Dispõe sobre os direitos e as garantias do contribuinte
e dá outras providências
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º. Esta Lei Complementar estabelece normas gerais sobre direitos e garantias aplicáveis na relação tributária do contribuinte com as administrações fazendárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigos 24, inciso I e seu §1º e 146, incisos II e III, da Constituição Federal).
§1º. São contribuintes, para os efeitos desta Lei Complementar e para os das leis federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal que dela decorram, as pessoas físicas ou jurídicas em qualquer situação de sujeição passiva tributária, inclusive a responsabilidade, a substituição, a solidariedade e a sucessão tributárias, além do referido no art. 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966).
§2º. Estão sujeitos às disposições desta Lei Complementar, também, os agentes de retenção dos tributos, os representantes legais ou voluntários e os legalmente obrigados a colaborar com o fisco.
Art. 2º. A instituição ou majoração de tributos atenderá aos princípios da justiça tributária.
Parágrafo único. Considera-se justa a tributação que atenda aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade.
Art. 3º. Os direitos e garantias do contribuinte disciplinados na presente Lei serão reconhecidos pela Administração Fazendária, sem prejuízo de outros decorrentes da Constituição Federal, dos princípios nela expressos e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
CAPÍTULO II
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS
Art. 4º. A legalidade da instituição do tributo (art. 150, inciso I, da Constituição Federal) pressupõe a estipulação expressa de todos os elementos indispensáveis à incidência, quais sejam, a descrição objetiva da materialidade do fato gerador; a indicação dos sujeitos do vínculo obrigacional, da base de cálculo e da alíquota, bem como dos aspectos temporal e espacial da obrigação tributária.
Art. 5º. Somente a lei, observado o princípio da anterioridade (art. 150, inciso III, alínea b, e art. 195, §6º, da Constituição Federal), pode estabelecer a antecipação do prazo para recolhimento do tributo, a alteração de condições que, de qualquer forma, onerem o contribuinte, bem como a estipulação de requisitos que modifiquem os meios ou modos operacionais de apuração do débito tributário.
Art. 6º. As leis instituidoras de taxa deverão identificar expressamente o serviço prestado ou posto à disposição do obrigado ou indicar expressamente o exercício do poder de polícia que justificar a medida.
Art. 7º. Os impostos atribuídos à competência das pessoas políticas de direito constitucional interno terão, entre si, fatos geradores e base de cálculo diferentes, de tal modo que possam ser objetivamente identificados.
Art. 8º. Somente lei complementar poderá estabelecer requisitos para a fruição das imunidades tributárias previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea c, e 195, §7º, da Constituição Federal.
Art. 9º. O jornal oficial, ou o periódico que o substitua, deverá, no caso de instituição ou majoração de tributos submetidos ao princípio da anterioridade tributária (art. 150, inciso III, alínea b, da Constituição Federal), ter comprovadamente circulado e ficado acessível ao público até o dia 31 de dezembro do ano anterior ao da cobrança do tributo.
Parágrafo único. É vedada a tiragem de edição especial ou extraordinária dos órgãos de divulgação mencionados no caput quando veiculem lei que institua ou aumente tributo ou qualquer matéria de natureza tributária.
Art. 10. O exercício dos direitos de petição e de obtenção de certidão em órgãos públicos (art. 5º, inciso XXXIV, alíneas a e b, da Constituição Federal) independe de prova de o contribuinte estar em dia com suas obrigações tributárias, principais ou acessórias.
Art. 11. As leis, regulamentos e demais normas jurídicas que modifiquem matéria tributária indicarão, expressamente, as que estejam sendo revogadas ou alteradas, identificando, com clareza, o assunto, a alteração e o objetivo desta.
Art. 12. A Administração Fazendária assegurará aos contribuintes o pleno acesso às informações acerca das normas tributárias e à interpretação que oficialmente lhes atribua.
Art. 13. Não será admitida a aplicação de multas ou encargos de índole sancionatória em decorrência do acesso à via judicial por iniciativa do contribuinte.
Art. 14. É vedada, para fins de cobrança extrajudicial de tributos, a adoção de meios coercitivos contra o contribuinte, tais como a interdição de estabelecimento, a proibição de transacionar com órgãos e entidades públicas e instituições oficiais de crédito, a imposição de sanções administrativas ou a instituição de barreiras fiscais.
Parágrafo único. Os regimes especiais de fiscalização, aplicáveis a determinados contribuintes, somente poderão ser instituídos nos estritos termos da lei tributária.
Art. 15. Os efeitos da decisão transitada em julgado, em controle difuso ou em ação direta, proclamando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, não implicarão exigência de complementação, no âmbito administrativo ou judicial, do valor do crédito tributário extinto anteriormente à vigência da decisão.
Art. 16. Somente o Poder Judiciário poderá desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade, quando, em detrimento da Administração Fazendária, houver comprovado abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
§1º. A desconsideração da personalidade jurídica por decisão judicial ocorrerá também nos casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da empresa, provocados por má administração.
§2º. A desconsideração somente pode ser realizada em relação a terceiros que, nos termos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), detenham poder de controle sobre a empresa.
