O teor da apelação se inicia por face da sentença que concedeu a segurança junto ao Mandado de Segurança proposto por empresa contribuinte, onde houve a concessão da segurança autorizando a impressão de documentos fiscais (AIDOF), os quais haviam sido negados pela autoridade coatora.
Em teor preliminar o Mandado de Segurança fora proposto em razão da expedição das notas ficarem condicionada à prestação de garantias relativas ao imposto vincendo (ICMS). Pois conforme aduz a legislação estadual sobre o ICMS, o Estado tem o direito e o dever de garantir a prevenção de toda e qualquer lesão ao erário. E que portanto não haveria ilegalidade no agir da autoridade administrativa, pois o procedimento é determinado pelo art. 26, II da LC 87/96. Tal norma permite que a fiscalização exija o pagamento do imposto, sempre que ocorrido o fato gerador, em cada operação realizada pelo contribuinte.
Aduzindo, ainda, que a empresa não fica, nestes termos, privada de exercer suas atividades comerciais, mas, que, as operações deverão ser realizadas com o manejo de notas fiscais avulsas, sacadas em cada momento de ocorrência da hipótese de incidência, com imediato pagamento do imposto.
O Des. Rel. Arno Welang, em julgamento ressaltou ser completamente insustentável, tal exigência da garantia condicionada para impressão de notas fiscais. O que conforme o relator atinge de forma incisiva o livre exercício da atividade licita, pois existem, sim, mecanismos próprios para que a Fazenda veja satisfeito seus créditos.
Para tanto fora negado seguimento ao Recurso de Apelação interposto pela Fazenda Estadual do RS.
1. Do condicionamento da pretensão da impressão de notas fiscais ao pagamento dos tributos e/ou fiança
Faz-se mister ressaltar que conforme entendimento consolidado às Sumulas nºs 70, 323 e 574 [1], por ora, entende a douta Corte Constitucional, ser inadmissível coagir o devedor ao pagamento de tributo devido, sendo um modo indireto da cobrança dos débitos. O atinge diretamente o livre exercício da atividade econômica licita, pois, tal mecanismo não é senão uma distorção por parte da Receita Federal, do efetivo procedimento legal para cobrança dos débitos, que é a execução fiscal.
Outro ponto a ser comento, diz respeito a utilização a possibilidade da empresa dispor das notas em sua forma avulsa. É no mínimo descabido tal arrazoado levantado pela Fazenda. Pois a alegação é visivelmente uma forma de impedimento ao exercício do comércio, pois, tal documental, conforme analisa o Dês. Francisco José Moesch, no julgamento da apelação nº 70004952784, no TJRS, “objetiva uso esporádico e eventual; segundo, porque a nota fiscal avulsa só tem valor quando visada previamente pelo fisco e acompanhada do comprovante de pagamento do tributo; e terceiro, porque seria impraticável o uso permanente deste meio, pois a cada saída de mercadoria teria que repetir-se a romaria, obter o visto e recolher o tributo para legalizar a transação”.
É garantia constitucional, o exercício de atividade, seja ela qual for, trabalho, ofício, profissão, conforme inteligência do art. 5º, XIII, da Constituição Federal. O mesmo se faz presente no art. 170, parágrafo único da Constituição, que menciona: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. A doutrina denomina tal investidura, como o principio da liberdade econômica.
Portanto, qualquer dispositivo legal que coloque em ameaça tal condição, é manifestamente passível de inconstitucionalidade. O que se vê claramente, nos dispositivos do RICMS (Decreto nº 33.178/89), junto aos arts. 90 e 69 [2].
Tais dispositivos configuram constrangimento ilegal ao contribuinte, não sendo encontrado qualquer amparo legal, que efetive o texto de lei, para com tal exigência feita pelo fisco.
2. O condicionamento da garantia frente ao afastamento dos princípios tributários norteadores.
O que se questiona a respeito da temática, é se: o fato do contribuinte ser devedor do imposto estadual justifica a negativa de autorização de emissão de Notas fiscais na medida em que restringe a liberdade profissional do empresário?
José Umberto Braccini Bastos, quando comenta a respeito do caso, onde encontra-se tal insurgência, no regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul. Para o autor é obvio que a norma estadual contém uma finalidade extrafiscal, pois visa coibir uma conduta negativa do contribuinte, ou seja, uma coação para fins de evitar a sonegação fiscal e o não pagamento de tributo, servindo como controle comportamental.
