Ano : 2007 Autor : Dr. Édison Freitas de Siqueira
CPMF - Uma questão de consciência política
Dr. Édison Freitas de Siqueira
Consultor da Frente Parlamentar Mista dos Direitos do Contribuinte,
órgão do Congresso Nacional.
É surpreendente como o Estado brasileiro, sistematicamente representado pela sociedade brasileira, organizada em seus mais diferentes setores, incluindo a imprensa seus poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) foge de suas verdadeiras razões de existir.
Em verdade, a sociedade brasileira deveria estar se preocupando com a melhora de nossos índices de desenvolvimento econômico e qualidade de vida. É emergencial a redução da pobreza, eliminação da insegurança pública e a implementação de um severo programa de melhoria da educação e das questões da saúde.
Nesse contexto, o Poder Legislativo deveria estar servindo à sociedade na codificação desses propósitos de forma permanente. O Poder Executivo, por sua vez, dentro de orçamentos pré-definidos, deveria estar realizando a materialização desses anseios, sob a orientação e fiscalização do soberano Poder Judiciário.
Inobstante tratarmos de questões que permanentemente afligem a sociedade, os sindicatos, as federações, o Congresso Nacional, o Poder Executivo e o Poder Judiciário cuidam esses temas como se provisórios fossem. Tanto assim que o custeio destas ações governamentais, principalmente na saúde, baseia-se em tributos apresentados sempre como provisórios.
E assim, para enfrentar o contingenciamento de ações governamentais essenciais, desde 1994, arrecada-se bilhões de reais utilizando-se tanto o IPMF como, agora, a CPMF. Inicialmente foi utilizado o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras – IPMF, e agora está sendo utilizada, com o mesmo intuito, a CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Como se percebe, as teratológicas exações fiscais, em face de sua natureza jurídica, pecam tanto na semântica como na orientação de provisoriedade.
Em dezembro de 1994, os cofres públicos valeram-se de 4,9 bilhões de reais, considerando uma alíquota de IPMF igual a 0,25%. O IPMF, como se lê, já nasceu com o nome de provisório, igual a seu sucessor CPMF. Entretanto, ambos tratam de custeio de despesas essenciais: saúde, educação e segurança, o trinômio constitucional que traduz qualidade e desenvolvimento de vida.
Esta realidade tanto se demonstra paradoxal que, emenda constitucional após emenda constitucional, o movimento político brasileiro sempre trabalhou com base na falsa afirmação da provisoriedade e no propósito único de elevar a arrecadação. Tanto assim que, em 1998, o imposto/contribuição proporcionou 8,1 bilhões de reais de arrecadação. Em 1999, o provisório “perpétuo” teve sua alíquota elevada para 0,38 pontos percentuais, arrecadando 7,95 bilhões de reais. De 18 de junho a 31 de dezembro de 2000, a alíquota caiu para 0,30% e, mesmo assim, proporcionou uma arrecadação de 14,54 bilhões de reais. No ano de 1999, quando a alíquota era maior (0,38%), a arrecadação foi de 7,8 bilhões de reais, estranhamente 200 milhões de reais menor. Em 2000 a arrecadação chegou a 14,5 bilhões de reais. Em 2001, quando a CPMF ora foi de 0,30 e ora foi de 0,38%, a arrecadação elevou-se para 17,1 bilhões de reais. Em 2002, 32 bilhões de reais. Com a Emenda Constitucional nº 42 de 2003, ratificada pela Emenda Constitucional 37/2004, a arrecadação manteve-se no seu propósito de crescimento. Nas previsões de 2007, a arrecadação aponta agora para números entre 38 e 40 bilhões de reais.
A necessidade de elencar esses números é para demonstrar que o Estado e a sociedade estão completamente fora de foco, longe de uma verdadeira solução. Tratam orçamento de bilhões de reais como se fosse um fator de custeio de despesas provisórias, enquanto o argumento é a existência de despesas essenciais.
Se as despesas com saúde, educação e até segurança são permanentes, por que o Congresso Nacional e a população perdem precioso tempo, a cada dois, três ou quatro anos, para justificar a receita como se fosse provisória?