§3º. A desconsideração fica limitada aos sócios da pessoa jurídica e exige prova inequívoca de que a sociedade foi utilizada para acobertamento dos sócios e utilizada como instrumento de fraude.
Art. 17. Presume-se a boa-fé do contribuinte até que a Administração Fazendária comprove o contrário.
Parágrafo único. Ninguém será obrigado a atestar ou testemunhar contra si próprio, considerando-se ilícita a prova assim obtida do contribuinte (art. 5º, inciso LVI, Constituição Federal).
Art. 18. Além dos requisitos de prazo, forma e competência, é vedado à legislação tributária estabelecer qualquer outra condição que limite o direito à interposição de impugnações ou recursos na esfera administrativa.
§1º. Nenhum depósito, fiança, caução, aval ou qualquer outro ônus poderá ser exigido do contribuinte, administrativamente ou em juízo, como condição para admissibilidade de defesa ou recurso no processo tributário-administrativo ou no processo judicial.
§2º. Excetua-se do disposto neste artigo a garantia da execução fiscal, nos termos da lei processual aplicável.
CAPÍTULO III
DOS DIREITOS DO CONTRIBUINTE
Art. 19. São direitos do contribuinte:
I – ser tratado com respeito e urbanidade pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II – poder exercer os seus direitos, ter acesso às informações de que necessite e dar cumprimento às suas obrigações;
III – formular alegações e apresentar documentos antes das decisões administrativas, e tê-los considerados por escrito e fundamentadamente;
IV – ter ciência formal da tramitação dos processos administrativo-tributários em que tenha a condição de interessado, deles ter vista e obter as cópias que requeira, e conhecer formalmente as decisões neles proferidas;
V – fazer-se assistir por Advogado;
VI – identificar o servidor de repartição fazendária e conhecer-lhe a função e atribuições do cargo;
VII – receber comprovante pormenorizado dos registros, documentos, livros e mercadorias entregues à fiscalização fazendária ou por ela apreendidos;
VIII – prestar informações apenas por escrito às autoridades fazendárias, em prazo não inferior a 5 (cinco) dias;
IX – ser informado dos prazos para pagamento das prestações a seu encargo, inclusive multas e acessórios, com orientação completa quanto ao procedimento a adotar e à existência de hipóteses de redução do montante exigido;
X – recolher o tributo no órgão competente, sem prejuízo de poder fazê-lo junto à rede bancária autorizada;
XI – obter certidão negativa de débito, ainda que o crédito tributário tenha sido extinto por causa diversa do pagamento, ou se tornado inexigível, sem prejuízo de nela constar a razão determinante da extinção ou da inexigibilidade;
XII – receber, no prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável justificadamente uma única vez e por igual período, resposta fundamentada a pleito formulado à Administração Fazendária, inclusive pedido de certidão negativa, sob pena de responsabilização funcional do agente;
XIII – ter preservado, perante a Administração Fazendária, o sigilo de seus negócios, documentos e operações, quando não envolvam os tributos objeto de fiscalização;
XIV – não ser obrigado a exibir documento que já se encontre em poder da administração pública;
XV – receber da Administração Fazendária, no que se refere a pagamentos, reembolsos, juros e atualização monetária, o mesmo tratamento que esta dispensa ao contribuinte, em idênticas situações.
Art. 20. A Administração Fazendária informará, semestralmente, a carga tributária incidente sobre mercadorias e serviços, inclusive bancários (art. 150, §5º, da Constituição Federal).
§1º. Será especialmente informada a carga tributária incidente sobre as mercadorias que compõem a cesta básica.
§2º. A não-edição de pautas que contenham os valores e informações a que alude este artigo configura infração funcional do responsável.
Art. 21. O contribuinte será informado do valor cadastral dos bens imóveis e dos procedimentos de sua obtenção, para fins de ciência dos elementos utilizados na exigibilidade dos impostos que incidam sobre a propriedade imobiliária e a transmissão dos direitos a ela relativos.
Parágrafo único. Configura excesso de exação a avaliação administrativa do imóvel em valores manifestamente superiores aos de mercado, por ela respondendo solidariamente quem assinar o laudo e seu superior imediato, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Art. 22. O contribuinte tem direito de, na forma da lei, ser notificado da cobrança de tributo ou multa.
Parágrafo único. Além do disposto no art. 42 desta Lei, a notificação deverá indicar as impugnações cabíveis, o prazo para sua interposição, o órgão competente para julgamento, o valor cobrado e seu respectivo cálculo, e, de maneira destacada, o não condicionamento da defesa a qualquer desembolso prévio.
Art. 23. O órgão no qual tramita o processo administrativo tributário determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou efetivação de diligências.
§1º. A intimação deverá conter:
I – a identificação do intimado e o nome do órgão ou entidade administrativa;
II – a finalidade da intimação;
III – a data, hora e local de comparecimento;
IV – informação sobre a necessidade de comparecimento pessoal ou possibilidade de se fazer representar;
V – informação sobre a possibilidade de continuidade do processo independentemente de seu comparecimento;
VI – a indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
§2º. A intimação observará a antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis quanto à data de comparecimento.
