A recente prisão do banqueiro Daniel Dantas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, algemados diante das câmeras de televisão, trouxe à tona uma discussão antiga entre os juristas.
O uso de algemas é realmente necessário? Na noite de quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim às discussões e editou uma súmula determinando que o uso de algemas deve ser uma exceção nas prisões e durante os julgamentos.
As algemas foram limitadas aos casos em que houver risco de fuga ou risco à segurança do preso ou de outras pessoas. Havia um projeto de lei em discussão no Congresso Nacional desde 2004. No entanto, devido à falta de regulamentação coube ao tribunal decidir diversas vezes em quais situações o seu uso era admitido.
Aprovada por unanimidade, a medida foi resultado de um recurso movido por um preso de São Paulo, que foi julgado no tribunal de júri quando estava algemado. Os ministros consideraram que o fato interferiu negativamente na sua imagem frente aos jurados, e o julgamento foi anulado.
O STF segue o entendimento da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que ainda na quarta-feira aprovou, também por unanimidade, um projeto que restringe o uso de algemas. A medida ainda precisa ser votada em segundo turno na própria CCJ, na próxima semana, antes de ser enviada ao plenário da Câmara. Parte de substitutivo do senador José Maranhão (PMDB-PB) ao projeto de lei do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), a proposta deve passar por um segundo turno no CCJ essa semana para então ser enviada ao plenário da Câmara.
O ministro do STF Carlos Ayres Britto defende que \”teoricamente, algemas servem para impedir fuga, agressão, suicídio\”. No entanto, para ele, em boa parte dos casos o acusado não oferece risco potencial para a sociedade. \”Algema só deveria ser usada quando realmente for necessário\”, afirma. Posição reiterada pelo presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul (OAB-RS), Cláudio Lamachia. \”O uso da algema deve ser restringido.
Em boa parte dos casos o suspeito não oferece risco.\” Já o delegado da polícia federal Rodrigo Carneiro Gomes vê as algemas como um recurso necessário para o transporte de presos e defende que elas devem ser uma regra e não exceção.
\”É uma questão de segurança para a própria pessoa, para os terceiros e para a equipe policial\”, explica. Ele cita diversos casos em que o suspeito era uma pessoa conhecida e que ao ser preso, sem algemas, acabou por se descontrolar e atentar contra a vida dos agentes e das pessoas próximas. \”O policial não tem bola de cristal para prever quando uma coisa dessas pode acontecer.
A imobilização faz parte do modo de trabalho dos agentes.\” \”A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU não abnega o uso de algemas, mas o tratamento indigno do preso e o uso transverso de algemas com fins de constrangimento ou antecipação da pena\”, afirma. O delegado acrescenta que é imprescindível uma padronização. \”É correto algemar na hora de ler os direitos ou depois.
Determinar se é possível fazer isso na frente de jornalista para não embaraçar a pessoa. São esses fatores que precisam ser definidos.\” Na sexta-feira o ministro da Justiça, Tarso Genro, se pronunciou sobre a decisão de STF e considerou a medida correta.
\”A decisão inaceitável seria a que fizesse distinção entre pessoas e funções públicas exercidas pelos que poderiam ou não ser algemadas, o que seria uma discriminação inaceitável e que feriria o princípio da igualdade formal, o que não é o caso\”, declarou.
Se a súmula for descumprida, o prejudicado poderá encaminhar uma reclamação diretamente ao STF contestando a colocação das algemas. Os integrantes do STF também resolveram enviar ofícios informando o conteúdo da decisão ao ministro Tarso Genro e aos secretários estaduais de Segurança Pública. Advogados vivem momento de desencanto O professor de Processo Civil da Pucrs e advogado João Lacê Kuhn conversou com o Jornal do Comérico, para o especial sobre o Dia do Advogado, a respeito de questões que afetam a vida dos juristas, como a inviolabilidade dos escritórios e a disciplinização do uso de algemas, que receberam definição na semana passada. Ele acredita que um dos principais problemas da classe é a falta de preparo, além do grande número de profissionais formados todos os anos.
Jornal do Comércio – Como o senhor vê a aprovação, com vetos, da lei sobre a inviolabilidade dos escritórios? J
oão Lacê Kuhn – Eu vejo com muita satisfação. Estávamos todos muito apreensivos, pois não sabíamos quais seriam as extensões dos vetos do presidente. A publicação da lei veio no sentido exatamente de conformar aquilo que a Constituição Federal e o Estatuto da Advocacia prevêem: o escritório de advocacia é inviolável, mas inviolável até certo ponto.
A Lei veio a relativizar esse valo da inviolabilidade dos escritórios. Acho muito prudente que isso aconteça porque os advogados têm sigilo profissional, sigilo de cliente. No entanto, esse sigilo pode ser questionado, e é isso que coloca a medida. Se há crimes antecedentes, o poder judiciário poderá fazer com que, em função desses crimes, se arreste documentos e se quebre o sigilo dos escritórios dos profissionais.
