Tema corriqueiro no âmbito dos processos de insolvência, a extinção de obrigações por meio da compensação ainda gera certa discussão quando uma das partes encontra-se em regime de recuperação judicial ou falimentar.
Como é de conhecimento geral, a compensação é uma forma de extinção de obrigações regulada pelos artigos 368 a 380 do Código Civil, aplicável quando duas pessoas se tornam credoras e devedoras uma da outra, até o limite das obrigações, operando-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.
A primeira questão que surge é se a compensação opera de pleno direito ou se demanda pronunciamento judicial para a sua ocorrência. Fato jurídico bastante comum no dia a dia, em geral a compensação é efetivada sem maiores questionamentos e com efeitos ex tunc.
Contudo, se qualquer das partes envolvidas estiver sob regime de insolvência, devem ser observados requisitos adicionais para a sua implementação e, em caso de dúvidas quanto à presença de seus requisitos, a questão deve ser submetida ao juízo concursal.
Isso porque, uma vez deferido o processamento da recuperação judicial ou decretada a falência do devedor, a exigibilidade das obrigações sujeitas ao concurso de credores instaurado fica suspensa, nos termos do artigo 6º da Lei 11.101/2005, interferindo diretamente em um dos requisitos essenciais para a compensação de obrigações recíprocas.
Surge, assim, um segundo questionamento: é possível a compensação de créditos sujeitos às regras de um concurso de credores?
Com a exigibilidade suspensa, as obrigações sujeitas ao regime recuperacional ou falimentar passam a ser regidas pelos princípios e regras do concurso de credores, de modo que tais créditos somente poderão ser satisfeitos de acordo com o plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e homologado pelo juízo ou, em caso de falência, de acordo com a ordem legal de preferência estabelecida no artigo 149 da Lei 11.101/2005, sempre observado o tratamento paritário entre credores de mesma classe.
Para análise da questão, deve-se ter em mente que se compensam dívidas contemporâneas. Havendo reciprocidade entre credor e devedor e sendo as dívidas líquidas, fungíveis e exigíveis simultaneamente, ocorre a compensação, extinguindo-se as obrigações ativas e passivas até o limite das obrigações. Portanto, deve-se buscar o exato momento em que os requisitos para a compensação se reúnem.
Se todos os requisitos estiveram presentes, simultaneamente, em período anterior ao ajuizamento do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, e ausente qualquer outra hipótese impeditiva, salvo melhor juízo, a compensação deve ser reconhecida pelo juízo, com a extinção das obrigações até onde se compensarem, devendo eventual saldo apurado em desfavor da recuperanda ou da falida permanecer listado no quadro geral de credores para oportuna satisfação, de acordo com o plano de recuperação judicial ou com as regras do concurso falimentar. Caso exista saldo em favor da recuperanda ou falida, a obrigação remanescente deve ser imediatamente satisfeita.
Por outro lado, se os requisitos para a compensação forem verificados após a instauração do concurso de credores, deve-se primeiramente analisar se os créditos se submetem às suas regras.
Se todas as obrigações do devedor se submetem ao regime falimentar, classificadas segundo as regras dos artigos 83 e 84 da Lei 11.101/2005 e satisfeitas de acordo com a ordem legal estabelecida no seu artigo 149, a assertiva se altera no regime recuperacional.
Tratando-se de devedora em regime de recuperação judicial, suas obrigações abrangidas pela reestruturação (artigo 49, Lei 11.101/2005) devem ser cumpridas nos termos do plano de recuperação judicial homologado. Assim, ainda que as dívidas sejam contemporâneas e anteriores à recuperação judicial, caso alguma das obrigações tenha se tornado líquida ou exigível após o ajuizamento da recuperação judicial, a obrigação da recuperanda estará abrangida pelo artigo 49 da Lei 11.101/2005 e a compensação deve ser atingida pela novação prevista no artigo 59 da Lei 11.101/2005.
Tanto na recuperação judicial como na falência, os créditos sujeitos ao concurso de credores são passíveis de compensação, observadas as disposições do plano de recuperação judicial e a ordem legal dos pagamentos na falência.
O que se verifica nesses regimes de insolvência é a alteração das condições originalmente contratadas, devendo-se se considerar a nova forma e prazo de pagamento estabelecidos na renegociação coletiva da recuperação judicial e, na falência, o tempo e modo da realização dos pagamentos, obedecida a ordem legal de preferência.
Tais condicionantes para o reconhecimento da compensação se deve à inevitável observância do princípio da paridade entre os credores, segundo o qual o credor não pode obter vantagem em razão da qualidade de credor da recuperanda ou da massa falida, uma vez que o pagamento das obrigações do devedor em regime de insolvência deve se dar de forma uniforme com relação aos credores da mesma classe.
Em resumo, com o descasamento no tempo da exigibilidade das obrigações recíprocas causado pelo deferimento do processamento da recuperação judicial ou pela decretação da falência, cabe ao juízo concursal a rigorosa análise dos requisitos legais para a ocorrência da compensação, assegurando o tratamento paritário entre os credores.
Fonte: Conjur