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17 de dezembro de 2024A atual proposta de emenda constitucional dos gastos públicos (PEC nº 45/2024), confeccionada com a finalidade de organizar as contas públicas, inseriu, nos minutos finais do seu encaminhamento à Câmara dos Deputados, tema sensível ao Judiciário, Ministério Público e aos órgãos que possuem autonomia. Ela procura regulamentar certas parcelas financeiras desses órgãos autônomos.
A modificação em referência pretende inserir uma nova redação ao parágrafo 11, do artigo 37, da Constituição. No novo dispositivo, somente poderão exceder o teto remuneratório dos ministros do Supremo Tribunal Federal as parcelas de caráter indenizatório. Até aqui, nada de novo, considerando que assim já vem se pronunciando o STF, quando interpreta o atual inciso XI, do artigo 37, da Constituição.
A novidade fica por conta de que as parcelas indenizatórias agora precisarão estar previstas em lei complementar de âmbito nacional, valendo, portanto, para todos os poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, como Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.
Em que pese a intenção da PEC, como ficará demonstrado abaixo, a sua mensagem pode até ser ampla. Todavia, o seu efeito prático terá eficácia limitada. Não existe problema de forma (ou seja, de lei), mas sim de conteúdo, mais especificamente da falta de controle de como essas verbas são autorizadas.
Este será o tema central deste artigo, construído com o propósito de analisar os seguintes pontos: poder regulamentar do judiciário e do MP, consubstanciados nas resoluções do CNJ e do CNMP; a correlação necessária entre a função administrativa e o poder regulamentar; o status conferido, pelo STF, a esse poder regulamentar; e a ineficácia do controle pretendido pela PEC dos gastos em relação as parcelas remuneratórias dos servidores do Judiciário e do Ministério Público que excedem ao teto do funcionalismo.
Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, ficou expressamente consignado a possibilidade tanto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (inciso I, § 4º, do artigo 103-B), como o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) (inciso I, § 2º, do artigo 130-A) de expedirem regulamentos no âmbito de sua competência administrativa ou recomendar providências.
A previsão é acertada, tendo em vista que a atividade regulamentar — se num passado distante era exercida privativamente pelo presidente da República, diante da sua competência em funcionar como legislador no regime absolutista/monarquista —, atualmente é desenvolvida por toda aquele que exerça a função administrativa.
A premissa lógica é simples e extrai os seus fundamentos do pensamento aristotélico e montesqueniano de divisão e tripartição de poderes. Em outros termos, para as funções estatais, destrinchadas em legislativa, executiva e judicante, aos dois primeiros cabem a primariedade de atividade normativa primária. Ao judiciário, não há concessão dessa função primária sob pena de perder a imparcialidade para julgar os conflitos submetidos à sua alçada.
Dessa função primária legislativa, retira-se a função administrativa, desenvolvida como forma de servir de canal para a execução e concretização do que restou idealizado abstratamente por meio da lei. O poder regulamentar, que possui como instrumento principal o regulamento, é um dos efeitos dessa função administrativa que precisa ser desenvolvida.
Sendo assim, salvo hipóteses excepcionais, fruto da vontade do parlamento, o poder regulamentar não pode concorrer com a atividade primária de editar leis. Estará sempre em um plano secundário, escrutinado pelos meios de controle pertinente.
Atualmente, como excepcionalidade prevista, há a previsão do regulamento independente (exemplo da Constituição portuguesa de 1976), regulamento autônomo (inciso VI, do artigo 84, da CF/88) e, numa simbiose, o regulamento da Constituição francesa.
Em todas essas situações, de forma excepcional, a Constituição prevê que a função administrativa típica do Executivo seja alçada a uma categoria acima, concorrendo com a atividade legislativa primária, seja por uma figura própria como o atual decreto-lei da Constituição portuguesa, seja propriamente pelo regulamento da Constituição brasileira.
Por ser uma situação atípica, as próprias Cartas se cercam de parâmetros de controle, possibilitando ao Legislativo — que terá a sua competência agora compartilhada para certas situações — fiscalizar o que está sendo produzido pelo Executivo a título de atividade normativa.
Todavia, a lógica acima, de interdependência entre a atividade primária, desenvolvida pela legislação (ordinária ou complementar), e atividade secundária — consubstancia na função administrativa, instrumentalizada pelo poder regulamentar — restou subvertida a partir da decisão proferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12/2008 (ADC), de relatoria do ministro Ayres Britto, julgada pelo STF.
Na ocasião, o CNJ havia editado resolução para combater o nepotismo no judiciário, Resolução nº 07/2005. O regulamento foi levado ao STF, sob diversos argumentos, como a afronta à lei, por um instrumento vinculado à função administrativa estabelecer parâmetros abstratos, além da violação da separação dos poderes.
Desconsiderando os argumentos aduzidos, o STF fixou a seguinte tese:
EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE “DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça.”.
