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Ano : 2010 Autor : Dr. Marcelo Monticeli Gregis

LIMITAR O ALCANCE DA CLÁUSULA PENAL EM CONTRATOS DESPORTIVOS - AFRONTA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A atual posição do TST (1ª Seção de Dissídios Individuais), tocante à aplicação da cláusula penal estipulada nos contratos entre jogadores e seus respectivos Clubes, maltrata dispositivos da Carta Magna.

Esta Corte Superior vem decidindo a favor dos Clubes de Futebol quando instada a julgar matéria relativa à incidência da cláusula penal no contexto desportivo – em que pese a rescisão contratual na maioria das vezes ser patrocinada pelo Clube.
 
Ao limitar a extensão dos efeitos da cláusula penal (estipuladas no contrato desportivo), ainda que a legislação assim não autorize, o TST viola preceitos há muito já consagrados na Constituição Federal: arts. 1º, III e VI, 3º, 5º, caput, 6º e 7º.

A começar pelo princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III e IV), o qual, por ser inerente a toda pessoa humana, além de sua grande relevância (direito conquistado a duras penas), a Constituição da República de 1988 o alçou a princípio fundamental.

A dignidade humana deve ser observada em todas as relações interpessoais, sobretudo as de natureza trabalhista, pois nestas é onde se flagram os maiores desrespeitos ao ser humano, evidenciada pela própria peculiaridade do contrato: o Empregador o elabora de acordo com suas conveniências, restando, ao Empregado, apenas sujeitar-se ao mesmo acaso tenha interesse em laborar.

O Atleta de futebol, ao assinar contrato de trabalho com o Clube, o faz nas exatas condições elaboradas (unilateralmente) por seu Empregador.

Tal contrato, por sua vez, quando prevê multa (cláusula penal) para o caso de seu descumprimento, deve ser válido também nas rescisões promovidas pelo Clube.

Entender que somente aos atletas se aplica a cláusula penal significa afrontar princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado nos incisos III e IV, do art. 1º, da CF, mediante a interpretação de norma trabalhista em desfavor do próprio Empregado/Atleta.

Se há norma contratual estabelecida entre Empregador [inclusive por ele redigido] e Empregado, nada mais justo (e digno) que seus efeitos alcancem ambos; prevista multa para descumprimento (rescisão) do contrato, a parte que descumpri-lo deverá indenizar a outra naquelas condições lá previstas, independente de qual delas rescindir.

Outra a ofensa de índole constitucional: art. 3º da CF (princípio da liberdade do trabalho).

Ao julgar que determinada cláusula (indenizatória) apenas incide em desfavor do atleta/empregado, o TST atenta explicitamente até mesmo contra Acordos Internacionais e à própria Organização do Trabalho, retomando aquela ideia já ultrapassada (e tão combatida) da própria escravização do trabalhador.

Tal entendimento - parcial incidência da cláusula penal (apenas em prol dos Clubes de Futebol) - ressuscita a escravização do atleta, porquanto o impede de exercer seus direitos de forma plena e em pé-de-igualdade com a parte que se relaciona; promove total desequilíbrio no âmbito da relação trabalhista entre Clube Desportivo e jogador de futebol.

A única proteção ao atleta contra um regime de verdadeira escravidão reside na aplicação ao contrato de trabalho de iguais direitos e obrigações tanto para o Clube/empregador quanto para o atleta/empregado.

As decisões judiciais que exoneram o Clube Desportivo do pagamento (mais que justo) da cláusula penal em prol do atleta apenas evidenciam ainda mais a escravidão que se mascara nessa atividade laborativa.

O descumprimento de preceitos constitucionais, em especial da liberdade do trabalho, promove situação de pura exploração da atividade do atleta de futebol de forma desproporcional, além de afrontar o princípio da isonomia.

Quando atleta e Clube celebraram um contrato, com previsão (expressa) da cláusula penal, tais condições valem [ou deveriam valer] para ambas as partes, e não apenas em desfavor do atleta.

Raciocínio contrário configura tratamento discriminatório, inclusive porque, quando o Clube firmou o contrato, fê-lo de livre e espontânea vontade, aceitando as condições [e ônus também] nele pactuadas.

Daí o princípio da isonomia que norteia os contratos, somente podendo ser desconsiderado quando ressalvada por lei, o que não ocorre no art. 28 da Lei n. 9.615/98.

Presente, portanto, o princípio da isonomia/igualdade no contrato trabalhista, sobretudo tocante à cláusula penal acordada pelas partes, o mesmo deve ser devidamente observado pelo Judiciário ao analisar a matéria.

A negativa de vigência ao art. 5º, caput, da CF, decorre quando a cláusula penal estipulada na relação trabalhista vale tão somente para o Clube/Recorrido, esvaziando do atleta qualquer indenização em caso de descumprimento do contrato motivado pelo seu Empregador.  

Surge aí a quebra do caráter sinalagmático do contrato trabalhista, já que os efeitos de determinada cláusula [penal] incidem apenas quando o jogador descumprir o contrato, e não em hipótese contrária.

Este raciocínio inclusive é endossado, ainda que de forma isolada, pelo Min. ALOYSIO CORREA DA VEIGA, do TST, quando, no julgamento dos embargos de divergência, ressalta o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF):


“Entender que a cláusula penal tem como único obrigado o atleta que rompe, antecipadamente, o contrato de trabalho contrasta com o direito e retira o sinalagma, na medida em que pretende impor ao atleta encargo desproporcional ao exigido da entidade desportiva. Não há, penso, como consagrar o desequilíbrio das relações contratuais pela existência de cláusula penal compensatória, a beneficiar apenas uma das partes contratantes, pela mesma inexecução faltosa.

(...)

Admitir-se a existência da cláusula penal, pelo rompimento antecipado, sem justo motivo, do contrato de trabalho apenas para a agremiação de futebol contribuiria para o desequilíbrio da relação jurídico contratual.”

Aplicar a cláusula penal apenas em favor dos Clubes desequilibra a relação trabalhista, porquanto promove a seguinte hipótese: dois pesos, duas medidas.
 
A indenização, em caso de rescisão de contrato desportivo, deve ser devida tanto ao atleta quanto aos Clubes de Futebol; do contrário, repita-se, haveria enorme desequilíbrio no contrato de trabalho, acarretando “quebra” dos princípios magnos da Tutela do Empregado e da Isonomia.

 


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