§3º. A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou por outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§4º. No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
§5º. As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.
§6º. O comparecimento do contribuinte supre a falta ou a irregularidade da intimação.
Art. 24. Serão objeto de intimação os atos do processo de que resultem, para o interessado, a imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, assim como os atos de outra natureza que produzam efeito na relação tributária.
Art. 25. Sem prejuízo dos ônus da sucumbência, o contribuinte será reembolsado do custo das fianças e outras garantias da instância judicial, para a suspensão do crédito tributário, quando este for julgado improcedente.
Art. 26. A existência de processo administrativo ou judicial pendente, em matéria tributária, não impedirá o contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros, nem de ter acesso a linhas oficiais de crédito e de participar de licitações.
Art. 27. São assegurados, nos processos administrativo fiscal, o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de deliberação.
§1º. A segunda instância administrativa será organizada como colegiado, no qual terão assento, de forma paritária, representantes da administração e dos contribuintes.
§2º. O disposto neste artigo não se aplica ao processo administrativo de consulta nem ao relativo a perdimento de bens.
Art. 28. A autuação do contribuinte depende da análise de sua defesa prévia, apresentada em 5 (cinco) dias a contar da intimação.
Parágrafo único. A não-apresentação de defesa prévia não impede o prosseguimento do processo, mas não implica confissão quanto à matéria de fato.
Art. 29. O crédito tributário do contribuinte, assim reconhecido em decisão administrativa definitiva ou sentença judicial transitada em julgado, poderá, por opção sua, ser compensado com débitos relativos à mesma Fazenda Pública.
Parágrafo único. Ao crédito tributário do contribuinte, objeto da compensação a que se refere o caput deste artigo, aplicam-se os mesmos índices de correção monetária incidentes sobre os débitos fiscais, contados desde o pagamento indevido, bem como juros contados da decisão definitiva que o reconheceu.
Art. 30. Na hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo depósito do seu montante integral, o valor respectivo será aplicado, por ordem do Juízo, em conta remunerada segundo, no mínimo, os índices de atualização e rentabilidade aplicáveis à caderneta de poupança.
CAPÍTULO IV
DAS CONSULTAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
Art. 31. Os contribuintes e as entidades que os representam poderão formular consultas à Administração Fazendária acerca da vigência, da interpretação e da aplicação da legislação tributária, observado o seguinte:
I – as consultas deverão ser respondidas por escrito no prazo máximo de 30 (trinta) dias, prorrogável uma única vez, por igual período, fundamentadamente, sob pena de responsabilização funcional;
II – a pendência da resposta impede a autuação por fato que seja objeto da consulta;
III – a ausência de resposta no prazo previsto no inciso I implicará aceitação, pela Administração Fazendária, da interpretação e do tratamento normativo dado pelo contribuinte à hipótese objeto da consulta.
Parágrafo único. A Administração Fazendária é administrativa e civilmente responsável por dano que a conduta de acordo com a resposta à consulta imponha ao contribuinte.
Art. 32. Os contribuintes têm direito à igualdade entre as soluções a consultas relativas a uma mesma matéria, fundadas em idêntica norma jurídica.
§1º. A diversidade de tratamento administrativo-normativo a hipóteses idênticas permite ao contribuinte a adoção do entendimento que lhe seja mais favorável.
§2º. As respostas às consultas serão publicadas na íntegra no jornal oficial ou periódico que o substitua.
Art. 33. Os princípios que regem o procedimento previsto para a discussão do lançamento tributário são aplicáveis, no que couber, ao direito de consulta do contribuinte.
CAPÍTULO V
DOS DEVERES DA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA
Art. 34. A Administração Fazendária, no desempenho de suas atribuições, pautará sua atuação de forma a impor o menor ônus possível aos contribuintes, assim no procedimento e no processo administrativo, como no processo judicial.
Art. 35. A utilização de técnicas presuntivas depende de publicação, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, das orientações a serem seguidas e de sua base normativa, para conhecimento do sujeito passivo a fim de que este possa, se for o caso, impugnar sua aplicação.
Parágrafo único. Os indícios, presunções, ficções e equiparações legais não poderão ser instituídos para desvincular a pretensão ao tributo da ocorrência do fato gerador, como definido na Constituição Federal e na lei complementar.
Art. 36. O parcelamento do débito tributário implica novação, fazendo com que o contribuinte retorne, a este título, ao pleno estado de adimplência, inclusive para fins de obtenção de certidões negativas de débitos fiscais.
Parágrafo único. A Administração Fazendária não poderá recusar a expedição de certidões negativas, nem condicionar sua expedição à prestação de garantias, quando não exigidas na concessão do parcelamento, salvo na hipótese de inobservância do pagamento nos respectivos prazos.
