STF segue MPF e considera constitucional lei que organiza atividades de perícia criminal
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22 de novembro de 2024Ao se analisar a estrutura da tributação do IBS e CBS, notamos que muitos são os desafios para a adequação de referido regime com a necessidade de fomento e incentivo dos biocombustíveis em geral, a fim de dar o tratamento favorecido previsto no texto constitucional.
Podemos começar pelo RenovaBio, previsto na Lei nº 13.576/2017, que cuida da Política Nacional de Biocombustíveis, que tem por finalidade, de um lado contribuir com a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, conforme Protocolo de Paris e, dentro desta perspectiva, fomentar e incentivar a segurança energética do país por meio de energia renovável, notadamente, os biocombustíveis.
Entre as medidas visando o cumprimento deste texto normativo, temos o CBIOS — crédito de descarbonização —, o qual representa um ativo financeiro ambiental, resultante de uma equação relacionada ao volume de produção de biocombustível e respectiva nota de eficiência energética, o qual é negociado na bolsa — B3 — ou mercado privado e deve ser adquirido por aqueles do setor de combustíveis fosseis que precisam atender metas de descarbonização.
Na atualidade, a tributação quanto ao recebimento dos CBIOS, especialmente, pelos emissores primários — produtores de biocombustíveis — , é altamente controvertida, na medida em que a Lei nº 13.576/2017, somente disciplina a tributação do IR e CSLL, por meio do artigo 15-A, deixando uma “lacuna” a respeito do impacto fiscal para PIS/Cofins, Funrural, Senar, entre outros.
Com a reforma tributária, ao menos, até o momento, o tema não recebeu o tratamento adequado, pois, poderá sofrer uma tributação ainda mais onerosa com o IBS e CBS, contrariando o propósito estabelecido na Constituição e em tais Programas de Sustentabilidade, como bem advertem Ricardo Varrichio e Fernando Giacobbo:
“O texto em tramitação no Senado é silente em relação à introdução dos CBIOs em regimes diferenciados de tributação, em total dessintonia com as políticas públicas constitucionais que estimulam um meio ambiente equilibrado e o princípio tributário constitucional “da defesa do meio ambiente” como anteriormente apresentado. Aliás, onde hoje há somente tributação no âmbito federal (embora discutível em diversos aspectos), passaria também a ser fato gerador para tributação pelos estados e municípios por meio do IBS.
Em outras palavras, a reforma tributária, como está, apresenta um grande desincentivo para que as empresas de produção de biocombustíveis invistam ainda mais recursos em tecnologias de ponta para propiciar a transição energética”.
Esta legítima preocupação se dá, como exposto, por inexistir um adequado tratamento à referida política dos biocombustíveis, como a questão do CBIOS, mas, também, pelo fato de que, se tais operações como ativo financeiro de natureza ambiental forem tributados pela regra geral, poderão sofrer uma carga fiscal que, a depender da previsão de alíquota, chegará ao percentual de 27,5%, sem contar ainda o IR-Fonte de 15% e eventual exigência de “Funrural” e Senar no montante de 2,85%.
Equivale dizer: uma receita que, em tese deveria fomentar a atividade de produção e modernização de combustíveis renováveis e sustentáveis, irá sofrer uma carga tributária de aproximadamente 45,35%! Há evidente contradição e falta de razoabilidade!
Os desafios não se restringem ao RenovaBio, pois, existem outras políticas públicas voltadas à sustentabilidade energética, cabendo destacar a recente Lei n. 14.993/2024, denominada de “Lei do Combustível do Futuro”, a qual “Dispõe sobre a promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono e a captura e a estocagem geológica de dióxido de carbono; institui o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano; altera as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.847, de 26 de outubro de 1999, 8.723, de 28 de outubro de 1993, e 13.033, de 24 de setembro de 2014; e revoga dispositivo da Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002”.
Segundo artigo 1º esta Lei: (i) — institui o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano; (ii) — altera os limites máximo e mínimo do teor de mistura de etanol anidro à gasolina C comercializada ao consumidor final e do teor de mistura de biodiesel ao diesel comercializado ao consumidor final; (iii) — dispõe sobre a regulamentação e a fiscalização das atividades de captura e de estocagem geológica de dióxido de carbono e de produção e comercialização dos combustíveis sintéticos; (iv) — integra iniciativas e medidas adotadas no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Programa Mover), do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve).
Trata-se de uma relevante legislação que busca, por diversas diretrizes, fomentar políticas públicas e a atuação privada na cadeia dos biocombustíveis, com o objetivo de concretizar a sustentabilidade, sobretudo, sob o viés ambiental.
