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Ano : 2009 Autor : Dra. Adriana Brasco

Princípio do contraditório e da ampla defesa nos procedimentos administrativos fiscais

Análise da inconstitucionalidade da proposta de enunciado de Súmula do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que visa suprimir garantias constitucionais nos procedimentos administrativos.

 

O Conselho Administrativo Fiscal, através da Portaria n. 97[1] submeteu à análise e votação propostas de enunciado de súmulas para uniformização dos procedimentos administrativos fiscais. Dentre os diversos enunciados submetidos à aprovação do Pleno, visa o presente ensaio analisar acerca da proposta de suprimir as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório no curso dos procedimentos administrativos.

 

A proposta de Súmula do CARF em análise é redigida da seguinte forma:

 

As garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa só se manifestam com a instauração do litígio.

 

Ora, é visível a inconstitucionalidade da referida Súmula proposta, pois fere diretamente o art. 5º, LV, da Constituição Federal[2] ao tentar condicionar a aplicação da ampla defesa e do contraditório à existência de litígio, conforme analisaremos a seguir. Necessário primeiramente, tecer algumas considerações acerca da diferença entre procedimento administrativo fiscal e processo administrativo fiscal.

 

Conforme Harada, o procedimento administrativo fiscal nada mais é do que uma seqüência ordenada de atos administrativos que visam, além de disciplinar as relações entre o Fisco e o contribuinte, obter um resultado, qual seja, o pronunciamento final da autoridade administrativa. Já o processo administrativo, seria um meio de composição de litígio ou de declaração de direito, tendo como fundamento uma relação jurídica de natureza tributária. O procedimento administrativo seria a parte dinâmica do processo administrativo.[3]

 

De qualquer forma, pode-se dizer que o procedimento administrativo fiscal gira em torno da discussão acerca do lançamento, uma vez que o contribuinte deixa de cumprir uma obrigação tributária, o Fisco dá início a atos fiscalizatórios que culminam com a lavratura do auto de infração. Diante deste fato o contribuinte pode pagar o tributo e extinguir o crédito tributário encerrando-se o procedimento administrativo, ou então, pode impugnar o auto de infração, instaurando-se a fase contenciosa da discussão acerca do lançamento. É daí, segundo Harada, que se dá o caráter litigioso do procedimento administrativo, pois há resistência à pretensão do Fisco, iniciando-se o processo administrativo.[4] 

 

A etapa contenciosa do procedimento administrativo só aparece quando há a formalização do conflito de interesses, ou seja, quando o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração. Só haveria litígio quando o Estado formaliza sua pretensão tributária praticada através do ato de lançamento. Só a partir daí instaura-se o processo administrativo.[5]

 

Nos parece que a controvérsia aqui cinge-se, portanto, na possibilidade de ampla defesa e contraditório nos procedimentos anteriores ao auto de infração, ou seja, antes da configuração do litígio, ou ainda, antes da instauração do processo administrativo fiscal.

 

Tendo a Constituição Federal incorporado o princípio do devido processo legal, princípio este que configura dupla proteção ao indivíduo e que atua tanto no âmbito material, protegendo seu direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade de condições com o Estado e plenitude de defesa, e, tendo o devido processo legal como corolários a ampla defesa e o contraditório tanto no âmbito judicial como no âmbito administrativo[6], o desrespeito a estes princípios significaria violar os direitos fundamentais do cidadão. Assim:

 

[...] embora no campo administrativo, não exista necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa.[7]

 

Assim, independente da existência de litígio, nos procedimentos administrativos fiscais devem ser observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, como forma de respeito ao próprio Estado de Direito e às garantias fundamentais dos indivíduos.

 

 



[1] PORTARIA Nº 97, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2009 (DOU 27/11/09).

[2] Art. 5º. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...].

[3] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 525, 526.

[4] Idem, ibidem. p. 526.

[5] BRITO, Maria do Socorro Carvalho. O processo administrativo tributário no sistema brasileiro e a sua eficácia. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4112>. Acesso em: 07 dez. 2009.

[6] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 121.

[7] Idem, ibidem. p. 122.


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