contraditório.
