Processos estruturais não podem ser fundamento para a negativa de direitos
12 de dezembro de 2024A isenção de IRRF de investidores não residentes em Fundos de Investimento em Participações
12 de dezembro de 2024Recentemente, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou os Recursos Especiais nº 2.069.644/SP e 2.074.564/SP, afetados ao Tema Repetitivo nº 1.226. A questão controversa, já resolvida pela corte, foi definida nos seguintes termos: “definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (Stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo”.
O Stock Option Plan, referido no enunciado, nada mais é do que a opção, geralmente concedida a algum colaborador de uma sociedade anônima, de compra de frações do capital social dessa sociedade, na forma de ações, em data futura, por preço preestabelecido. A grande vantagem dessa opção de compra é que, caso o valor das ações tenha superado o valor preestabelecido em contrato na data-limite para o exercício da opção, o colaborador poderá adquirir esses ativos por preço inferior ao de mercado. Do contrário, simplesmente não precisa fazer o investimento, deixando de exercer a opção de compra. Esse instituto, apesar de já comum no Brasil, por ter origem e mais utilização no exterior, continua sendo conhecido pelo nome em inglês, mas já conta com bons verbetes em português.
A principal vantagem, para a sociedade empresária, em oferecer esse benefício ao seus colaboradores é eliminar o problema agente-principal, alinhando os interesses da organização com o do colaborador. Este, uma vez que terá uma opção de compra em uma data futura por um valor preestabelecido, passa a ter incentivo financeiro direto para que o ativo, na data acordada, tenha o maior sobrepreço possível em relação ao valor de sua opção de compra, pois, assim, poderá auferir ganhos ao exercer sua opção de compra e revender o ativo pelo valor de mercado. Assim, a tendência é que o colaborador coopere, da forma mais eficaz possível, para valorizar o capital social em questão.
Posta essa situação, surgiu controvérsia sobre como tributar tal fenômeno, particularmente, quanto ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF). Passaram a se opor, essencialmente, 2 (duas) posições:
a) a de que o plano de stock options, oferecido pela sociedade empresária à sua força de trabalho, é remuneração indireta e, portanto, deve ser tributado como produto do trabalho, de acordo com a tabela progressiva do IRPF, sem prejuízo da eventual tributação do ganho de capital; e
b) a de que o plano de stock options é contrato comercial firmado entre a sociedade e seus trabalhadores, atribuindo-lhes mera oportunidade futura de aquisição de ativo que pode, ou não, resultar em uma valorização patrimonial e, por conseguinte, ganho de capital quando ocorrer a alienação, tributável quando da realização desse ganho, segundo as regras próprias. A primeira posição passou a ser defendida pela Fazenda Pública Federal, enquanto a segunda foi adotada pelos contribuintes, nos muitos litígios que se instalaram sobre a matéria.
Nessa perspectiva, a cognição da natureza jurídica das stock options deve iniciar, naturalmente, pela previsão legal do instituto. Essa emissão de opções de compra de ações em favor de seus trabalhadores tem previsão na Lei Federal nº 6.404/1976, a Lei de Sociedade por Ações (LSA), nos seguintes termos:
“Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária.
(…)
§ 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembléia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.”
Produto do capital, e não do trabalho
Com efeito, há de se notar que a sobredita previsão legal se encontra, na legislação, junto com outros institutos próprios da atividade empresarial e, mais especificamente, do direito societário (debêntures, direitos de preferência…), sem qualquer ligação aparente, mesmo que remota, com regras de direito do trabalho. Ainda que esse aspecto não seja conclusivo, ele conduz a uma constatação que é importante para solucionar a questão: trata-se de direito sobre o capital social da sociedade empresária, e, logo, eventual produto desse direito é produto do capital, e não do trabalho.