JC – Os vetos não foram um problema?
Lacê Kuhn – Não, não foram. Acho que os vetos foram prudentes e eu concordo com eles, no sentido de promover a relativização.
JC – Na quinta-feira o Supremo Tribunal Federal aprovou uma súmula vinculante a respeito do uso de algemas pela polícia, o senhor concorda?
Lacê Kuhn – Concordo e tenho a mesma opinião dos ministros.
O uso da algema é necessário sim, mas deve ter critérios bastante definidos. Por exemplo, quando o preso provocar perigo ao próprio agente ou à sociedade, quando ele for considerado perigoso. É verdade que esses critérios são subjetivos, mas o agente como é muito bem preparado tem essa sensibilidade e acertará em mais de 98% dos casos.
JC – Temos casos de pessoas presas e levadas sem algemas que acabaram prejudicando não só os agentes como terceiros. Isso não seria suficiente para torná-las uma regra?
Lacê Kuhn – Não discordo que já tivemos casos desse tipo, mas na proporção eles são insignificantes e não serviria a exceção para pautar uma regra.
Quando se fala que as algemas devem ser usadas em situações especiais é evidente que nós sempre vamos ter uma exceção em que ela não foi utilizada ou que o agente teve uma dificuldade de percepção e por causa disso criou uma ameaça para si e para a sociedade. Agora isso sempre será uma exceção.
JC – Quais os principais problemas enfrentados pelos advogados?
Lacê Kuhn – Na minha visão, são quatro as principais questões que se colocam frente aos advogados. Primeiro, a grande quantidade de profissionais. Isso é uma realidade. Nós temos um volume muito grande de bacharéis sendo formados pelas faculdades e colocados no mercado. Segundo, em função da quantidade de bacharéis e do mercado, que não consegue absorver todos esses advogados, nós temos um desencanto com a profissão.
O terceiro é a falta de qualificação dos colegas. Não qualificação ética, mas qualificação técnica. Nós terminamos uma faculdade e essa faculdade não é suficiente, terminamos uma especialização e ela também não é o bastante. Na prática, os profissionais que têm o melhor preparo sempre acabam se destacando.
A quarta questão é a morosidade da própria Justiça. Um caso demanda dez, quinze anos, e o advogado fica à mercê da solução dessas decisões judiciais para obter a sua remuneração. Essas questões são extremamente delicadas. Criou-se uma concorrência predatória, inclusive no meio acadêmico.
JC – O Ministério da Educação (MEC) propôs uma diminuição de pelo menos 3,5 mil vagas nos cursos de Direito, medida que se soma às vagas já cortadas no início do ano. Como professor, o senhor concorda com essa interferência nas faculdades?
Lacê Kuhn – Esta é uma medida salutar. A limitação de profissionais às necessidades e à realidade do mercado estava ficando por conta da Ordem dos Advogados através do Exame, e isto não é suficiente. O exame de Ordem não é uma prova limitativa, mas qualitativa. Isto significa dizer que todos aqueles que alcancem uma média exigida pela Ordem dos Advogados vão poder estar no mercado.
Se o Ministério da Educação efetivamente tiver uma atuação completa de diminuição de vagas nas faculdades, vai evitar uma série de coisas, inclusive esses problemas que nós comentamos antes. A qualificação profissional vai ser objeto de preocupação dessas faculdades, nós vamos ter profissionais com melhor preparo, um número menor de advogados e o mercado vai estar afeito a sua absorção. Enfim, faz parte de um processo de qualificação geral da categoria, que já foi muito mais valorizada do que é hoje.
JC – Então o Exame de Ordem não é mais suficiente?
Lacê Kuhn – Não, porque, repito, o Exame de Ordem é apenas qualitativo. Ele tem um papel importante para fazer o nivelamento, mas não possui o condão de evitar que os colegas despreparados ingressem no mercado de trabalho.
JC – Em setembro teremos a segunda fase do Exame de Ordem. O Rio Grande do Sul sempre foi visto como um Estado intelectualizado, no entanto ficou entre os últimos colocados em termos de aprovação na primeira fase. A que se deve isso?
Lace Kuhn – Esse fator de o Rio Grande do Sul ter ficado abaixo da média nacional se deve, em boa parte, à troca de instrumento de avaliação. Antes a prova era feita pela OAB gaúcha, inteirada com as necessidades e dificuldades do ensino jurídico no Estado. A Cesp tem outros critérios. Na medida em que esses concursos forem realizados, não tenho dúvidas de que o Rio Grande do Sul irá qualificar os seus índices de aprovação.
JC – Isso não se deveria à grande quantidade de bacharéis formados?
Lace Kuhn – Também, o que retoma as questões sobre as quais falamos antes. Grande quantidade de bacharéis, um curso de cinco anos em que há pouca preocupação com a qualificação dos alunos, tanto do ponto de vista dos estudantes quanto da instituição, e isso faz com que o Exame de Ordem seja uma prova com um nível de aprovação baixo.