O governo federal quer mudar a forma de orçar e executar suas despesas de investimento. Diferentemente das de custeio, elas passariam a ser autorizadas por um orçamento plurianual e, portanto, não restrito ao ano-calendário. Para tanto, uma ou mais proposições legais serão encaminhadas ao Congresso, para alterar a legislação que trata da confecção dos orçamentos públicos.
A informação foi dada ontem pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, no balanço de dois anos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Falta definir se bastará projeto de lei complementar ou se será necessária também proposta de emenda constitucional.
Bernardo disse que a mudança permitirá compatibilizar orçamentos mais realistas com a necessidade de assegurar, institucionalmente, que obras iniciadas e não concluídas dentro do mesmo ano-calendário recebam recursos suficientes nos anos seguintes, para não sofrer interrupção. A legislação atual manda que o governo tenha um Plano Plurianual, o PPA, com duração de quatro anos. Mas a lei do orçamento, da qual dependem as autorizações de gasto, é anual. E hoje não há garantia de que a lei do ano subsequente contemple os mesmos investimentos da anterior, mesmo se não concluídos. Isso depende, a cada ano, da vontade de governantes e parlamentares. Há, sob o ponto de vista político-institucional, portanto, um fator de insegurança quanto à continuidade dos investimentos públicos já iniciados, o que se pretende eliminar.
No caso dos investimentos, cujos projetos levam normalmente vários anos para ser executados, o fato de ser anual torna o orçamento pouco realista em comparação ao que efetivamente se gasta, em especial no âmbito fiscal e da seguridade social (sem as estatais). Mesmo sabendo que não conseguirá desembolsar tudo até dezembro, o governo é obrigado a incluir no orçamento o valor de pelo menos uma etapa inteira de cada obra, para poder fazer os empenhos dentro do mesmo ano e, assim, pagar depois os fornecedores. Sem o empenho, que é a fase de comprometimento contábil do recurso nos sistemas do governo, os ministérios não podem nem contratar nem pagar uma obra pública. E se o empenho não é feito dentro do mesmo ano, a autorização de gasto prevista no orçamento automaticamente se extingue, passando a depender de inclusão em nova lei orçamentária.
Para não perder as autorizações já previstas, os ministérios costumam empenhar tudo que podem, mesmo sabendo que parte do valor só poderá ser desembolsada nos anos seguintes. É isso que gera os polêmicos restos a pagar, que distanciam o orçamento da realidade dos gastos. A diferença entre empenhos e gastos efetivos do próprio ano por si só também torna o orçamento pouco realista.
Os números apresentados ontem sobre o PAC são um exemplo. O orçamento fiscal de 2008 destinou ao programa R$ 18,9 bilhões, dos quais R$ 17 bilhões empenhados. Só R$ 3,8 bilhões desses empenhos foram pagos em 2008. O resto ficou para 2009 ou depois, porque as obras não foram entregues até dezembro (o que não necessariamente significa que atrasaram em relação ao cronograma).
Os dois ministros confirmaram que o governo desembolsou com o PAC R$ 11,4 bilhões em 2008. Mas a maior parte disso, R$ 7,6 bilhões, foi com base em restos a pagar de empenhos de 2007. Ou seja, para ter uma ideia real do gasto do PAC num determinado ano, não basta olhar o orçamento do próprio ano, já que os restos a pagar implicam execução de duas ou mais leis orçamentárias ao mesmo tempo.
No acumulado de 2007 e 2008, os empenhos do PAC no âmbito fiscal e da seguridade somaram R$ 33 bilhões. Mas, por causa da atual dinâmica orçamentária, o valor pago no biênio foi de R$ 18,7 bilhões, cerca de 56%, já considerando aí restos a pagar de obras iniciadas em 2006 e posteriormente incluídas no programa, lançado só em 2007. Por mais que o problema decorra em grande medida de uma legislação caótica, explicar o motivo de tanta diferença é sempre desgastante para o governo – o que se repetiu ontem na entrevista dos ministros. Esse é, certamente, um incentivo para a mudança por eles anunciada.
Dilma Roussef admitiu que também houve, nesses dois anos, problemas relacionados às obras em si, como falta de projeto executivo adequado, demora de obtenção de licença ambiental, demora em processos de desapropriação e disputas judiciais, entre outros. Segundo ela, o governo tem enfrentado isso tirando obras problemáticas do PAC e substituindo-as por outras.
Nas estatais a execução foi melhor, ficando próxima de 80% nos dois anos. A ministra forneceu ainda dados incluindo parcialmente projetos privados do PAC, em energia, petróleo e gás. Nos três setores, de cerca de R$ 119,5 bilhões previstos por empresas estatais e privadas, foram investidos R$ 97,1 bilhões em dois anos, também perto de 80%.