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8 de novembro de 2024Os programas de transação tributária federal têm alcançado valores expressivos. Em 2023 foi recuperado o montante recorde de R$ 48,3 bilhões inscritos em dívida ativa, em decorrência do aprimoramento de estratégias de cobrança. Desse total, R$ 20,7 bilhões são resultado de acordos de transação tributária, que contribuiu para o crescimento expressivo da arrecadação naquele ano.
Embora esteja prevista no Código Tributário Nacional desde 1966, a instituição da transação tributária ocorreu apenas em 2020, com a publicação da Lei nº 13.988, de 14 de abril. Essa medida de autocomposição só pode ser utilizada quando instaurada a fase litigiosa da cobrança do crédito tributário.
Os números realmente impressionam. Segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), desde o início do programa de transação já foram negociados mais de 6,3 milhões de inscrições em dívida ativa, no valor de R$ 558 bilhões, em mais de 2,3 milhões de acordos.
A despeito do inegável sucesso dos programas de transação tributária instituídos pela União, é importante não nos afastarmos do conceito estabelecido pelo artigo 171 do CTN. O presente artigo pretende abordar esse aspecto, à luz da principal característica desse instituto, qual seja, negociação e acordo entre as partes, nos termos da lei.
Adequadamente, é o CTN que estabelece os fundamentos da transação, que deve ser instituída por lei e estabelecer aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária a possibilidade de celebrá-la mediante concessões mútuas, pondo fim ao litígio e extinguindo o crédito tributário.
O sentido de transação, extraída do artigo 840 do Código Civil, é o de que as partes negociem a solução de litígios entre si, chegando a um bom termo, cedendo algo de sua opinião ou direito a outrem. Na transação tributária, entretanto, é frequente a utilização, pela União, da modalidade de transação por adesão, que afasta o instituto da sua natureza intrínseca, uma vez que não há, nessa espécie, qualquer possibilidade de negociação.
Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado, já enfatizava que a transação é negócio jurídico bilateral, no qual duas ou mais pessoas acordam em concessões recíprocas, com o propósito de pôr fim à determinada ou determinadas relações jurídicas e, consequentemente, seu conteúdo, extensão, validade ou eficácia.
O jurista ensina que a extinção da dívida, da obrigação ou da ação pode se dar pela transação, mas não é necessário que se dê, e que a transação não tem como objetivo extinguir dívidas, mas sim eliminar o litígio ou a insegurança.
Transportando o conceito para o Direito Tributário, deve ser ressaltado que a transação tributária não pode ter como objetivo maior a arrecadação, mas sim a terminação do litígio através da negociação lastreada em concessões mútuas, nos termos do artigo 171 do CTN.
Ao priorizar a modalidade por adesão, há o risco de os programas de transação se assemelharem a parcelamentos, aprimorados pela imposição de requisitos e condições a serem preenchidos e cumpridos por aqueles que desejam aderir ao programa.
Não se trata, como ressalta Tathiane Piscitelli, de “mero preciosismo acadêmico ou apego a denominações”. Para além de institutos distintos, os efeitos do parcelamento e da transação no crédito tributário também não se confundem, sendo de suspensão, no primeiro caso (artigo 151, VI), e de extinção, no segundo (artigo 156, III).
De um lado, a PGFN afirma que “a transação tributária funciona como uma ferramenta de transformação social”, “induzindo positivamente a resolução dos conflitos”. Por outro, é possível argumentar que apenas descontos e prazos de pagamento diferenciados em razão do valor, recuperabilidade da dívida e capacidade de pagamento, não abarcam as desigualdades nos planos regional, econômico e social enfrentadas pelos contribuintes no país. Não seria demasiado ponderar que a transação por adesão viola a isonomia tributária.
Isso porque somente determinados sujeitos passivos, aqueles que satisfaçam as condições do edital, podem aderir à transação por adesão. Esse aspecto reforça a característica unilateral dessa figura, adotada em larga escala pela União, afastando-a da negociação, requisito intrínseco e fundamental à transação. A questão não é apenas de ordem conceitual, mas também prática, limitando o alcance da pacificação social pela via do direito tributário.
Embora a arrecadação seja fator determinante para qualquer Estado atingir seus objetivos, ela não deve sobrepor-se ao caráter social da função estatal. Há formas de aplicação do instituto da transação sem que seu viés arrecadatório seja colocado acima do interesse público primário.
O Superior Tribunal de Justiça destacou, em sua página na internet, e 04/11/2024, caso de ação rescisória promovida pela Fazenda Nacional, em trâmite naquele tribunal, em que se discutia o parcelamento de dívida tributária. As partes chegaram a uma solução consensual, por meio de acordo homologado pelo STJ.
O tribunal enfatizou que a transação resolveu um litígio que já ultrapassava duas décadas, e que “o acordo demonstrou como o diálogo sempre pode levar a uma solução que não esteja a cargo apenas do juiz”. De acordo com os representantes da Fazenda, “a busca de uma solução consensual levou em consideração não apenas o tempo em que a dívida estava em aberto, mas também a avaliação de que o desfecho do litígio era incerto para ambas as partes”.
O caso acima ilustra uma autêntica transação, no qual prevaleceu o interesse público primário, considerando que “a empresa tem uma função social, enquanto núcleo gerador de empregos e riqueza”. Ganha a fazenda, com a redução da litigiosidade, ganha o contribuinte, com a regularidade fiscal. A negociação em comento não privilegiou a arrecadação, que pode até ocorrer, mas como efeito secundário da transação efetuada.
O citado acordo, quando comparado aos programas de transação tributária por adesão lançados pela Fazenda Nacional, reforça o caráter arrecadatório dessas modalidades. Anda que possam ser vantajosos para as partes, estes acabam por se distanciar da figura da transação, aproximando-se mais dos programas de recuperação fiscal, largamente utilizados até o início da década.
Em sentido inverso, a transação individual, utilizada em menor escala, representa de forma mais adequada o instituto, uma vez presentes a negociação e concessões mútuas entre Fisco e contribuinte. A negociação perante o STJ, anteriormente citada, revela que negociações dessa natureza são plenamente factíveis.
Não se discute os excelentes resultados arrecadatórios alcançados na transação por adesão. Estas não refletem, no entanto, a magnitude da transformação que o instituto pode alcançar. Tratamentos diferenciados conforme a capacidade de pagamento, de recuperabilidade da dívida, para empresas em recuperação judicial, empresas de pequeno porte e microempreendedores, não são suficientes para abarcar a desigualdade entre os contribuintes brasileiros.
A função social que pode ser alcançada pelo Direito Tributário requer que a transação seja amplamente utilizada no aspecto que melhor a define, como acordo celebrado de forma individual, mediante concessões mútuas, pautado em lei, e que objetive primordialmente eliminar o conflito e a insegurança causada pelos litígios com desfecho incerto para as partes.
Fonte: Conjur