Art. 37. É vedado à Administração Fazendária, sob pena de responsabilidade funcional de seu agente:
I – recusar, em razão da existência de débitos tributários pendentes, autorização para o contribuinte imprimir documentos fiscais necessários ao desempenho de suas atividades;
II – induzir, por qualquer meio, a auto-denúncia ou a confissão do contribuinte, por meio de artifícios ou prevalecimento da boa-fé, temor ou ignorância;
III – bloquear, suspender ou cancelar inscrição do contribuinte, sem a observância dos princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa;
IV – reter, além do tempo estritamente necessário à prática dos atos assecuratórios de seus interesses, documentos, livros e mercadorias apreendidos dos contribuintes, nos casos previstos em lei;
V – fazer-se acompanhar de força policial nas diligências ao estabelecimento do contribuinte, salvo se com autorização judicial na hipótese de justo receio de resistência ao ato fiscalizatório; e
VI – divulgar, em órgão de comunicação social, o nome de contribuintes em débito.
Parágrafo único. O direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos contribuintes restringe-se aos tributos de competência da pessoa política que realizar a fiscalização.
Art. 38. O agente da Administração Fazendária não poderá deixar de receber requerimentos ou comunicações apresentados para protocolo nas repartições fazendárias, sob pena de responsabilização funcional.
Art. 39. A Administração Fazendária obedecerá, dentre outros, aos princípios da justiça, legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Art. 40. Nos processos administrativos perante a Administração Fazendária, serão observados, dentre outros critérios, os de:
I – atuação conforme a lei e o Direito;
II – atendimento aos fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização de lei;
III – objetividade no atendimento do interesse jurídico, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII – indicação dos pressupostos e fundamentos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades necessárias, essenciais à garantia dos direitos dos contribuintes;
IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos contribuintes;
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo tributário, sem prejuízo da atuação dos interessados.
Art. 41. É obrigatória a emissão de decisão fundamentada, pela Administração Fazendária, nos processos, solicitações ou reclamações em matéria de sua competência, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, prorrogável, justificadamente, uma única vez e por igual período.
Art. 42. Os atos administrativos da Administração Fazendária, sob pena de nulidade, serão motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam recursos administrativo-tributários;
IV – decorram de reexame de ofício;
V – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; ou
VI – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo-tributário.
§1º. A motivação há de ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas que, neste caso, serão parte integrante do ato.
§2º. É permitida a utilização de meio mecânico para a reprodução de fundamentos da decisão, desde que haja identidade do tema e que não reste prejudicado direito ou garantia do interessado.
§3º. A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
Art. 43. A ação penal contra o contribuinte, pela eventual prática de crime contra a ordem tributária, assim como a ação de quebra de sigilo, só poderão ser propostas após o encerramento do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal.
§1º. A tramitação do processo administrativo suspende a fluência do lapso prescricional penal.
§2º. O ajuizamento de ação de quebra de sigilo antes do encerramento do processo administrativo-tributário será admitido somente quando essencial à comprovação da irregularidade fiscal em apuração.
Art. 44. O processo de execução fiscal somente pode ser ajuizado ou prosseguir contra quem figure expressamente na certidão da dívida ativa como sujeito passivo tributário.
§1º. A execução fiscal em desacordo com o disposto no caput deste artigo admite indenização judicial por danos morais, materiais e à imagem.
§2º. A substituição de certidão de dívida ativa após a oposição de embargos à execução implica sucumbência parcial incidente sobre o montante excluído ou reduzido da certidão anterior.
Art. 45. É obrigatória a inscrição do crédito tributário na dívida ativa no prazo de até 30 (trinta) dias contados de sua constituição definitiva, sob pena de responsabilidade funcional pela omissão.
Art. 46. O termo de início de fiscalização deverá obrigatoriamente circunscrever precisamente seu objeto, vinculando a Administração Fazendária.
Parágrafo único. Do termo a que alude o caput deverá constar o prazo máximo para a ultimação das diligências, que não poderá exceder a 90 (noventa) dias, prorrogável justificadamente uma única vez e por igual período.
CAPÍTULO VI
DA DEFESA DO CONTRIBUINTE
Art. 47. A defesa dos direitos e garantias dos contribuintes poderá ser exercida administrativamente ou em juízo, individualmente ou a título coletivo.
§1º. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
§2º. Para os fins do §1º deste artigo, são legitimados concorrentemente:
I – o Ministério Público; e,
II – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses, direitos e garantias protegidos por esta Lei, dispensada a autorização assemblear.
§3º. O requisito de pré-constituição a que se refere o §2º deste artigo pode ser dispensado pelo Juiz quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§4º. Nas ações coletivas a que se refere este artigo não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais ou quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.
§5º. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
Art. 48. Para a defesa dos direitos e garantias protegidos por esta Lei são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, observadas as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
CAPÍTULO VII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 49. O parágrafo único e seu inciso I, do art. 174 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 174. (…)
Parágrafo único. A fluência do lapso prescricional tributário interrompe-se:
I – pela decisão interlocutória do Juiz que ordena a citação (art. 8º, §2º, da Lei nº 6.830/80); (…).”
Art. 50. Ficam revogados:
I – o art. 193 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966);
II – o § 3º do art. 6º; o § 3º do art. 11 e os artigos 25, 26, 34 e 38 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980).