Portanto, ao condicionar tal fornecimento, à prestação de garantia contraria o disposto no art. 5º, inciso XIII, da CF/88. E partindo do pressuposto que o ICMS é tributo extrafiscal, e sua finalidade é amenizar a situação do não pagamento de impostos, indaga-se, portanto, se a norma, é adequada, necessária e proporcional para garantir o fim que se destina. [3]
Conforme as palavras do professor Humberto Ávila, a “aplicação dos direitos fundamentais e do dever de proporcionalidade ao Direito Tributário depende da eficácia e dos fins das normas jurídicas”. Além disso, a função legislativa tem de estar descrita, no caso das leis interventivas, conforme explica o autor:
Em função dessa eficácia, as leis tributárias podem ser descritas como leis interventivas (Eigriffsgesetze) porque elas, direta ou indiretamente, reduzem a esfera privada. Outros bens também são afetados, já que eles estão em necessária conexão com a liberdade e propriedade.
Para tanto o que tem de ser questionado é se a norma condiciona a autorização de impressão de documentos fiscais à demonstração do pagamento em dia por parte do contribuinte, ou se o ato de limitar sua impressão, ou a exigência de garantia é o meio adequado, necessário e proporcional ao fim em que o tributo deseja atingir.
A norma para tal disponibilidade e taxativa, e alcança a todos sem determinar situações especificas, não havendo distinção alguma, bastando trata-se de contribuinte para estar inserido em tal exigência legal.
É claro, e visível, que a norma do regulamento como tal posta, aniquila a eficácia mínima da garantia constitucional do exercício da livre iniciativa, tal como previsto do art. 170 da Constituição Federal.
O Pleno do STF decidiu que a fazenda deve cobrar seus créditos através de execução fiscal, em impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte (RTJ 45/629). [4]
Podemos concluir, pelo todo exposto, ser passível de inconstitucionalidade a norma do regulamento do ICMS no Rio Grande do Sul, no que diz respeito a prestação de garantia, ou demonstrar a quitação dos tributos, como forma de liberação de impressão de documentos fiscais.
Ademais, no que pese a doutrina em matéria tributária, qualifica como inadequada, desnecessária e desproporcional, a norma em comento, restando a nível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, grande parte das decisões levando em consideração tal entendimento, bem como, os minoritários que entendem legal a aplicação do regulamento, em grande parte, são votos vencidos.
Dra.Gabriele Valgoi
BIBLIOGRAFIA:
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Malheiros. Ed. 2003.
BASTOS, José Umberto Braccini. Da inconstitucionalidade da norma regulamento do ICMS que estabelece a negativa de autorização de emissão de notas fiscais para contribuinte devedor de ICMS. <www.fesdt.com.br> em 16 de junho de 2010.
SILVA, Luis Virgilio Afonso da. O proporcional e razoável. RT, 91ª, v. 798, abr/2002, p. 23-50.
[1] SÚMULA Nº 70: É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO
SÚMULA Nº 323: É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS.
SÚMULA Nº 547: NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS.
[2] “Art. 90 – A autorização somente será concedida ao contribuinte que fizer prova de estar em dia com o pagamento do imposto.
Parágrafo único – Ocorrendo uma das hipóteses previstas no art. 69 ou quando a utilização dos documentos possa prejudicar o pagamento do imposto vincendo, poderá ser limitada a quantidade da impressão e exigida garantia.”
“Art. 69 – o deferimento da inscrição fica condicionado à prestação de fiança idônea, cujo valor será equivalente ao imposto calculado sobre operações ou prestações estimadas para um período de 6 (seis) meses, caso o interessado tenha sido autuado por falta de pagamento de impostos estaduais devidos, deixou de apresentar impugnação no prazo legal ou se fez, foi julgado improcedente, estendendo-se aqui o disposto, no caso de sociedades comerciais, aos sócios ou diretores.”
[3] “ o postulado da proporcionalidade não se confunde com a idéia de proporção em suas mais variadas situações. Ele se aplica apenas a situações em que há numa relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os menos disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?)”. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Malheiros. Ed. 2003. págs. 104-105.
[4] No mesmo sentido RE 63.026 e 63.647.