JUSTIÇA DE SÃO PAULO DETERMINA QUE O MUNICIPIO AUTORIZE A EXPEDIÇÃO DE NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS.
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18 de abril de 2024Sem necessidade de se realizar uma pesquisa precisa, pode afirmar-se que a grande maioria de recursos especiais interpostos cogitam da violação da regra do artigo 1.022, II, do Código de Processo Civil, circunstância que, todavia, não é de agora, mas desde o Código de 1973, quando a mesma matéria vinha disciplinada no seu artigo 535, II. Também, sem se fazer um levantamento buscando precisão, pode dizer-se que o maior número de especiais providos na área cível acolhe a arguição de ofensa ao artigo que cuida dos embargos de declaração por omissão.
Em certo sentido, isso se explica pela circunstância de o Código de Processo Civil ser a legislação que rege o rito de processos que versam sobre Direito Civil, em todas as suas vertentes e variantes, Direito Administrativo, Direito Tributário, ou seja, em todos os ramos do Direito, excluindo-se o Penal e o Trabalhista, estando, pois, as regras do Processo Civil presentes na grande maioria dos feitos que tramitam pela Justiça. A par disso, tem-se um reclamo constante dos vencidos nas demandas judiciais de a derrota dever-se ao fato de o julgador não ter examinado os argumentos que foram expostos a fim de conduzir a um resultado favorável nos feitos.
Curiosa essa constatação, mesmo que simploriamente empírica, quando outros institutos de Processo Civil também são usados em todos os processos, como, exemplificativamente, a petição inicial, a citação, a contestação, a sentença, a apelação, sem, contudo, desfrutarem de igual prestígio. Essa circunstância impõe perquirir-se sobre a razão da importância dessa regra específica e dos próprios embargos declaratórios.
No início da vigência do Código de Processo Civil de 1973, os embargos não eram tão utilizados. Antes estavam disciplinados num único artigo do Código de 1939 (artigo 862), vindo, na então nova lei, a ser mais empregados, porém seus problemas eram afetos a eles próprios, como a questão do caráter infringente e do seu cabimento, discutindo-se mais a decisão de primeiro grau atacada pelos embargos do que decisões de instâncias superiores, como atualmente acontece. Uma vista d\’olhos no respeitado repertório de jurisprudência de Alexandre de Paula (\”Código de Processo Civil Anotado\”, Revista dos Tribunais, 1976, 2º volume) deixa patente sua pouca importância e seu pouco uso, naqueles tempos.
Também noutro repertório, já na vigência do Código de 1973 e trazendo acórdãos do recém-criado Superior Tribunal de Justiça (Sálvio de Figueiredo Teixeira, \”O STJ e o Processo Civil\”, Brasília Jurídica, 1995), fica clara a utilização dos embargos como fim em si mesmos, muito embora naquela época já existisse a Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal que não admitia o recurso extraordinário sobre ponto omisso sobre o qual não houvera a interposição de embargos declaratórios.
De uns tempos a esta data, os embargos foram transformados num recurso importantíssimo, quase que obrigatório em toda e qualquer demanda e voltados, prioritariamente, às decisões de segundo grau. Tanto se deveu, basicamente, à interpretação mais rigorosa da exigência do prequestionamento. Nesse sentido, a Súmula 356 do Supremo impunha os declaratórios a fim de que o ponto omisso fosse passível de discussão em recurso extraordinário. Posteriormente, com o Superior Tribunal de Justiça, adveio a Súmula 211, que foi além da súmula do Supremo, prevendo, então, ser inadmissível o especial quanto à questão não apreciada pelo tribunal a quo, \”a despeito da oposição dos embargos declaratórios\”. A súmula do Supremo parecia contentar-se com a simples oposição dos declaratórios; a do Superior, todavia, foi além e deixou claro que se necessitava mesmo da apreciação do tribunal recorrido, de forma que o especial não seria admitido \”a despeito da oposição dos embargos\” se a apreciação da matéria não tivesse havido.
Roberto Rosas bem abordou o assunto, dizendo que se a omissão \”não é superada pelo exame dos embargos, persistirá, e continuará o vazio de apreciação, não podendo a instância superior examinar aquele ponto omisso, obscuro ou contraditório\” (\”Direito Sumular\”, Malheiros, 2012, 14ª edição, pag. 485). Destacou, então, que o problema surge com \”a persistência da omissão\”. Realmente, esse problema ganhou ares de tragédia, dado que a parte cumpria o ritual ditado pelas súmulas, entretanto, o tribunal negava, expressamente, haver omissão ou simplesmente fazia ouvidos moucos, como se nada lhe estivesse sendo pedido. A questão era bastante grave, dado que implicava a concessão ao tribunal de segundo grau de um poder, nada leal — registre-se, de obstar que o Superior Tribunal de Justiça reexaminasse a sua decisão. Patente absurdo, que se mostrava insuperável, atando as mãos da corte superior, pois não se poderia transigir com o sentido do prequestionamento, mas também não se poderia negar, absurdamente, a prestação da
tutela jurisdicional.
