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Ano : 2010 Autor : Édison Freitas de Siqueira

Dura Lex Sed Lex, diria Getúlio Vargas

Quando falamos em Estado de Direito nos referimos a um país organizado a partir da ideia de que tudo e todos devem submeter-se ao Império da Lei. Dentro desse conceito, as leis se aplicam por meio de uma hierarquia em que a Constituição Federal está no ápice da pirâmide e as demais abaixo dessa. Portanto, apoiar a gestão pública ou mesmo as decisões judiciais que contrariam a Constituição Federal enfraquece o ideal do Estado de Direito e desequilibra as relações entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

As leis, por sua vez, deveriam emergir por meio da iniciativa de deputados e senadores eleitos democraticamente. A sua aplicação deve considerar a intenção e as razões do legislador que estiveram presentes no período em que a lei foi elaborada. Por conseguinte, inobservando o "espírito da lei", sua aplicação não se adequara à vontade do órgão legislador e da sociedade que representam.Qualquer decisão ou interpretação de lei contrária a vontade do legislador é uma forma de corromper a justiça e o Estado de Direito.

Vejamos o caso do petróleo brasileiro: ainda está muito presente na minha memória a frase histórica do Presidente Getúlio Vargas, quando da criação da Petrobrás, outrora uma estatal, hoje uma empresa “privada”.

Nosso então Presidente assim pronunciou-se em memorável discurso: “O petróleo é nosso!”

Getúlio Vargas foi muito festejado pelos brasileiros, pois seu discurso e sua decisão de criar a Petrobrás traduziu o espírito e a vontade da sociedade, a qual queria, e ainda quer, que suas riquezas naturais (localizadas abaixo do solo) sejam consideradas patrimônio da Nação Brasileira e não somente de um único Estado da Federação, muito menos para exploração de outras nações.

Será que devo me atrever a pensar que o Presidente Getúlio Vargas, ao referir-se que o “Petróleo é nosso”, dirigia suas palavras, tão somente, aos moradores do Estado do Rio de Janeiro, nossa antiga capital do Brasil?

É evidente que cometemos um erro histórico. A Nação e os políticos brasileiros deixaram, desde a criação da Petrobrás, de observar a Constituição Federal e o “espírito da lei". Além disso, estamos falando de puro nacionalismo, pois os recursos utilizados para criar a Petrobrás não vieram do Tesouro do Estado do Rio de Janeiro, nem do erário da municipalidade carioca. O dinheiro para integralizar o capital social da Petrobrás, no momento de sua criação como pessoa jurídica de direito privado (não uma estatal), foi da União Federal - dinheiro de todos os Estados do Brasil, de todos os brasileiros. Por consequinte, com esse dinheiro da “União Federal", sócia majoritária da Petrobrás, tornou-se possível a prospecção, extração e refino do Petróleo situado no subsolo da República Federativa do Brasil.

Por essa razão, a Constituição Federal vigente, ou mesmo sua versão de 1934, estabelece que as riquezas minerais do subsolo brasileiro pertencem à União, não se lendo em parágrafo ou alínea quaisquer que o petróleo pertence a um único Estado específico da Federação, ou que um Estado irá receber royalties em nome dos demais.

Por isso, a discussão atual provoca tanto alvoroço. Não porque é justo discuti-la, mas porque trouxe à tona uma circunstância jurídica que há muito vem sendo ignorada e que, agora, os beneficiados não querem abrir mão das vantagens mantidas e os prejudicados não assumem o erro histórico de não terem exigido o cumprimento da lei desde a sua criação. Afinal de contas, os royalties deveriam estar sendo distribuídos de forma federativa e não da maneira seletiva e inconstitucional como vem sendo feito.

Por outro lado, a apropriação dos ganhos obtidos pela extração, transporte e refino do petróleo se dá de diversas maneiras. Não são apenas os royalties da exploração que envolvem aquisição de riqueza. O Estado do Rio de Janeiro já perde argumentos sociais para justificar a manutenção dos privilégios atuais. O Estado carioca é quem mais se beneficia deste fluxo de bens, serviços, empregos e capital gerados pela exploração, refino e comercialização do Petróleo. É justo, portanto, que os royalties não sejam só para o Estado do Rio de Janeiro. Estes devem ser divididos entre todos os Estados da União Federal.

O correto seria que os demais Estados fossem compensados pelo fato do Rio de Janeiro beneficiar-se da concentração de riqueza que o petróleo gera; o que é justo e desejável é perfeitamente natural!

A maior parte do petróleo brasileiro é extraída na Bacia de Campos. Os salários pagos aos profissionais que operam as plataformas, os petroleiros, os dutos e a equipe de suporte administrativo acabam sendo gastos no Rio de Janeiro e em São Paulo, gerando desenvolvimento econômico e arrecadação de impostos centralizados. Os bens de capital, equipamentos e acessórios para a manutenção e operação vão e vêm principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo, gerando estrutura e empregos definitivos predominantemente nessas regiões. A REPETRO (o regime especial para importação de bens e equipamentos), que, em tese, impede o Estado do Rio de Janeiro de arrecadar ICMS sobre esses equipamentos, mas não impede o pagamento de ICMS recolhido pela compra de outros bens no Estado, a partir dos salários e investimentos feitos e recebidos exclusivamente lá. Tanto assim que os estudos do PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural) indicam que o Estado mais beneficiado pela isenção foi São Paulo, que também é um dos Estados que recebe quase a totalidade dos royalties do petróleo.

A Petrobrás é uma sociedade anônima, ou seja, uma empresa privada de capital aberto que possui sócios que vivem em todo o mundo, pois compraram suas ações em bolsas de valores como a de New York.

Portanto, a solução para esse impasse sobre os Royalties do petróleo que é “nosso”, está na premissa de respeitarmos o “estado de direito", mesmo que para isso tenhamos que assumir o erro político que até hoje não discutimos ou observamos a inadequação da distribuição da riqueza nacional, uma vez que a Constituição Federal estabelece que o petróleo é “nosso" e não do Rio ou da descoberta de cada um dos poços de nossas bacias.


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