Nas palavras do ministro relator, Carlos Ayres Britto, de forma inadvertida e criando uma nova sistemática em relação aos regulamentos editados pelo CNJ (e, por extensão, pelo CNMP), os regulamentos editados pelo Conselho Nacional de Justiça agora possuiriam força de lei ordinária, já que “arranca do texto constitucional” a autorização necessária para a sua produção.
A decisão em comento abriu uma nova gama de possibilidades aos Conselhos, permitindo a edição de resoluções com força de lei, disciplinando para além de meras questões administrativas pensadas inicialmente como competências desses Conselhos quando da edição da EC nº 45/2004.
Nessa toada, não raro se observa o CNJ e CNMP disciplinando temas que antes estavam sob a batuta da lei ordinária, de competência legislativa. É o que vem ocorrendo com a criação de gatilhos financeiros, sejam eles indenizatórios ou não.
A título de exemplo, em detrimento de lei federal, o CNMP editou a Resolução CNMP nº 89, de 28 de agosto de 2012, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação no âmbito do Ministério Público. Nela, para fins de consulta da remuneração dos membros e servidores, exige-se a identificação de quem está consultando, em clara violação ao julgamento da (ARE 652777). O mesmo pode ser apontado em relação a Portaria PGR/MPU nº 202, de 31 de dezembro de 2022, que criou a “polícia institucional”, do MPU.
Mais recentemente, o CNJ editou a Resolução CNJ nº 505/2023, segundo a qual permite que os tribunais atualizem o subsídio dos magistrados, sem passar pelo crivo do legislativo estadual. No entendimento do Conselho, o escalonamento dos subsídios dos magistrados já está previsto na Constituição, de modo a tornar despiciendo lei para dizer o que a Carta já disciplina.
A situação posta traz consigo uma outra problemática: a falta de controle (político-legislativo) sobre os regulamentos editados pelos CNJ e CNMP, e, por consequência, das parcelas remuneratórias que excedem o teto do funcionalismo.
Tomando como exemplo a sistemática de controle realizado sobre o poder regulamentar exercido pelo presidente da República, tanto no Brasil como em Portugal, observa-se que o Legislativo não é privado de desempenhar, amplamente, essa fiscalização.
No Brasil, há normas constitucionais que permitem tanto o Congresso sustar atos regulamentares que exorbitem do seu poder regulamentar (inciso V, do artigo 49), como zelar pelas suas competências institucionais, diante da capacidade normativa dos outros poderes (inciso XI, artigo 49).
Em Portugal, em que pese a especificidade do sistema de governo, calcado no semipresidencialismo [5], a figura do regulamento independente do nº 6, do artigo 112.º, da CRP/76, não escapa ao controle político realizado. Neste espaço, tanto o Parlamento como o Presidente português escrutinam os regulamentos editados pelo governo, representado pelo primeiro ministro e o corpo ministerial.
Neste último caso, por exemplo, por uma interpretação excludente do nº 1 do artigo 278.º da CRP/76 — face à impossibilidade de submissão do decreto regulamentar ao controle jurisdicional do Tribunal Constitucional — compete ao presidente da República realizar o veto ao regulamento editado, em Juízo de conveniência e discricionariedade.
As duas formas de controle, deveras, externam premissas seculares, de contrapeso entre os poderes. Não é admissível que um mesmo poder possa, além de editar normas primárias e secundárias, ao mesmo tempo escapar ao controle, não só jurisdicionalmente, mas também politicamente pelo Legislativo de alguma forma.
Reservar, da mesma forma, que o controle das normas seja realizado apenas na via jurisdicional enseja uma fiscalização deficiente, capturada pela força por certos grupos.
Este é o cenário construído a partir da ADC nº 12/05. Com a interpretação equivocada construída pelo STF, as atuais resoluções do CNJ e CNMP, alçadas a normas com a mesma estatura de uma lei ordinária, possuem rito e materialidade fora do controle do Congresso Nacional. A sistematização ofende a interdependência dos poderes e a necessária fiscalização recíproca entre as funções estatais.
A forma como reverbera os efeitos da ADC nº 12/05, as resoluções do CNJ e do CNMP só são impugnadas perante o próprio STF, o qual possui, como um dos seus órgãos, o próprio Conselho Nacional de Justiça (I-A, do artigo 92). E como composição do CNJ, boa parte dos seus integrantes são originários do corpo da magistratura (artigo 103-B), sendo chefiado pelo presidente e vice-presidente do STF, atuando o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como ministro-corregedor (§5º, do artigo 103-B).
De mais a mais, o procurador-geral da República, curador da ordem e da legalidade, principal ator ativo do controle de constitucionalidade, chefia, a seu turno, o CNMP (inciso I, do artigo 130-A). Dessa forma, se não os podem acusar de parcialidade, certamente carecem de ânimo para impugnar normas que, em certa medida, são voltadas para as próprias instituições que as editaram.