A Lei nº 14.993/2024, todavia, não traz qualquer previsão voltada a disciplinar os efeitos fiscais para este setor e referidas operações e, da mesma forma, o PLP 68/2023, o que confirma a preocupação e os desafios fiscais que serão enfrentados, em especial, para se cumprir o tratamento favorecido e diferenciado em face dos combustíveis fósseis.
Por exemplo, a Lei prevê no artigo 12, o Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV), traçando diversos direcionamentos voltados a “incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso energético do diesel verde, estabelecido em regulamento da ANP, na matriz energética brasileira”.
Para se ter uma ideia dos inúmeros desafios, o óleo combustível renovável denominado de óleo vegetal hidrotratado (HVO), que seria um diesel verde, que tem como matéria-prima produtos vegetais, como a macaúba, segundo a Receita Federal tem sua classificação fiscal atual na NCM 2710.19.29, conforme Solução de Consulta Cosit nº 98.052/2022:
“ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS Código NCM: 2710.19.29 Mercadoria: Mistura constituída, em teor superior a 99%, de hidrocarbonetos parafínicos, alifáticos, saturados e não aromáticos, com tamanho de cadeia predominantemente entre C6 e C20 (EC número 942- 445-1), obtida por hidrogenação de óleos vegetais e gorduras animais, consistindo num óleo análogo ao de petróleo, na forma de um líquido incolor, utilizado principalmente como óleo combustível renovável, comercialmente denominado óleo vegetal hidrotratado (HVO). Dispositivos Legais: RGI 1 (Nota 2 do Cap. 27), RGI 6 e RGC 1 da NCM constante da TEC, aprovada pela Res. Gecex nº 272, de 2021, e da Tipi, aprovada pelo Dec. nº 10.923, de 2021, e subsídios extraídos das Nesh, aprovadas pelo Dec. nº 435, de 1992, e atualizadas pela IN RFB nº 1.788, de 2018, e alterações posteriores.”
Para se notar a complexidade e grande contradição, esta classificação fiscal está no Capítulo que congrega “Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação; matérias betuminosas; ceras minerais”. Portanto, um combustível renovável vegetal e sem qualquer elemento fóssil ou mineral, atualmente, é classificado em uma posição da Tipi como se fosse equiparado a um combustível fóssil, sendo este aspecto relevante pois, a partir deste NCM, podemos ter diversos reflexos fiscais. E estando na mesma posição de combustíveis fósseis, sofrerá para fins fiscais consequências semelhantes.
Bem por isso, o alerta nesta reforma tributária a respeito da necessidade de se atentar, verdadeiramente, para a imposição constitucional do tratamento diferenciado e favorecido dos biocombustíveis, sob pena de se tornar letra morta, apesar da boa vontade de algumas legislações de políticas públicas que visam incentivar o setor.
E, na mesma linha, tais preocupações se estendem a outros combustíveis renováveis, como é o caso do Combustível Sustentável de Aviação (Sustainable Aviation Fuel — SAF), tido como aquele alternativo ao aeronáutico de origem fóssil, produzido a partir de quaisquer matérias-primas e processos que atendam a padrões de sustentabilidade, conforme definição da Organização de Aviação Civil Internacional (International Civil Aviation Organization — Icao), que possa ser utilizado puro ou em mistura com o combustível de origem fóssil, conforme as especificações técnicas das normas aplicáveis, e que promova benefícios ambientais quando considerado o seu ciclo de vida completo. (artigo 6º, XXXI, Lei nº 9.478/97).
Tal qual o diesel verde, para o SAF também existe grande dificuldade e insegurança quanto à classificação fiscal, o que nos revela claramente a necessidade de se atentar a estes aspectos tributários, com o objetivo de diferenciar dos combustíveis fósseis e, por conseguinte, atribuir um diferencial competitivo como preconiza a Constituição.
Vale lembrar, por exemplo, que para o biodiesel, atualmente, temos a classificação fiscal específica na Tipi 3826.00.00, Ex 01, tido inclusive como um produto não tributado (NT)-, tal como o etanol (NCM 2207.10.90 Tipi-NT).
Estas breves ponderações revelam claramente a necessidade de a legislação atual e, principalmente, aquela que disciplinará a reforma tributária (PLP 68/23), estar mais atenta ao adequado tratamento fiscal favorecido a ser dado aos biocombustíveis ou combustíveis renováveis, fim de se cumprir o propósito imposto pelo artigo 225, § 1º, VIII, da Constituição, quanto à sustentabilidade e o princípio tributário da defesa do meio ambiente.
Fonte : Conjur