Art. 51. O caput e o § 3º do art. 40 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980), passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nestes casos, o prazo de prescrição será de 5 (cinco) anos. (…)
§3º. Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução, observado o prazo do ‘caput’ deste artigo.”
Art. 52. Esta Lei entrará em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.
Art. 53. Revogam-se as disposições em contrário.
JUSTIFICATIVA
O projeto de “Código de Defesa do Contribuinte” abre a página de uma nova cidadania. Com ele o cidadão-contribuinte passa a ter uma relação de igualdade jurídica com o Fisco para, mediante co-responsabilidade cívica, tratarem juntos, e com transparência democrática, da origem e da aplicação da arrecadação pública. Os deveres e os direitos são mútuos; nada se presume negativamente contra um ou outro; o quanto se decidir, a favor de um ou outro, será mediante expressa indicação dos fatos e motivada declinação do direito.
2. A justa compreensão do que aqui se propõe, para daí extrair o quanto a sociedade civil tem o direito de ver e sentir da ação estatal, exige um repensar crítico de métodos e presunções do direito público. O projeto implica, substancialmente, uma revolução cultural na compreensão da Constituição, para nela se ler o quanto em outras sociedades democráticas, mais sólidas e corajosas no reconhecer e tornar eficazes os direitos da cidadania, já o fizeram há séculos ou décadas.
Não se cuida de interpretar nossa Carta Magna, mas de construí-la. Se na interpretação circunscreve-se o aplicador a compreender a norma para torná-la coerente com o sistema positivado no qual se insere, e daí extrair a solução do caso concreto, já na construção seu trabalho é reler a Constituição em face dos novos fatos políticos e das novas demandas sociais para sobre eles projetar os princípios fundamentais implícitos da Carta e, destarte, dar-lhes solução justa sem ruptura institucional, sem cismas sociais e sem a necessidade de sucessivas e infindáveis emendas.
Mediante construção o legislador, assim como o intérprete e o aplicador da lei, não só reconsubstanciam os mecanismos de igualdade jurídica concebidos pelo constituinte originário, como também, e mais fundamentalmente, revivificam os ideais de justiça social da sociedade civil.
Foi esta leitura construtiva da Constituição, como meio de sua renovação constante, que tornou possível, às sociedades libertárias que inspiraram o constitucionalismo moderno, responder às demandas advindas com o tempo. Não se pode admitir, sob pena de confissão de fracasso, que não tenha tido idêntica vontade o constituinte brasileiro de 1988.
De outra parte, há que se ter presente que vive hoje o mundo a era dos direitos legislados. A cidadania não se satisfaz mais com meras declarações de direitos – todo direito é. Assim, a Constituição brasileira tornou expresso que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, §1º). Longe está o tempo de ter o cidadão seus direitos fundamentais subordinados à discricionariedade do Estado mediante cláusulas de eficácia contida ou não-auto-aplicáveis ou apenas programáticas.
Os regimes de liberdade sempre rejeitaram essa visão positivista radical que caracterizou os regimes autoritários da democracia formal. Não há mais no mundo moderno da cidadania ativa, no qual definitivamente se insere o Brasil, espaço para constituições semânticas, nas quais sobre a cidadania pende a espada de Dâmocles nas mãos dos dirigentes de plantão. Tanto somos parte dessa universalidade dos direitos que em 1988 dispôs o constituinte que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, §2º).
3. Igualmente indispensável ter presente que o projeto não se limita a revisitar os direitos e garantias fundamentais plasmados na Constituição, mas, também e principalmente, deles extrair seus consectários necessários para, daí, em passo seguinte, condicionar a interpretação e a jurisprudência do direito tributário. Por isso mesmo, este Código põe fim a rixas doutrinárias e resolve divergências de jurisprudência, harmonizando a aplicação do direito com o objetivo de conferir previsibilidade e estabilidade à relação jurídica do contribuinte com o Fisco.
Nesse espírito, não se ocupa o projeto, salvo o explicitado em suas disposições finais, em revogar ou reescrever disposições do Código Tributário Nacional. Não se pode perder de vista que, concebido embora sob o influxo democrático da Constituição de 1946, o direito tributário brasileiro codificado em 1966, particularmente nas relações do Fisco com o contribuinte, foi implementado sob as condições autocráticas das Cartas de 1967 e 1969. Daí o propósito do Código de Defesa do Contribuinte de interpretar o direito tributário nacional nos moldes libertários da Constituição de 1988 e da jurisprudência dela resultante, cuja sede é a sociedade civil, e cujo objeto maior é harmonizar, sob condições de igualdade jurídica, os interesses individuais e coletivos em face do Estado.
A destinação exata deste projeto, por conseguinte, se põe na forma do art. 2º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” É, pois, um projeto que encerra lei de caráter explicativo, para o fim de submeter o direito vigente, consolidado e expandido em um regime político autocrático, ao sentido democrático e ao espírito libertário da Constituição de 1988. Desta, da evidente prevalência dos direitos humanos e da concepção de uma sociedade civil controladora e legitimadora do Estado, decorre a obrigação do Congresso Nacional de conferir eficácia construtiva ao direito anterior, recepcionado em 1988, mediante exegese compatível com os comandos normativos objetivos da Lei Maior.
