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12 de dezembro de 2024Os processos estruturais têm ocupado posição central na agenda dos estudiosos do direito processual contemporâneo. Nos últimos anos, juristas têm voltado suas atenções a essa temática, reconhecendo sua relevância como instrumento para lidar com problemas complexos.
Embora seja prudente não mencionar nomes para evitar omissões, é inegável que a produção doutrinária sobre o tema tem avançado de forma significativa, culminando na recente apresentação de anteprojeto de lei sobre processo estrutural, que busca disciplinar suas regras gerais.
O processo estrutural inaugura uma verdadeira revolução no direito processual, similar ao que representou a doutrina do processo coletivo brasileiro a partir da década de 1980. Ele rompe com o paradigma tradicional, que enxerga o processo como uma relação entre as partes situadas em polos opostos estáticos, com o juiz olhando-as de cima pronto para decretar a solução correta e determinar seus destinos.
Em lugar disso, oferecer uma nova perspectiva, orientada à resolução de problemas a partir do reconhecimento de que questões complexas e multipolares necessitam de um procedimento adequado, no qual se estimule o diálogo e a construção de alternativas pelos próprios atores, em busca de soluções graduais e duradouras.
Contudo, é necessário questionar: será razoável que alguém aguarde por anos a concretização de uma solução estrutural enquanto seus direitos permanecem violados, especialmente em situações nas quais tal demora pode agravar ainda mais sua condição? A resposta, evidentemente, deve ser negativa. Não é esta a função do processo estrutural, cujo escopo envolve alcançar resultados eficazes e duradores para problemas sistêmicos, mas sem se tornar um obstáculo à proteção de direitos individuais.
Há uma clara distinção entre, por exemplo, a solução do problema carcerário — onde ninguém defenderia que todos os presos fossem soltos até que as condições ideais de encarceramento fossem alcançadas — e o caso de um indivíduo que necessita de uma cirurgia pelo sistema de saúde. Isto mostra que é preciso um olhar para o caso, inclusive sob a perspectiva individual do problema. O processo estrutural não pode ser, ele próprio, o fundamento para suspender ou negar direitos fundamentais em nome de uma solução futura e ainda em construção.
A redação do anteprojeto de lei dos processos estruturais indica a natureza coletiva desses processos. Isso fica explícito na exposição de motivos, onde se anota que “o art. 1º (do anteprojeto) também dispõe que um processo estrutural é, por excelência, um processo coletivo, de modo que deve seguir o rito das ações civis públicas, quando em juízo”. Como consequência, deve-se aplicar-lhes o sistema de tutela coletiva, inclusive, a regra opt-in/opt-out, consagrada no Código de Defesa do Consumidor, permitindo que o indivíduo escolha se vincular ao processo coletivo ou seguir com sua demanda individual (artigo 104, CDC), assim como o disposto no artigo 103, §3º do mesmo diploma, que indica a extensão da coisa julgada coletiva ao plano individual apenas no caso de ser benéfica ao indivíduo.
Essa previsão reforça a ideia de que a autonomia do indivíduo deve ser preservada e que o processo estrutural não pode inviabilizar a inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV, Constituição), bem como a análise de tutelas provisórias. Neste aspecto, o texto do anteprojeto também deixa expresso que o processo estrutural não impede a análise de tutelas de urgência (artigo 6º, X). Com isso, levanta a possibilidade de que o próprio juízo responsável pelo processo estrutural deva deferir medidas de transição para mitigar os impactos da demora na solução coletiva.
Por exemplo, no âmbito do direito à saúde, apresentado aqui a título ilustrativo, o juiz poderia estabelecer um regime provisório que assegure o acesso a tratamentos ou medicamentos enquanto o sistema é reestruturado. Embora essa posição encontre resistência em alguns círculos acadêmicos, ela apresenta vantagens claras do ponto de vista organizacional, pois centraliza as decisões e confere maior eficiência ao processo. Ainda que essa possibilidade não seja admitida, é imprescindível que ações individuais possam tramitar em juízos diversos, garantindo que direitos urgentes sejam protegidos independentemente da existência de uma ação estrutural.
