Lei 14.133/2021: DFD para contratações diretas nos municípios
10 de julho de 2024Câmara aprova texto-base da reforma tributária com trava de 26,5% no IVA ( CBS, tributo federal e IBS, imposto estadual e municipal ) e, ainda , o Imposto Seletivo em faixa própria)
11 de julho de 2024Em seu texto clássico texto de 1897, “The Path of the Law”, Oliver Wendell Holmes diz que, a fim de compreender o que é o direito, deveríamos adotar a perspectiva do homem mau, que se preocupa apenas com as consequências materiais de suas ações, seja dentro direito ou fora dele. O homem mau não se interessa em conhecer o conceito de direito, mas em saber como as cortes aplicarão o direito no seu caso e quais repercussões isso terá sobre ele. Com isso, Holmes nega a objetividade daquilo o que é o direito e adota a perspectiva realista de afirmar que o conceito de direito provém de sua instrumentalidade prática.
Embora sedutora, a posição de Holmes tem um problema: ela não explica as expectativas das pessoas, tampouco dos juízes, em relação às respostas que serão dadas por parte de quem aplica o direito. Em suma, aquele que adota a posição do realismo jurídico deixa de se questionar sobre algo fundamental: por que as pessoas continuam buscando o Poder Judiciário para que suas questões sejam resolvidas de forma justa? Para quais padrões de correção jurídica deve o juiz se voltar quando toma uma decisão? Isso, no fim das contas, consiste em perguntar: o que é o justo no caso concreto?
A ausência de uma pergunta como essa no coração da teoria de Holmes é precisamente o que torna o realismo jurídico pouco realista. O realismo jurídico falha em apresentar uma descrição daquilo o que efetivamente os juízes fazem — ou o que se espera que eles façam. Fenômenos sociais não podem ser apropriadamente compreendidos sem que se investigue o ponto de vista interno daqueles que se engajam em suas práticas. A falha de Holmes, portanto, está em ignorar as razões para agir daqueles para os quais o direito representa alguma forma de motivação, sejam eles juízes ou o jurisdicionado.
Buscando reagir a essa inquietação, Herbert Hart, em “O Conceito de Direito”, convida seus leitores a conceberem o direito a partir de uma perspectiva interna. Desse modo, Hart revisou profundamente as teses de Bentham e de Hobbes, que adotavam uma perspectiva meramente externa do direito, isto é, focada na obediência.
O positivismo legal de Hart é perfeitamente compatível com a ideia de que os juízes podem lançar mão de argumentos morais para tomar uma decisão em um caso difícil. No entanto, conforme objeta Robert P. George, professor da Universidade de Princeton, Hart não teria levado suficientemente em consideração as consequências de sua reação a Bentham e Austin.
Para Robert P. George, essas consequências só foram completamente assumidas por John Finnis em sua abordagem do direito natural. Sendo assim, o “novo direito natural” de Finnis (nomenclatura que ele próprio rejeita), embora reconheça que o conceito de direito pode apontar para (1) uma perspectiva da análise intrassistêmica do direito, como fazem advogados quando defendem os direitos de seus clientes, e para (2) uma perspectiva da análise sociológica do direito, como faz Hart, apresenta uma novidade, que consiste em apresentar (3) uma perspectiva do direito com fornecendo razões para agir.
Conforme argumenta Robert P. George, quando uma lei se mostra moralmente equivocada, ou injusta, ela não deixa de ser lei nos sentidos (1) e (2), mas o deixa de ser no sentido (3). Esse dado é importante e merece ser reforçado: o direito injusto, na perspectiva de Finnis e de George, não deixa de ser direito por ser injusto, já que sua concepção jurídica abarca a distinção conceitual entre direito e moral, implícita nas perspectivas (1) e (2). No entanto, o direito injusto falha em atender ao requisito do direito como razão para agir (3).
Com essas bases assentadas, podemos agora pensar no papel do juiz e, mais precisamente, da interpretação judicial à luz do novo direito natural. Um dos argumentos de Ronald Dworkin para defender a sua teoria dos princípios — e, portanto, a sua ideia de que o direito é capturado conceitualmente pela moral, sendo um ramo dela — é dizer que ela traz respostas a casos difíceis, isto é, aqueles para os quais a lei positiva não apresentou uma resposta ou não apresentou uma resposta satisfatória.
Dworkin não é propriamente um jusnaturalista, mas apresenta uma reação convincente à insuficiência positivista para responder a esse tipo de questionamento. Isso poderia nos levar a perguntar: como uma teoria do direito a partir de uma perspectiva jusnaturalista se posiciona diante de casos difíceis ou de leis injustas? Sua resposta não seria semelhante àquela fornecida, por exemplo, por Ronald Dworkin?
A resposta de Robert P. George é interessante. Para ele, a solução da questão não está — e não deve estar — em uma teoria da interpretação judicial, mas naquilo o que dispõe a lei, que possui, em si mesma, um valor para o bem comum. Embora isso não nos leve automaticamente para um originialismo a la Antonin Scalia, essa posição significa, de modo geral, que resolver casos de omissão ou limitação legal não é papel do juiz, mas da instituição legitimamente constituída para essa função: o Parlamento. Caso contrário, enfraqueceremos a lei e, com ela, a justiça e o bem-comum.
Isso porque o bem-comum necessita de alto grau de realização dos princípios do Rule of Law. A função do Estado de direito, portanto, é proteger a comunidade da tirania, de um lado, e da anarquia, de outro — e uma condição sabidamente indispensável para isso é a divisão de Poderes. Agora, é importante ressaltar: precisamente porque os seres humanos são criaturas racionais é que não se pode ignorar que conceito de Rule of Law está fundado nas mesmas boas razões para agir que compõem o conceito de direito. Sendo assim, não basta que a lei seja elaborada por uma autoridade competente conforme um procedimento constitucionalmente previsto: isso seria suficiente para o homem mau, que a enxergasse a partir de um ponto de vista meramente instrumental, mas não o é para a maior parte das pessoas.
A maior parte de nós, reafirmo, espera que a lei e o direito, concebido de modo amplo, consistam em boas razões para agir. Isso nos leva a reafirmar a necessidade de um ajuste fino entre juízo moral e técnica jurídica, esta concebida como uma aquisição disciplinada do conhecimento jurídico, tal como explicado por John Finnis na primeira parte de seu livro “Natural Law and Natural Rights”. Esse, é claro, é um desafio e tanto — e é de se questionar se a nova teoria do direito natural apresentou instrumentos suficientes para responder a ele, quando se trata de interpretação judicial.