II
4. O presente projeto de lei complementar torna eficaz, na relação do cidadão-contribuinte com o Fisco, a ordem de valores normatizados no sistema constitucional brasileiro.
No que complementa e explica, para tornar substantivamente eficazes, os dispositivos constitucionais sobre a declaração de direitos fundamentais do contribuinte e sobre os princípios de justiça fiscal condicionadores da tributação, põe a sociedade civil em pé de igualdade legal com os gerentes estatais na busca e consecução dos grandes ideais de justiça social e redistribuição da riqueza mediante a tributação. Em outras palavras, cuida de sistematizar e unificar as regras referentes ao estatuto do contribuinte.
5. Assiste-se, nesta virada de século, a um extraordinário fortalecimento dos direitos fundamentais, seja no plano das legislações internas e dos tratados internacionais, seja no campo da reflexão jurídica e da busca da sua justificativa ética. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância. A Constituição de 1988 dedica todo um capítulo (art. 150 a 152) às limitações ao poder de tributar, que consubstanciam os direitos básicos do cidadão frente ao poder fiscal do Estado e que se colocam como contraponto tributário do elenco dos direitos e garantias proclamados e assegurados pelo art. 5º.
As normas constitucionais, contudo, por sua generalidade e abertura, necessitam de complementação na via legislativa a fim de harmonizar os direitos humanos e o ordenamento tributário positivo.
Por outro lado, reafirma-se a preocupação com a justiça fiscal, que, sendo especial emanação da idéia de justiça social, necessita de princípios positivados que a instrumentalizem.
Esses dois vetores – os direitos fundamentais do contribuinte e a busca da justiça fiscal – passam a vincular o direito hodierno no plano nacional e no internacional. Alguns tratados, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – 1969), dispõem sobre os direitos básicos dos contribuintes. Nos Estados Unidos foi aprovada, em 30 de julho de 1996, a Declaração de Direitos do Contribuinte II (Taxpayer Bill of Rights II), que alterou o Código de Rendas Internas de 1986 (Internal Revenue Code) para fortalecer a proteção aos contribuintes.
Na Espanha publicou-se a “Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes” – LDGC (nº 1/1998, de 26 de fevereiro), que “regula os direitos e garantias básicas dos contribuintes em suas relações com as Administrações tributárias” e que, segundo sua Exposição de Motivos, constituiu “um marco de inegável transcendência no processo de reforço do princípio da segurança jurídica característico das sociedades democráticas mais avançadas, permitindo, ademais, aprofundar a idéia de equilíbrio das situações jurídicas da Administração tributária e dos contribuintes, com a finalidade de favorecer a estes o melhor cumprimento voluntário das obrigações”.
6. O Código de Defesa do Contribuinte, que ora se propõe, tem, por conseguinte, o objetivo de fortalecer a cidadania fiscal, complementando as normas constitucionais pertinentes e compatibilizando a legislação brasileira com a internacional num momento de globalização e expansão das economias nacionais.
III
7. Destaquem-se, de início, algumas disposições que, no projeto, mais afetam a relação do cidadão-contribuinte com Fisco e mais demandam o repensar de práticas consagradas no nosso direito público.
A cláusula que conceitua justiça tributária como aquela que “atenda aos princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade” (art. 2º, parágrafo único). São parâmetros para a validade dos tributos, tanto para o Fisco que o institua, quanto para o contribuinte que o conteste. Sua abstração cederá à eficácia no exame de cada caso concreto, seja no plano administrativo ou no processo judicial.
Tal norma, em combinação com aquelas que dispõem sobre o processo administrativo-tributário e a fundamentação dos atos da Administração Fazendária, abre campo novo à relação do cidadão com o agente estatal.
8. A explicitação de que o exigir ou aumentar tributo somente se dará mediante lei (Const. Fed., art. 150, inciso I) “pressupõe a estipulação expressa de todos os elementos indispensáveis à incidência, quais sejam, descrição objetiva da materialidade do fato gerador, a indicação dos sujeitos do vínculo obrigacional, da base de cálculo e da alíquota, bem como dos aspectos temporal e espacial da obrigação tributária” (art. 4º). Mais do que a legalidade formal, também a transparência, a moralidade e a economicidade (Const. Fed., art. 37, caput) na relação de direito entre os sujeitos ativo e passivo da relação tributária.
9. O respeito à anualidade (Const. Fed., art. 150, inciso III, alínea b) mediante publicidade que se dê, efetivamente, dentro do ano civil anterior ao da exigibilidade, mediante circulação dos diários oficiais até 31 de dezembro, com acesso aos assinantes e ao público em geral, donde inválidas as ficções de circulação com data retroativa do periódico (art. 5º e 9º).
10. A identificação diferenciada dos fatos geradores e das bases de cálculo dos impostos atribuídos à competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de sorte a evidenciar a inexistência, ainda que indireta, da bitributação (art. 7º).