Nesse sentido, é pertinente a regra do artigo 43 da Lei Federal nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), dispositivo célebre que enuncia a hipótese de incidência do Imposto sobre a Renda (IR) no Brasil, sob os seguintes termos:
“Art. 43. O impôsto, de competência da União, sôbre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”
Em uma primeira leitura desse texto legal, pode parecer que a observação anterior — de que eventual rendimento decorrente das stock options seria produto do capital — é irrelevante, uma vez que a lei trata ambos, tanto o produto do trabalho quanto o do capital, e a combinação deles, como grandeza tributável pelo imposto. Acontece que, neste caso, não se discute se incide o IR, mas apenas em qual modalidade deve incidir. Tanto o IR sobre o ganho de capital quanto o IRPF comum, incidente pela tabela progressiva, são modalidades do imposto, que apenas alcançam formas distintas de obtenção de renda.
Para o fim de demonstrar que os potenciais ganhos decorrentes do plano de stock options são consequência do capital, e não do trabalho, cumpre tratar da noção de disponibilidade, prevista no caput do mesmo artigo 43 do CTN como elemento essencial do conceito de renda ali previsto. É que a disponibilidade da renda para o adimplemento do Imposto, nesse caso, vem da venda das ações adquiridas, após a sobrevalorização delas. Antes disso, o contribuinte que fez a opção por adquirir as ações não apenas não ganhou disponibilidade, mas viu a que tinha previamente ser reduzida.
Ora, é necessário efetuar um investimento para adquirir essas ações, transformando pecúnia em um ativo mobiliário que não tem liquidez imediata e, sobretudo, que importa em riscos, considerando a possibilidade de desvalorização a qualquer momento — o que é comum no mercado de capitais — e até mesmo a possibilidade de extinção daquele ativo, em caso de falência. Portanto, as ações nas quais o contribuinte investiu podem, sob condições futuras e incertas, resultar em uma majoração patrimonial, mas esse evento só se tornará certo com a efetiva aquisição de disponibilidade, uma vez que se realize a alienação para transformar esse ativo (ação) em liquidez. Essa noção de disponibilidade é melhor desenvolvida por Luís Eduardo Schoueri, pelo seguinte excerto:
“Há disponibilidade quando o beneficiário desta pode, segundo seu entendimento, empregar os recursos para a destinação que lhe aprouver. Esse critério surge como relevante porque, uma vez disponível, pode-se esperar que o contribuinte se valha dos recursos para pagar os impostos. Visto pelo outro lado, enquanto não disponível, não se pode exigir do contribuinte que pague impostos. A ideia é singela: se não há disponibilidade, não há capacidade de pagar tributos. Se o legislador exige o imposto em momento em que não surgiu a disponibilidade, então a tributação já não se dá sobre a renda (rectius: a renda não será afetada, porque ainda indisponível, por ocasião da tributação). Eis a ideia que pretendo desenvolver neste estudo.
(…)
O Princípio da Renda Líquida é corolário da capacidade contributiva. Como bem explica Joachim Hennrichs, a capacidade contributiva pressupõe liquidez, ou pelo menos, liquidez potencial, pois os impostos só podem ser pagos com liquidez. Klaus Tipke lembra que aquilo que é gasto no contexto do negócio ou da profissão não está disponível para a tributação. Esta parece ser a ideia central que inspirou também nosso legislador complementar. Não há sentido em falar em renda se não estiver disponível. Somente com a liquidez (atual ou potencial) pode o particular contribuir com os gastos da coletividade. Daí o CTN referir-se, em seu art. 43, à aquisição de disponibilidade.
Desse modo, renda disponível é renda líquida. Como o contribuinte pode lançar mão de alguma riqueza sem abater as despesas necessárias à sua obtenção? A determinação do montante renda disponível só pode ser atingida após as deduções de suas despesas. De outra forma, cogitar-se-ia riqueza numa zona de penumbra, sem ser possível verificar sequer a sua existência.
(…)
Em resumo: como o conceito de renda tem base em lei complementar, cujo fundamento advém da própria Constituição Federal, não se pode dar por renda adquirida despesa necessária à sua obtenção. Tomando como exemplo as regras de dedutibilidade do IRPJ, se a despesa possui conexão com a operação econômica realizada, ela é indisponível porque operacional.”