Houve decisões que remediaram a situação, admitindo o que se tratou como \”prequestionamento implícito\”, que se vislumbrava diante da impossibilidade de se ter chegado à decisão a que o tribunal local chegou sem afrontar certas normas que se punham inexoravelmente no caminho do enfrentamento da questão que se deixou de aclarar. Todavia, o inconveniente do conceito se sobressaía, porquanto a ideia de um prequestionamento implícito representava uma contradição, porque o sentido de prequestionar é o de enfrentar o tema, o que não haveria no caso.
Surgiu, então, um entendimento jurídico muito bem alicerçado. É inegável ser dever do Judiciário, até em coroamento do princípio do contraditório, apreciar as questões que lhe foram trazidas, incluindo aí os fundamentos e, atualmente, com a redação do artigo 489, §1º, IV, até os simples argumentos. Se ele não cumpre essa sua obrigação, a via para buscar o enfrentamento dos pontos omissos é a dos embargos de declaração. Se esses forem opostos e, mesmo assim, não houver a resposta do Judiciário, tem-se não a violação da norma sobre que versa a questão não apreciada, já que, se não a apreciou, não se sabe se foi realmente maltratada, porém se tem certeza de que se ofendeu o dispositivo que coloca os declaratórios como forma de se suprir a omissão (antes o 535, II; agora o 1.022, II). Na regra de cabimento dos embargos, estão contidos o direito de a parte postular contra a omissão e o dever do Judiciário de apreciar a questão e eliminar a omissão.
Destarte, o recurso especial volta-se não contra o não decidido, todavia contra a ofensa ao artigo que trata dos embargos como meio de suprir as omissões do julgado. Assim, um número expressivo de recursos especiais acabou sendo acolhido. Não enfrenta o Superior, nessa hipótese, a questão de fundo, que não lhe chegou devidamente prequestionada, como seria necessário. Constata-se, entretanto, que ela tem relevância e potencialidade para interferir na decisão final do caso e, assim, determina o tribunal superior que seja efetivamente a questão enfrentada, no tribunal de origem, suprindo a omissão. Anula-se, pois, a decisão proferida no julgamento dos embargos de declaração, impondo seu novo julgamento.
No Código de Processo Civil de 2015, a questão ganhou contorno diferente. Adicionou-se ao regime dos declaratórios o artigo 1.025, segundo o qual \”consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade\”. O objetivo do preceito seria superar o entrave criado pela resistência do tribunal recorrido em apreciar por inteiro as questões trazidas pelo recorrente, dado que, havendo omissão, deveriam ser opostos os embargos, mas o silêncio do acórdão que os julgou induz a se entender terem sido consideradas as regras jurídicas trazidas à baila, de modo que, persistindo o vício, caberá o recurso especial ou o extraordinário por infração à regra que se pretendia tivesse sido apreciada no julgamento dos embargos, mesmo que não o tenha sido.
Julgava-se e assim escrevi em artigo doutrinário (\”O adeus ao artigo 535 do CPC/73\”, Tribuna do Direito, nº 281, página 14), que não mais teria cabimento alegar no especial a ofensa ao 1.022, quando se tratasse de simples prequestionamento, pois, no julgamento, caberia ao Superior Tribunal de Justiça aferir a ofensa ao preceito que pode nem mesmo ter sido referido no acórdão, desde que tenha sido discutido nos declaratórios. Assim, todavia, não entendeu a corte superior, passando a exigir simultaneamente a alegação de ofensa aos artigos versados nos embargos, mas não considerados, e a alegação de ofensa também ao artigo 1.022, II, do Código de Processo Civil (cf. REsp 1.639.314, relatora Nancy Andrighi, julgamento em 4/4/2017; REsp 1.764.914, relator Herman Benjamin, julgamento em 8/11/2018, entre tantos outros).
Não parece ter sido essa a intenção do legislador. Foi criado o prequestionamento ficto, que se atinge com a simples oposição dos embargos, independentemente da resposta que a eles venha a ser dada, contemplando ou não a matéria neles deduzida. Cumpriria ao Superior Tribunal constatar tão somente se houve mesmo a omissão e se a matéria não examinada era relevante para o deslinde da questão. Sustenta-se que tal poderia importar em \”supressão de grau\”, o que não parece existir, uma vez que a matéria deduzida nos embargos já deve estar nos autos, por não serem esses sede para inovação. De outro lado, também o recorrido sobre o tema deveria ter se manifestado em contrarrazões ao recurso especial. Inegável, portanto, não se ter como sustentar a existência de surpresa.
A interpretação criada pelo Superior Tribunal, de outro lado, ofende o princípio da economia processual, pois a consideração desde logo da matéria de fundo agilizaria o andamento do processo, evitando a volta dos autos para o segundo grau e, possivelmente, a interposição de um novo especial quando a questão fosse entendida nos embargos em sentido contrário dos interesses do recorrente. Desse modo, a posição do tribunal superior elimina o prequestionamento ficto, deixando de ter sentido até a discussão sobre os preceitos não considerados, uma vez que, a ser esse o sentido da regra, bastaria, tal como antes ocorria, alegar a ofensa ao artigo dos declaratórios.