Para responder a essa pergunta é necessário esclarecer primeiramente que a Reurb (regularização fundiária urbana) se concretiza em dois momentos: o primeiro deles, de caráter administrativo, refere-se ao processamento do pedido de regularização fundiária urbana perante o município; já o segundo, de natureza registral, tem a ver com a análise da certidão de regularização fundiária (CRF) e demais documentos pelo cartório de registro de imóveis local.
Tendo em vista esses dois momentos, passemos para a análise da Lei Federal nº 13.465/2017, norma que traz as regulamentações gerais sobre a Reurb no Brasil.
O artigo 13, §2º, da Lei nº 13.465/17 vedou expressamente a comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias para que o registrador, em qualquer tipo de Reurb, proceda com a realização dos atos registrais.
Ressalta-se que existe uma controvérsia acerca da abrangência dessa dispensa para as regularizações classificadas como “específicas” (Reurb-E), tendo em vista que o decreto regulamentador da Lei da Reurb (Decreto Federal nº 9.310/2018), em seu artigo 55, restringiu a dispensa apenas para o registro da Reurb-S, contrariando o disposto no artigo 13, §2º, da Lei Federal nº 13.465/17.
A doutrina, no entanto, recomenda seguir o entendimento legislativo, considerando a teoria da hierarquia das normas do direito brasileiro. Logo, atualmente entende-se que é vedado ao registrador exigir a comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias para o registro de qualquer tipo de Reurb.
Observa-se que a Lei destacou a vedação para tão somente à figura do registrador, ou seja, para o segundo momento da Reurb, relacionado ao registro da CRF. Tanto é assim que a Lei 13.465/17 e o Decreto 9.310/18 mencionam que “o registro da CRF dispensa a comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias de responsabilidade dos legitimados” (artigo 44, §3º, da Lei 13.465/17 e artigo 42, §6º, do Decreto 9.310/18).
Se porventura a norma pretendesse vedar a comprovação do pagamento de tributos ou penalidades tributárias para a realização da Reurb como um todo, ela não teria expressamente mencionado o registro de imóveis.
É notório, portanto, que o registrador não deve exigir do interessado o comprovante de pagamentos de tributos para prosseguir com os atos registrais da Reurb. Contudo, tal vedação não se aplica ao município, cuja atuação se dá no primeiro momento da regularização.
Como o legislador foi silente quanto à possibilidade de se exigir ou não o pagamento dos tributos para a realização dos atos administrativos das Reurb’s perante o município, entende-se que tal ação passa a ser uma faculdade do ente, que pode, portanto, exigir do interessado a apresentação da Certidão Negativa Tributária para a emissão da CRF.
Contudo, é recomendado que a municipalidade não faça uso dessa faculdade, de modo a condicionar a conclusão do primeiro momento da Reurb ao pagamento de tributos.
Tal conselho se pauta no fato de que existem outros meios de cobrança tributária, como o protesto e a execução fiscal, que são suficientemente eficazes para a garantia do pagamento de dívidas tributárias, tornando desnecessário que o ente municipal prejudique a conclusão da Reurb sob o pretexto da adimplência fiscal.
Mas diante da exclusiva vedação registral, conclui-se que, de fato, fica à critério do município exigir ou não a quitação de tributos durante a Reurb, que pode englobar tanto a cobrança do pagamento de impostos municipais, a exemplo do IPTU, quanto de eventuais taxas cobradas durante o processamento da Reurb-E, como taxas para a análise do pedido de regularização, para a emissão de título de legitimação fundiária, etc.
Ressalta-se que, se o município resolver não exigir o pagamento de tributos como condicionante para a emissão da CRF, isso não quer dizer que haverá o “perdão” da dívida tributária porventura existente, pois não se pode confundir a dispensa da apresentação de certidão negativa de débitos tributários com a “isenção” dos tributos.
Em verdade, o município deverá continuar cobrando, por exemplo, eventual IPTU incidente sobre o imóvel objeto da regularização pelos meios habituais, pois essa opção apenas demonstra que o ente municipal está separando a Reurb das questões tributárias.