A partir desse texto, nota-se que a mera aquisição de ações — pelo exercício da opção previsto no plano de stock options — não consiste em aquisição de disponibilidade. Há 2 (duas) razões para tanto:
a) o contribuinte não pode dispor, sem dúvida ou reserva, daquele patrimônio (ações) para o que lhe aprouver, muito menos pode pagar tributo com elas, a significar que, na ausência dessa liquidez, não há disponibilidade; e
b) se foi feito um investimento, inequivocamente essencial, para gerar o ganho futuro da alienação, o valor empregado na própria obtenção de receitas, obviamente, não estava a disposição do contribuinte, pelo que não configura disponibilidade.
IR sobre ganho de capital é a melhor forma de tributar
A partir dessas objeções, constata-se que a melhor forma de tributar essas operações é, de fato, o IR sobre ganho de capital, uma vez que ele afere melhor a capacidade contributiva. Sob essa forma de tributação, tanto se aguarda a efetiva realização do ganho quanto se o dimensiona melhor, uma vez que a base de cálculo é determinada pelo resultado da dedução do custo de aquisição do valor de alienação.
No mais, não parece que a opção de compra de ações se enquadre no conceito de “remuneração”. Este tem previsão explícita no artigo 457 do Decreto-Lei nº 5.452/1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sob os seguintes termos:
“Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”
Ora, define-se “remuneração” como — além do salário e gorjetas — a “contraprestação do serviço”. A opção de compra de ações não é um preço pago em contrapartida a um serviço prestado. Muito pelo contrário, é uma vantagem incerta oferecida por desempenho futuro.
Não se trata, pois, de uma contraprestação por um serviço específico, mas de um incentivo para que serviços prestados no futuro estejam melhor alinhados com os interesses dos acionistas. Pode não sequer haver benefício, mesmo que prestado o serviço, pois é possível que não haja valorização das ações, e é possível mesmo que o trabalhador escolha não exercer a opção de compra. Se outorgar a opção, por si, constituísse remuneração, seria imaginável que o beneficiário dela escolhesse não ser remunerado pelos seus serviços? Na prática, o plano de stock options é uma aposta feita na empresa sob condições mais vantajosas para quem a integra. É, pois, uma relação puramente mercantil, e não laboral.
Outro argumento que concorre para essa conclusão é o de que, se prevalecer a tese da Fazenda Nacional, haveria bitributação. É que, se a aquisição do capital social, por meio do exercício da opção for tributado como rendimento do trabalho, e, posteriormente, tributar-se o ganho de capital resultante da alienação dessas ações com sobrepreço, então a mesma operação de outorga de stock options terá sido tributada pelo IR duplamente, em oportunidades distintas. Serão oneradas, assim, tanto a aquisição das ações — que terá sido paga com pecúnia do trabalhador — quanto a venda delas a preço maior. Tal regime não parece, de modo algum, razoável, desincentiva severamente esse benefício e beira o efeito de confisco, repudiado no artigo 150, inciso IV, da Constituição.
Em acordo com essa posição, no último mês de setembro, o STJ firmou as seguintes teses, com efeitos vinculantes sob o Tema nº 1.226:
“a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente.
b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital.”
O voto do ministro relator Sérgio Kukina desenvolve argumentos, em alguns casos, similares aos ora propostos, enriquecendo-os com a produção doutrinária de Regina Helena Costa, Sacha Calmon Navarro Coelho, Roque Antonio Carrazza, dentre outros. Recomenda-se a leitura do extraordinário Voto, que parece resolver a questão sob a melhor técnica de direito tributário, no que foi acompanhado por todos os membros da 1ª Seção, excetuada apenas a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que encampou a posição de que a mera concessão das opções era remuneração. Ainda mais recentemente, a Corte Superior rejeitou embargos de declaração contra o julgado, consolidando sua posição.
Nas publicações sobre julgados de tribunais superiores, o mais comum é que se façam críticas a como eles decidem. Pretende-se neste artigo fazer o oposto e elogiar a notável prestação jurisdicional do STJ no Tema Repetitivo nº 1.226, que evitou a dupla tributação de um instituto que muito tem a contribuir com a produtividade no Brasil. Caso a solução fosse diversa, esse instrumento, provavelmente, estaria condenado à obsolescência, por ser excessivamente onerado com a tributação incidente como remuneração (que chega a 27,5%) em adição à remuneração do ganho de capital.
Fonte: Conjur