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Ano : 2010 Autor : Dr. Vinicius Santos

A incidência exclusiva de ISS na manipulação de medicamentos por farmácias – ilegalidade da cobrança de ICMS

Inicialmente cumpre-nos diferenciar as farmácias de manipulação das farmácias em geral, em que temos a venda de medicamentos. Não se pode confundir a natureza das atividades praticadas pelas farmácias de manipulação com a das farmácias de simples venda de medicamentos, "medicamentos de prateleira", produtos esses que a empresa já recebe prontos para a venda, somente repassando ao consumidor. Enquanto na farmácia de manipulação temos como principal característica do negócio jurídico uma obrigação de fazer, confeccionar o produto, na farmácia de venda de medicamentos temos uma obrigação de dar, entregar mediante venda ao consumidor produto confeccionados por outros laborátórios. Vejamos a lição de José Eduardo Soares de Melo:

 

 "Os serviços (obrigações de fazer) distinguem-se das mercadorias (obrigações de dar), sendo irrelevante a significação econômica, os bens utilizados, e o fato de se traduzirem em elementos corpóreos. É impertinente aplicar uma teoria da preponderância com o objetivo de mensurar o custo pertinente ao esforço intelectual e material (serviço), e aos bens aplicados (mercadorias)". [1]

 

Assim podemos facilmente concluir de na simples venda de medicamentos incide ICMS. Vejamos então o caso das farmácias de manipulação e a materialidade do ISS.

 

O Imposto Sobre Serviço foi inicialmente implantado pelo CTN em 1966, em seus arts. 71, 72 e 73, que já em 1968 foram revogados pelo Decreto-Lei 406/68. O Decreto foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e apenas em 2003 tivemos nova legislação sobre o tema com a promulgação da Lei Complementar nº 116/03.

 

Tanto o Decreto-Lei 406/68[2] como a Lei Complementar nº 116/03[3] trazem os aspectos fundamentais do imposto, tal qual seu fato gerador, base de cálculo, e o local eleito como o da ocorrência do fato jurídico tributário entre outros, e uma lista anexa que define os serviços que sofrem a incidência do ISS.

 

Tivemos muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do ISS. Primeiramente foi questionada a legalidade de tamanha intervenção federal num tributo de competência municipal e o desrespeito ao pacto político e à soberania municipal. A seguir foi questionado se a lista anexa ao Decreto-Lei 406/68 e a Lei Complementar nº 116/03 seriam taxativas ou exemplificativas. Muitas discussões ocorreram também quanto ao local onde se dá o fato gerador, se na sede da empresa prestadora ou no local onde o serviço é tomado. Esses pontos não são o foco de nosso trabalho, assim passamos por eles para irmos diretamente ao enfrentamento da questão proposta.

 

A Constituição prevê a tributação sobre serviços em seu art. 156 ao discorrer sobre as competências municipais em matéria tributária. A referência é direta ao expressar que os serviços tributáveis são os não compreendidos pelo art. 155, II (de competência dos Estados) e definidos em Lei Complementar (no caso a LC 116/03)[4].

Temos então que a tributação ocorrerá sobre o negócio jurídico da prestação do serviço, sob o regime de direito privado, como atividade fim do prestador. Como diz Gustavo da Silva Amaral:

 

“... serviço possui a qualidade do esforço humano dirigido a outrem (obrigação de fazer, lhe dá nota característica), com ganho econômico, em caráter negocial e habitual, visando produzir um bem material ou imaterial, não padronizado”[5]

 

É importante frisar que o bem produzido pelo serviço prestado não pode ser padronizado, pois assim teríamos a incidência de IPI e ICMS, impostos de competência Federal e Estadual, respectivamente.

 

Pelo que vimos até o momento, o serviço de manipulação de medicamentos pelas farmácias de manipulação se enquadra perfeitamente ao critério material do ISS. Temos a manipulação dos medicamentos como o serviço de produzir produto não padronizado por solicitação de outrem, mediante negócio jurídico de direito privado, com ganho econômico e realizado de forma habitual.

 

Porém temos ainda a que verificar  a Lei Complementar 116/2003. Todavia a lista anexa e sua possível taxatividade não são grandes problemas visto que o item nº 4.07 elenca: “Serviços Farmacêuticos”. Assim não teríamos nenhuma dificuldade em afirmar que a manipulação de medicamentos é serviço que sofre a incidência de ISS.