E a cobrança de débitos tributários deverá se dar, inclusive, para os imóveis que forem regularizados via legitimação fundiária, instrumento que constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade (artigo 23, caput, Lei 13.465/17).
A justificativa para tal exigência reside, mais uma vez, na divisão dos momentos da Reurb (administrativo e registral) mencionados anteriormente.
Observa-se que o artigo 23, §2º, da Lei nº 13.465/17 diz respeito aos efeitos da legitimação fundiária junto ao registro de imóveis, ao passo que garante a aquisição da unidade imobiliária via legitimação fundiária desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições, eventualmente existentes na matrícula de origem, exceto quando disserem respeito ao próprio legitimado.
Logo, se o imóvel objeto da Reurb for matriculado e nele incidirem ônus de quaisquer naturezas, o novo proprietário receberá o seu título desembaraçado dos gravames ora existentes se a regularização se der via legitimação fundiária.
Mas esse raciocínio não se aplica para a esfera administrativa, cujos ônus incidentes sobre os imóveis normalmente decorrem da sua posse, a exemplo do IPTU.
Os artigos 32 e 34 do Código Tributário Nacional estabelecem que o fato gerador para incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano é a propriedade, o domínio útil ou a posse a qualquer título de bem imóvel localizado em zona urbana.
Quando o imóvel objeto da Reurb, portanto, estiver sob a posse de terceiro que esteja requerendo a sua regularização via legitimação fundiária, o município deve cobrar eventual dívida de IPTU existente, porquanto a responsabilidade pelo pagamento do IPTU configura obrigação propter rem.
Tanto é assim que a jurisprudência orienta que nos casos de usucapião, instrumento de aquisição originária da propriedade, tal qual a legitimação fundiária, eventual dívida de IPTU existente deve ser paga pelo usucapiente, haja vista o exercício da posse qualificada pelo animus domini à época do fato gerador.
Salienta-se que essa cobrança deverá respeitar o prazo prescricional do imposto, que é de cinco anos, contados da data da constituição definitiva do crédito. Além disso, a jurisprudência orienta que, a partir da mudança de titularidade do imóvel, uma obrigação acessória que deve ser informada pelo ex-proprietário ao Fisco Municipal, os débitos de IPTU são de responsabilidade do novo proprietário.
Por fim, necessita-se diferenciar a exigência administrativa relacionada ao pagamento de IPTU e ITBI. Como dito, independente do instrumento de regularização a ser utilizado, a cobrança do IPTU deve ser feita pelo Fisco Municipal antes, durante ou depois da Reurb, pois o fato gerador deste tributo é a posse do imóvel. Já o fato gerador do ITBI se refere à transmissão onerosa, intervivos, de bens imóveis e de seus respectivos direitos reais (artigo 156, II, CRFB/88).
Quando a regularização do imóvel se der por meio do instrumento “legitimação fundiária”, por se tratar de “forma originária de aquisição do direito real de propriedade” (artigo 23, caput, Lei 13.465/17), entende-se não incidir a cobrança do ITBI em razão de inexistir a “transmissão” prescrita.
No entanto, se durante a regularização do bem for utilizado algum outro instrumento de aquisição derivada de direitos reais (a exemplo da “compra e venda”), haverá a transferência da propriedade e, deste modo, ocorrerá o fato gerador para a cobrança do referido tributo.
Após a regularização do imóvel (via legitimação fundiária, compra e venda ou outro instrumento previsto no artigo 15 da Lei 13.465/17), vale destacar que qualquer forma de transferência dos direitos reais sobre o bem sofrerá a incidência do tributo devido.
Portanto, é possível que seja exigido o pagamento de certos tributos durante a regularização fundiária urbana no primeiro momento da Reurb, que se refere ao processamento do pedido pelo Município. Contudo, durante a fase registral, veda-se o oficial de exigir certidão negativa tributária para o processamento da Reurb.
Fonte: Conjur