O esforço político empreendido para explicar este paradoxo é, no mínimo, dez vezes maior que o esforço político necessário para viabilizar uma simplificação tributária. É mais fácil e menos custoso realizar uma verdadeira reforma fiscal . O IPI e o ICMS poderiam ser um só imposto – IVA, exemplo praticado por 95% dos países desenvolvidos. O PIS e o COFINS também poderiam ser convertidos em um único imposto incidente sobre o faturamento. Através do IOF, já existente, e com o intuito de fiscalizar, tributaríamos os bancos em pequeníssimas alíquotas sobre a movimentação financeira, afastando o efeito nocivo da CPMF, que onera indistintamente pobres, ricos, indústria, agricultura, empregado, empresário, profissionais liberais, autônomos, causando desestímulo ao desenvolvimento e contrariando gramaticalmente a Constituição Federal.
A CPMF é mais um instrumento de controle policial das movimentações financeiras do que uma forma apropriada de arrecadação.
A culpa não está neste governo nem nos anteriores, pois a utilização do provisório como definitivo iniciou-se com o intuito de mapear as movimentações financeiras, visando uma política de contenção à sonegação. Esta realidade, entretanto, não mais existe. Agora temos o Sisbacen que mapeia 100% das atividades bancárias e financeiras.
Contudo, ignorando que a Receita Federal tenha aprimorado os meios de fiscalização e o avanço dessas novas formas de controle, o poder público passou a focar exclusivamente na arrecadação, esquecendo que a CPMF, tal qual é cobrada, onera a cadeia produtiva com um imposto que não pode ser orçado, constituindo-se , inclusive, em elemento agregador de inflação.
Por exemplo:
“Imaginemos um “pamonheiro”, que compra milho para fazer a tradicional pamonha! Será que o “pamonheiro” saberá quantas vezes o agricultor, que plantou o milho precisou pagar CPMF para sacar dinheiro para comprar o adubo, a semente, pagar o óleo diesel que moveu o seu trator e até o arrendamento das terras onde o milho foi plantado? E pior, também pagou-se CPMF para comprar dito trator, da mesma forma que a fábrica pagou CPMF a cada compra de peça usada para construir esse veículo rural? Não bastasse isso, também foi pago CPMF sobre o Finame debitado e creditado na compra do equipamento agrícola. Até o pedágio pago pela transportadora que transportou esse milho foi onerado pela CPMF. E assim, numa cadeia que pode incluir mais uma dezena ou centena de outras hipóteses numa única pamonha.”
A única coisa certa a dizer sobre a CPMF é que mesmo um “pamonheiro”, não sabe o quanto este imposto lhe custa antes mesmo de receber o dinheiro que obterá na venda da pamonha.
Esse tipo de imposto ou contribuição nunca poderia ser provisório e muito menos deveria ser matematicamente imprevisível, sob pena de subverter a capacidade contributiva do próprio negócio tributado, ferindo de morte o pressuposto de desenvolvimento previsto no artigo 3º da Constituição Federal.
Hoje discutimos que não há como abrir mão da arrecadação da CPMF, mesmo que a lei que por último a instituiu, estabeleceu sua extinção em 31 de dezembro de 2007. Repete-se assim a hipocrisia dos anos de 1994, e de 2001, e acentuadamente, a hipocrisia de um orçamento aprovado pelo Congresso Nacional no ano de 2006, no qual deixou-se de contigenciar recursos para o imposto que, todos nós sabíamos, iria acabar no final deste ano de 2007.
Realizar uma reforma fiscal, antes de tudo , é simplificar. Para tanto, precisamos ser honestos com nossas justificativas. Se realizarmos esta premissa, o permanente nunca poderá ser denominado provisório e implica assumirmos que o complexo é mais oneroso que o simples.
Por que há tantas emendas constitucionais, leis ordinárias para regular um assunto que poderia ter sido, já em 1994, definido com uma única norma desde que fosse criada para existir com propósito, fato gerador e fato econômico matematicamente aferíveis?
Precisamos ser mais técnicos e menos inocentes. Simplificar pode ser até mesmo tornar definitivo o que hoje é provisório, desde que o contribuinte possa quantificar e enxergar a aplicação do imposto. Provisório é artifício daqueles que não tem argumentos transparentes para validar uma idéia.
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