11. A explicitação do serviço prestado ou posto à disposição do obrigado e do exercício do poder de polícia que justifiquem a criação de taxas (art. 6º).
12. Crucial à nova cidadania e à construção constitucional é a disposição de que “os efeitos da decisão transitada em julgado, em controle difuso ou em ação direta, proclamando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, não implicarão exigência de complementação, no âmbito administrativo ou judicial, do valor do crédito tributário extinto anteriormente à vigência da decisão” (art. 15).
Cuida-se de conferir estabilidade e previsibilidade à relação jurídica já consolidada entre o contribuinte e o Fisco. Vale dizer, extinto embora o crédito tributário, ou usufruída uma vantagem fiscal qualquer, estará o contribuinte sujeito a ter que pagar a mais, ou a se desfazer e a compensar monetariamente a vantagem fiscal, se, a qualquer momento, em futuro incerto e não sabido, vier o Judiciário a declarar inconstitucional a lei vigente ao tempo de consolidação da relação tributária.
Está consagrado na nossa cultura jurídica que a lei declarada inconstitucional, mediante decisão final do Judiciário, é nula desde sua edição, não se convalidando qualquer ato sob ela praticado. Não contempla a jurisprudência a hipótese de o Judiciário, particularmente as cortes constitucionais, poderem, caso a caso, mediante juízo de oportunidade política e conveniência social, em face dos valores acolhidos na Constituição mesma, dentre eles, sem dúvida, a estabilidade e previsibilidade da lei e das relações dela legitimamente extraídas, declarar a inconstitucionalidade com efeito para o futuro.
Este o passo de construção constitucional. Por que não acolher o Judiciário brasileiro a experiência de outros sistemas constitucionais, mais antigos, mais estáveis e culturalmente mais prestigiosos, nos quais as cortes constitucionais adotam tal procedimento? São clássicos e inúmeros os precedentes, até mesmo no campo do direito penal e processual penal, e portanto no âmbito crucial da liberdade, nos quais, reconhecida a inconstitucionalidade da lei no caso concreto, e assim anulada a condenação, não se estenderam, genérica e retroativamente, os efeitos da decisão.
Ao valor constitucional supremo de não se admitir como válida a norma contrária à Constituição, sem o que ruiria o primado da constituição escrita, se coloca outro valor essencial à ordem jurídica, qual seja, a consolidação imutável da relação contribuinte-Fisco, vale dizer, sociedade civil-Estado, validamente constituída conforme à lei vigente.
Estranho ao sistema valorativo de uma Constituição que cria uma ordem estatal fundada em um sistema de direitos e garantias individuais em face do Estado, vale dizer, de uma ordem estatal que extrai validade legal e legitimidade política da sociedade civil que a gerencia mediante representantes eleitos, estranho será – repita-se – admitir a eterna instabilidade e imprevisibilidade de uma relação jurídica do cidadão-contribuinte validamente constituída com o agente estatal sob a lei.
A norma é central à compreensão dessa nova cidadania, vale dizer, de uma relação entre iguais, no plano das relações obrigacionais do cidadão-contribuinte com o Estado fiscal.
A motivação da norma tem agora reconhecimento formal; sua percepção cultural está acolhida na recentíssima Lei nº 9.868, de 10 de novembro último (DOU 11.nov.99), cujo art. 27 dispõe: “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
13. Outras disposições relevantes desse novo tempo homenageiam o princípio de que ninguém será privado de seus bens e direitos sem o devido processo legal (Const. Fed., art. 5º, incisos LIV e LV).
Assim, fica proibida a interdição de estabelecimentos, a proibição de transacionar com repartições públicas, a instituição de barreiras fiscais e outros meios coercitivos para a cobrança extrajudicial de tributos (art. 13 e 14).
Da mesma forma, em razão de processo administrativo ou judicial, em matéria tributária, impedir-se o contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros, ou de ter acesso a linhas oficiais de crédito ou de participar de licitações (art. 26).
É vedado à Administração Fazendária recusar, em razão de débitos tributários pendentes, autorização para o contribuinte imprimir os documentos necessários ao desempenho de suas atividades; ou bloquear, suspender ou cancelar inscrição do contribuinte sem a observância dos princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa (art. 37, incisos I e III).
Não menos importante, vedar-se à Administração o uso de força policial nas diligências ao estabelecimento do contribuinte, salvo se com autorização judicial na hipótese de justo receio de resistência (art. 37, V).
O direito de defesa ou de recurso, administrativo ou judicial, não poderá ser condicionado a depósito, fiança, caução, aval ou outro ônus qualquer, exceto na execução fiscal, nos termos da lei processual aplicável (art. 18).
14. Somente ao Judiciário será permitido desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando for ela instrumento de fraude à lei para ocultar sócios ou terceiros que tenham poder de controle, conforme a Lei das Sociedades Anônimas (art. 16).
A desconsideração (disregard of legal entity doctrine) visa punir o abuso de direito e a fraude mediante o uso de personalidade jurídica. O primeiro conceito clássico vem de 1912, e foi lembrado em conferência pelo renomado jurista Rubens Requião: “quando o conceito de pessoa jurídica se emprega para defraudar os credores, para subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos ou delinqüentes, os tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas reais” (E.S.D., 2/76).
