A Lei nº 14.973, de 16 de setembro de 2024, regulamenta a desoneração da folha de pagamento para o ano de 2024 e estabelece novas regras fiscais que impactam diretamente o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas.
Entre as mudanças mais relevantes está a atualização do custo de bens imóveis para pessoas físicas e jurídicas no Brasil para fins de apuração do ganho de capital.
A Receita Federal regulamentou a opção pela atualização do valor de bens imóveis para o valor de mercado, de que tratam os artigos 6º a 8º da Lei nº 14.973/2024, por meio da Instrução Normativa nº 2.222, publicada em 24 de setembro de 2024.
Resumidamente, os artigos 6º e 7º da Lei nº 14.973/2024 permitem a atualização do valor de bens imóveis já declarados por pessoas físicas na Declaração de Ajuste Anual (DAA), bem como dos imóveis registrados no ativo não circulante do balanço patrimonial de pessoas jurídicas. Esses bens podem ser reavaliados pelo valor de mercado e a diferença estará sujeita a uma tributação conforme uma alíquota reduzida quando comparada às alíquotas padrão de ganho de capital.
Para pessoas físicas, a alíquota aplicada será de 4% no Imposto de Renda (IRPF), enquanto a tributação usual varia entre 15% e 22,5%. Já para pessoas jurídicas, a atualização será tributada com uma alíquota de 6% no Imposto de Renda (IRPJ) e 4% na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), totalizando 10%, sendo que a alíquota geral dessas empresas normalmente chega a 34%.
Embora a redução das alíquotas possa parecer atrativa, é fundamental examinar a questão com cuidado, especialmente devido à armadilha presente no artigo 8º da referida lei, que estabelece um período de espera de no mínimo 15 anos para o aproveitamento total das vantagens fiscais.
Durante esses 15 anos, o benefício tributário é concedido de forma gradual, ou seja, nos primeiros 36 meses, o percentual de utilização do aumento de custo é de 0%, aumentando progressivamente a uma taxa de 8% para cada intervalo de 12 meses, até atingir 100% para alienações realizadas após 180 meses (sendo o último aumento de 6%). Ou seja, no período a partir de 36 e até 48 meses, o contribuinte pode se beneficiar de 8%, a partir de 48 até 60 meses, de 16% e assim por diante, até atingir o benefício pleno, a partir de 180 meses.
Assim, quanto mais tempo o imóvel for mantido, maior será o desconto efetivo no imposto devido. Ocorre, todavia, que existem três formas de enxergar a presente sistemática, começando pela mais simples e chegando até a mais completa. E nas três formas, existem fatores cuja análise pode influenciar na decisão de adotar (ou não) dessa atualização.
A primeira forma de análise é a mais simples e tem o conceito de que o benefício vale a pena a partir do momento em que, nominalmente, se paga menos tributo, considerando exclusivamente as alíquotas nominais. Nesse caso, em prazos que excedam os 72 meses (seis anos), haveria um ganho nominal (montante que consta nos Darfs).
A segunda forma de análise é um pouco mais complexa. Ela considera a aplicação dos benefícios hoje previstos tais como as isenções e fatores de redução do ganho de capital, que dependem tanto da natureza do alienante (se pessoa física ou jurídica), como da natureza do bem (se imóvel residencial, comercial ou rural) e da destinação dos recursos (como, por exemplo, se tais valores serão utilizados na aquisição de outros valores). Nesse caso, se calcula a diferença nominal efetiva entre o valor com e sem a atualização, considerando os benefícios aplicáveis.
Apenas para dar um exemplo ilustrativo, caso a venda posterior seja isenta de ganho de capital, atualizar o imóvel corresponderia a um desperdício de recursos, pois se paga 4% agora para se economizar 0% no futuro. Esse é apenas um caso auto evidente, mas há outros exemplos em que fatores de redução do ganho de capital na alienação do imóvel podem impactar na decisão final, também reduzindo o benefício real do pagamento de 4%.
A terceira forma de análise é mais sofisticada e, a nosso ver, recomendada. Isso porque há um problema tanto com a primeira quanto com a segunda forma de comparação: as duas consideram que um pagamento hoje equivale ao mesmo pagamento feito quinze anos no futuro. Apesar de ser uma suposição razoável para pequenos intervalos, essa premissa nos parece incorreta quando se lida com prazos amplos.
Portanto, é necessário levar em consideração o custo de oportunidade — ou seja, quanto se deixou de ganhar ao pagar 4% hoje em vez de investir o mesmo montante por 15 anos. Só assim se pode efetivamente chegar a uma conclusão fundamentada sobre aderir ao suposto benefício, ainda mais em um cenário de rentabilidade real elevada e prazos alargados que podem superar uma década. Levando esses fatores em consideração, os benefícios tendem a ser muito mais limitados na prática, sendo vantajosos em casos excepcionais.
Assim, apesar de à primeira vista parecer uma boa oportunidade, o benefício concedido parece mais uma medida cuja finalidade é gerar uma arrecadação adicional imediata para o governo, na medida em ele recebe o pagamento antes, enquanto o contribuinte pode não colher benefícios esperados, ainda mais num cenário com tantas variáveis e prazos tão longos.
Num país em que o futuro é duvidoso e até o passado é incerto, será que vale a pena fazer uma aposta de 15 anos?
Fonte: Conjur