A crescente preocupação com os impactos dos alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas na saúde pública tem sido amplamente discutida em estudos científicos recentes. Esse tipo de alimento, como salgadinhos, refeições prontas e produtos de confeitaria, são altamente calóricos e pobres em nutrientes essenciais, enquanto bebidas açucaradas, como refrigerantes e sucos industrializados, têm elevado teor de açúcar. Ambas as categorias contribuem significativamente para o aumento de doenças crônicas, como obesidade, diabetes e câncer.
No Brasil, o consumo de alimentos ultraprocessados aumentou 5,5% na última década, e o consumo de bebidas açucaradas segue uma tendência semelhante. Esse crescimento reflete a expansão da indústria alimentícia e de bebidas em áreas mais remotas, com maior oferta desses produtos em mercados locais. O aumento do consumo é especialmente preocupante, dado o impacto direto sobre a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e obesidade.
Além dos danos à saúde, a produção de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas traz impactos ambientais consideráveis. A fabricação desses produtos está associada a elevados níveis de emissões de gases de efeito estufa e à degradação ambiental, agravando problemas como a perda de biodiversidade. Estudos indicam que esses produtos geram custos bilionários para o sistema de saúde e a economia global.
Diante desse cenário, a reforma tributária no Brasil surge como uma oportunidade para desestimular o consumo de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas. A inclusão desses produtos na lista de bens com tributação seletiva, ao lado de cigarros e bebidas alcoólicas, visaria a redução dos impactos sobre a saúde pública e promoção de hábitos de consumo mais saudáveis e sustentáveis.
Neste contexto e sob o pretexto de uma busca pela simplicidade e eficiência do sistema tributário nacional, a tão esperada reforma tributária sobre o consumo foi aprovada com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 132 de 2023.
E, para além dos principais objetivos alardeados, como a consolidação de cinco impostos distintos em um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual, Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de âmbito federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) sob a jurisdição dos estados e municípios, foi instituído, também, o Imposto Seletivo (IS), sob a justificativa de preservação da saúde e o meio ambiente.
Incluído no inciso VIII, artigo 153, da Constituição, atribuiu-se à União a competência para instituir o imposto sobre “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”.
Nessa esteira, foi apresentado o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68 de 2024, proposta de regulamentação da reforma tributária, e que trouxe a regulamentação do IS. O objetivo é incentivar a população a consumir produtos mais saudáveis e desencorajar o uso de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Conforme a lista apresentada na PLP, os bens sujeitos a essa nova carga tributária serão: veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos (como charutos e cigarros), bebidas alcoólicas e açucaradas, e bens minerais extraídos. Dessa forma, é possível perceber que todos os produtos e bens indicados na lista possuem uma ligação direta com a hipótese de incidência do IS, seja ela relacionada à saúde ou ao meio ambiente.
No entanto, percebe-se que os alimentos ultraprocessados, frequentemente criticados pelas consequências negativas à saúde e ao meio ambiente, como visto anteriormente, não estão listados na proposta, razão pela qual a sua ausência vem sendo discutida pela população, a comunidade científica ligada à saúde e os empresários brasileiros.
Por um lado, principalmente os especialistas ligados a saúde criticam veementemente a ausência da tributação desses produtos. Isso se dá pela situação em que o país se encontra, sobretudo em relação ao aumento de doenças crônicas não transmissíveis. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fiocruz, intitulado “Impacto do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde de crianças, adolescentes e adultos: revisão de escopo”, “ficou evidente a relação direta desse consumo a doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer de mama e obesidade”.
Um outro estudo realizado pela ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que atua na promoção e defesa de políticas de saúde pública, cerca de 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos morrem todos os anos em território brasileiro devido ao consumo de ultraprocessados. Além disso, o aumento das doenças crônicas ligadas ao consumo de ultraprocessados gera um aumento significativo dos gastos públicos com o Sistema Único de Saúde, além de causar a perda da capacidade física das pessoas de desempenhar suas atividades laborais e diárias.
Ademais, os impactos não se limitam apenas a consequências negativas à saúde. Nesse sentido, a produção e o consumo de alimentos ultraprocessados impactam diretamente o meio ambiente, desde a utilização de produtos naturais como a água para a sua produção até o descarte de embalagens, que são continuamente descartados de formas incorretas. De acordo com manifesto publicado e assinado por especialistas da área da saúde e ativistas, como o dr. Drauzio Varela, a emissão de gases de efeito estufa de produtos ultraprocessados aumentou 245% entre 1987 e 2018.
Por outro lado, há uma perspectiva contrária à incidência de imposto seletivo sobre alimentos ultraprocessados. Preocupa-se que um aumento no preço desses produtos possa impactar de maneira desproporcional os consumidores de baixa renda, exacerbando a desigualdade econômica e social. Isso se deve ao fato de que os alimentos ultraprocessados muitas vezes são mais acessíveis e convenientes para esses consumidores, que podem enfrentar dificuldades adicionais para acessar opções mais saudáveis e menos processadas.
Inclusive, a redação atual do PLP 68 inclui na relação dos produtos destinados à alimentação humana componentes da Cesta Básica Nacional de Alimentos, que terão as alíquotas do IBS e CS reduzidas a zero, a margarina, produtos sabidamente ultraprocessado.
Veja-se, portanto, que, a questão da incidência do imposto seletivo sobre alimentos ultraprocessados é complexa e suscita debates importantes sobre saúde pública, equidade econômica e liberdade individual de escolha. Enquanto alguns defendem que a tributação pode ser uma ferramenta eficaz para desincentivar o consumo desses produtos prejudiciais à saúde, outros levantam preocupações legítimas sobre seus potenciais impactos negativos sobre consumidores de baixa renda e sobre a indústria alimentícia.
A busca por um equilíbrio adequado entre promover uma alimentação mais saudável, sem penalizar injustamente os mais vulneráveis, requer políticas públicas bem elaboradas, que considerem não apenas a eficácia fiscal, mas também a justiça social e o acesso universal a alimentos básicos e nutritivos. Nesse contexto, é essencial que decisões futuras se baseiem em evidências sólidas, consultas públicas e colaboração entre diferentes setores da sociedade para alcançar um impacto positivo duradouro na saúde e bem-estar da população.
Fonte: Conjur