 

Outrossim, os  Estados realizam a cobrança de ICMS sobre os produtos resultantes deste serviço, alegando ser uma atividade mista em que a entrega, ou seja, a venda do produto seria a atividade preponderante, assim ignorando não só a LC 116/2003, que trata do ISS,  mas também a LC 87⁄96, que trata do ICMS e dispõe:

 

“Art. 2º O imposto incide sobre:

(...)

IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios"

 

A questão é nova e a jurisprudência não está pacificada, mas segue na direção da incidência exclusiva de ISS, com recente julgado do STJ[6] que declarou a incidência de ISS e não de ICMS nesses casos. A decisão data de  16/10/2008 e com Relatoria do Ministro Herman Benjamin, a 2ª Turma, de forma unânime, deu provimento ao REsp 975.105-RS, interposto por Dermapelle Farmácia Ltda e outros contra o Estado do Rio Grande do Sul. A decisão fez referência a julgado de março deste ano realizado na 1ª Turma da Casa, REsp 881.035-RS, e assim, ambas turmas unificam entendimento no sentido de que a incidência de ISS pelo serviço constante na Lista anexa à LC 116/03 afasta a incidência de ICMS.

 

O fundamento do REsp 881.035-RS, de Relatoria do Ministro Teori Albino Zavaski é claro e preciso:

 

“... o ISS incidirá tão-somente sobre serviços de qualquer natureza que estejam relacionados em lei complementar, ao passo que o ICMS, além dos serviços de transporte, interestadual e intermunicipal, e de comunicação, terá por objeto operações relativas à circulação de mercadorias, ainda que as mercadorias sejam acompanhadas de prestação de serviços, salvo quando esteja relacionado em lei complementar, como sujeito a ISS.

Trata-se, como se vê, de normas que convivem em perfeita harmonia, não havendo a menor dificuldade em sua interpretação.

...

De tudo se colhe, em suma, o seguinte: (a) sobre operações "puras" de circulação de mercadoria e sobre os serviços previstos no inciso II, do art. 155 da CF (transporte interestadual e internacional e de comunicações) incide ICMS; (b) sobre as operações "puras" de prestação de serviços previstos na lista de que trata a LC 116⁄03 incide ISSQN; (c) e sobre operações mistas, incidirá o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116⁄03 e incidirá ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista.

...

Ora, os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116⁄03, que arrola os serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, estabelecido que o fornecimento de medicamentos manipulados constitui operação mista, que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não há dúvida de que, a partir da vigência da referida Lei Complementar, tal operação não está sujeita a ICMS, mas sim a ISSQN.”[7]

 

Assim concluímos pela incidência unicamente de ISS sobre os serviços de manipulação de medicamentos realizados por farmácias, conseqüentemente sendo ilegal a cobrança de ICMS sobre esses serviços, pois viola a LC 116/2003 e a LC87⁄1996.



[1] Paulsen, Leandro, Impostos: federais, estaduais e municipais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004

[2] Decreto-Lei 406/68

Art. 1º O imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias tem como fato gerador...

Art. 8º (...)

§ 1º Os serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao imposto previsto neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadoria.

§ 2º O fornecimento de mercadorias com a prestação de serviços não especificados na lista fica sujeito ao imposto sobre circulação de mercadorias.

[3] Lei Complementar nº 116/03

Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

(...)

§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias

 

[4] Constituição Federal de 1988

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

IX – incidirá também:

(...)

[5] AMARAL, Gustavo da Silva. “ISS – Materialidade de sua Incidência”. In: Curso de especialização de direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coord. Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro: Forense: 2007. p. 483/498.

[6] Informativo nº 0372. Período: 13 a 17 de outubro de 2008. Segunda Turma.

SERVIÇO. FARMÁCIA. MANUPULAÇÃO.

Trata-se de REsp em que o cerne da questão é saber se incide o ICMS ou o ISS sobre os serviços prestados por farmácia de manipulação. A Turma deu provimento ao recurso por entender que, no caso das farmácias de manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob encomenda conforme a receita apresentada pelo consumidor, há incidência exclusiva do ISS, visto que se trata de serviço previsto expressamente na legislação federal (item 4.07 da lista anexa à LC n. 116/2003). Precedente citado: REsp 881.035-RS, DJ 26/3/2008. REsp 975.105-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/10/2008.

[7] REsp 881.035-RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma STJ, DJ 26/3/2008.


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