Existe, na verdade, uma desproporção de atuação entre os poderes constituídos e o Ministério Público Federal. O judiciário e o MP realizam amplo controle em face do Legislativo e do Executivo, seja pelo ativismo exagerado seja pelos instrumentos legais. No entanto, o controle realizado sobre as resoluções do CNJ e CNMP praticamente inexiste, de forma prévia e política, sendo realizado em única e última instância, e quando existe, no STF.
Como medida salutar, seria interessante que tanto o Executivo e, principalmente, o Legislativo pudessem exercer controle mais incisivo sobre as resoluções do CNJ e CNMP, já que elas atualmente possuem força de lei. Nessa trilha, o Congresso deveria realizar controle sobre o poder regulamentar dos Conselhos, tal qual realiza sobre o Executivo.
Há de se ter em mente que a competência primeva para a edição de normas primárias é do Legislativo. No entanto, por uma escolha voluntária desta Casa, existe processo de deslegalização, com o rebaixamento de certas matérias a esfera administrativa, ou de compartilhamento de competência, como ocorre mediante a expedição de medidas provisórias.
Se o detentor originário cede uma competência, ainda o resta observar se a sua competência está sendo exercida dentro dos parâmetros da delegação. Essa é a premissa da teoria do check and balance da interdependência dos poderes.
Especificamente em relação às verbas indenizatórias do Judiciário, MP e demais órgãos autônomos, tema que o governo pretende contornar com a atual PEC dos gastos, as resoluções que criam essas parcelas não estão sujeitas a nenhum controle político por parte do Congresso. Tais rubricas são criadas apenas sob o argumento da autonomia financeira dessas instituições, mas com efeitos significativos sobre os orçamentos públicos.
Com a atual proposta de emenda constitucional dos gastos públicos (PEC nº 45/2024), o contorno que se pretende dar é permitir que as parcelas indenizatórias apenas sejam admitidas quando prevista em futura lei complementar.
Esta espécie legislativa possui como diferencial disciplinar certas matérias e quórum qualificado dos congressistas para aprovação. Desse modo, pelo que se observa, pretende a PEC dificultar que eventuais verbas, sobretudo aquelas classificadas como indenizatórias, sejam criadas sem que estejam previstas na lei complementar de âmbito nacional.
Há claro intuito de instituir um controle, mesmo que indireto, sobre as resoluções dos tribunais estaduais e os regulamentos do CNJ e do CNMP que tratam de questões financeiras. Contudo, arriscamos a dizer que este tipo de controle, embora de amplo alcance, terá, em termos reais, poucos efeitos práticos.
Primeiro porque não se sabe se a PEC dos gastos, da forma como estruturada, será promulgada. E mesmo que aprovada, ainda resta um novo caminho para a edição da lei complementar, outra via crucis a ser travada pelo governo, que pode perder o interesse diante das coalizões necessárias (e costumeiras) para aprovação de projetos de lei.
De mais a mais, os regulamentos do judiciário, do MP e dos órgãos autônomos ainda vão continuar a ser editados. Como a ADC nº 12/05 prevê que as resoluções do CNJ possuem a mesma forma de uma lei ordinária, não demorará muito para se construir a tese, segundo a qual vindoura lei complementar não pode se chocar com uma resolução dos conselhos, já que a LC não possui hierarquia perante uma lei ordinária.
Na mesma linha, também não demorará muito para se criar o argumento por meio do qual carreiras como magistratura e do MP estão sob a batuta de leis orgânicas, de natureza de lei complementar. Eventual exclusão de certas parcelas remuneratórios precisaria estar prevista nessas leis orgânicas, cuja iniciativa é respectivamente do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Fica claro, portanto, que as resoluções (e demais regulamentos) do judiciário e do MP ainda continuarão sem qualquer controle, escrutinados apenas pelo STF. Carecerá, portanto, de efetivo controle imediato político, tão logo o regulamento seja editado.
Noutro giro, poder-se-ia argumentar que o Congresso, ao realizar esse controle sobre os regulamentos do CNJ, CNMP e órgãos autônomos, estaria invadindo competências administrativas de outros poderes, imiscuindo-se em matéria interna corporis. Ora, as resoluções do CNJ, como já decido pelo STF, possuem a mesma força de lei. Sendo assim, cabe ao Legislativo fiscalizar essa atividade no intuito de verificar se a própria competência parlamentar está sendo preservada.
Sobre o controle realizado eventualmente pelo Congresso, a via jurisdicional ainda estará disponível às partes interessadas para verificar a constitucionalidade da medida adotada pelo decreto legislativo de sustação. Nesse contexto, o procurador-geral da República e demais atores autorizados constitucionalmente podem se valer da sua legitimidade ativa para impugnar a medida legislativa junto ao Supremo Tribunal Federal.
A medida proposta nas linhas anteriores, junto com a que se pretende criar com a PEC, mostra-se mais efetiva, proporcionando, por completo, a teoria dos controles recíprocos entre os poderes, sobretudo na proposta que visa: controle dos gastos remuneratórios fora dos orçamentos aprovados.
Fonte: Conjur