Já o conceito revela a exclusividade dos tribunais. O que faz o projeto é prevenir a manipulação e o mau uso desse mecanismo de compreensão e análise dos negócios de uma pessoa jurídica pela Administração Fazendária como forma de coagir o contribuinte, no processo administrativo-tributário, o qual se desenvolve sem o controle e a condução isenta do terceiro imparcial – o Juiz, perante quem os pedidos de requisição de documentos hão de ser justificados e submetidos ao crivo do contraditório.
15. As técnicas presuntivas são instrumento de eficácia gerencial. O que não admite o projeto é ser o sujeito passivo tomado de surpresa com o ônus da obrigação. Por isso mesmo, a lealdade do Estado com o cidadão-contribuinte demanda a publicidade prévia do ato para ciência dos que por ele são afetados para sua impugnação administrativa ou judicial (art. 35).
16. Parcelado o débito tributário, e se cumprido o acordo, não pode o cidadão-contribuinte continuar a sofrer os ônus da inadimplência. O projeto resolve disputa doutrinária e divergência de tratamentos administrativos e de jurisprudência ao definir o parcelamento como novação, donde o retorno ao pleno estado de adimplência, inclusive para a obtenção de certidões negativas de débitos fiscais (art. 36).
17. Relevantes os prazos estabelecidos para as decisões da Administração Fazendária, livrando o cidadão-contribuinte da espera infindável para a solução de suas demandas.
Assim, circunscrita a Administração Fazendária ao objeto lançado no termo de início da fiscalização, tem ela prazo de 90 dias para ultimar as diligências (art. 46).
O prazo máximo para emitir decisão nos processos, nas solicitações ou nas reclamações será de 30 dias (art. 19, XII e 41).
Nas consultas o prazo é de 30 dias, com a ressalva importante de que, oferecendo o contribuinte sua interpretação, prevalecerá esta se o Fisco não observar o prazo da lei (art. 31).
Vistos o equilíbrio entre as partes, a realidade da gerência da Administração Fazendária e o direito público que rege a matéria, todos os prazos são prorrogáveis uma única vez, por igual período, mediante justificação.
18. Os contribuintes passarão a conhecer os impostos incidentes sobre mercadorias, especialmente as que compõem a cesta básica, bem como os incidentes sobre serviços bancários, pela divulgação semestral da carga tributária a eles agregada (art. 20).
19. Duas outras disposições reforçam a lealdade que deve reger as relações do cidadão-contribuinte com o Fisco.
A primeira firma que, sem prejuízo da sucumbência, o contribuinte será reembolsado do custo das fianças e outras garantias de instância judicial, para a suspensão do crédito tributário, quando este for julgado improcedente (art. 25). Nas execuções fiscais, em especial, para recorrer judicialmente, vê-se o contribuinte obrigado a afiançar o débito que se lhe impõe, com que arca com o custo financeiro até agora não compensável.
A segunda permite que o contribuinte, credor do Fisco em face de decisão final, administrativa ou fiscal, compense o crédito contra débitos quaisquer que tenha perante a mesma Fazenda Pública (art. 29), com o que o projeto encerra demandas intermináveis nas quais se disputa sobre a natureza coincidente ou não dos tributos que enseje a compensação.
20. O projeto, dada sua natureza de lei complementar , resolve ainda a compreensão do melhor sentido do quanto disposto nos artigos 150, inciso VI, alínea c e 195, §7º, da Constituição Federal, os quais remetem à lei a criação das exigências e dos requisitos de fruição das imunidades tributárias nela previstas (art. 8º). Cuida-se, conforme a melhor leitura para a eficácia substantiva da Constituição, de lei complementar, nunca de lei ordinária, porquanto, sabidamente, é da lei complementar a competência para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (Const. Fed., art. 146, II). É esta a lição dos autores de maior nomeada.
A relevância social e política dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, justifica que o Congresso Nacional encerre a rixa doutrinária.
O mandamento da lei complementar que o projeto explicita é exatamente aquele acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária do dia 11 de novembro de 1999, em processo de que foi relator o Ministro Moreira Alves, quando aquela Corte confirmou medida liminar antes deferida pelo Ministro Marco Aurélio, sustando os efeitos de lei ordinária que pretendera atuar no campo do art. 146, inciso II, da Constituição Federal.
21. A eficácia desta Lei fica assegurada mediante ações administrativas ou judiciais, de iniciativa individual ou coletiva, nos moldes do Código de Defesa do Contribuinte (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, art. 81 e seguintes). Destarte, o Ministério Público e as associações civis ficam legitimados para a ação coletiva na defesa dos direitos e garantias explicitados no projeto (art. 47).
IV
22. O projeto estrutura a Lei de Direitos e Garantias do Contribuinte em sete capítulos, a saber: das disposições preliminares, das normas fundamentais, dos direitos do contribuinte, das consultas em matéria tributária, dos deveres da administração fazendária, da defesa do contribuinte e das disposições finais.