Convém não olvidar que, mesmo em situações nas quais os tribunais admitem a suspensão de processos individuais por força da existência de ação coletiva em que se discuta o mesmo tema, isso não afasta a necessidade de análise de situações que envolvam risco de dano ou agravamento na situação discutida nas ações suspensas.
A controvérsia a respeito da viabilidade da suspensão de ação individual, por força de propositura de ação coletiva, segundo decisão tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, é de natureza infraconstitucional, não havendo, portanto, matéria constitucional a ser analisada. Com esta decisão, o STF remeteu a decisão final sobre a questão ao Superior Tribunal de Justiça.
No âmbito do STJ, encontramos decisões no sentido de ser possível a suspensão das ações individuais até o trânsito em julgado das ações civis públicas atinentes à macrolide geradora de processos multitudinários. Este tem sido o entendimento da Corte.
Isto não quer dizer, todavia, que as ações individuais devam ser automaticamente suspensas, tampouco extintas, quando houver ação coletiva tratando da mesma matéria, como, aliás, menciona o texto do anteprojeto (artigo 6º, X), que vai além, indicando que a eventual suspensão, reunião ou centralização da prática de atos processuais é técnica que deve levar em conta a conveniência dos juízos responsáveis por processos individuais e coletivos que tenham relação com o litígio estrutural, com a prévia participação das partes, preferencialmente a partir de consenso estabelecido entre elas, a fim de verificar a pertinência.
Outro aspecto que merece reflexão é o caráter dinâmico dos processos estruturais. É raro que essas ações alcancem um “estágio de coisas ideal”. O que geralmente se verifica é uma melhoria progressiva, mas longe de ser o ponto final. O papel do processo estrutural, neste sentido, é colocar o trem nos trilhos, garantindo que o sistema funcione de forma adequada, mas sem a pretensão de resolver todos os problemas de forma plena e definitiva. Essa característica gera dificuldades quanto à delimitação do momento de encerramento dessas ações, pois muitas vezes o objetivo derradeiro ainda estará distante, mesmo após anos de tramitação.
Supondo que fosse possível um processo estruturante que tramitasse pelos últimos 28 anos, com objetivo de resolver o problema da extrema pobreza mundial. Por volta de 1800, aproximadamente 85% da humanidade vivia nessas condições. Cerca de 50% da população da terra ainda se encontrava neste nível até 1996. Durante quase duas décadas as medidas da nossa ação produziram bons efeitos, de forma que em 2015 apenas 11% das pessoas viviam em situação de extrema pobreza. Esse número caiu para cerca de 9% em 2022.
Embora o exemplo seja absurdo e uma ação como esta não exista, os dados são reais, segundo estimativa do Gapminder, a partir de fontes do Banco Mundial e servem para reflexão. Imaginem que, em 1996, alguém a quem tivesse sido negado um benefício assistencial devido a pessoas em situação de extrema pobreza resolvesse ingressar com uma ação judicial. O Juízo do caso, alegando a existência do um processo estrutural, indefere o pedido, considerando que, em algum momento, os efeitos do processo se alastrarão a ponto de reduzir a extrema pobreza de forma geral, o que também beneficiará a parte do processo individual. Esta medida, portanto, produziria efeitos isonômicos para todos, e não só para quem ingressou em Juízo.
Não é preciso avançar mais com a narrativa. Basta dizer que nada nos garante que a pessoa tenha sobrevivido, em quais condições ou até mesmo que não se encontre entre os 9% da população vivendo ainda hoje em situação de extrema pobreza. Ela ilustra como a demora, característica da própria técnica estruturante, não pode converter-se em obstáculo ao exercício de direitos das pessoas, pois isso não é razoável e subverte o próprio escopo do processo estrutural.
Conclui-se, portanto, que, seja sob a perspectiva atual, seja tomando como base a alteração legislativa (lege ferenda) que se avizinha, é equivocado utilizar a existência de um processo estrutural como fundamento para negar acesso a direitos individuais. Essa postura subverte a sua natureza revolucionária, transformando-o em um mecanismo reacionário que perpetua a injustiça sob o pretexto de uma solução sistêmica futura. O processo estrutural deve ser uma ferramenta de avanço e proteção, não um entrave à concretização de direitos fundamentais.
Fonte: Conjur