O Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Canoas deferiu o pedido liminar formulado pela Édison Freitas de Siqueira na Ação Ordinária nº 008/1090000419-1, determinando a suspensão do crédito tributário, devendo o fisco se abster de retirar da demandante o regime especial de tributação a que faz jus, bem como de emitir certidões positivas com efeito de negativa, nos termos dos arts. 151, V e 206, do CTN.
Além de fundamentar o julgado nas decisões proferidas na demanda cautelar em apenso, que concederam o direito à empresa de se manter no regime especial de tributação, o douto Magistrado embasou sua conclusão levando em conta o oferecimento de precatórios para compensação de crédito.
Referiu, ainda, que o indeferimento da liminar poderia causar sérios prejuízos à empresa, como por exemplo ajuizamento de eventual execução fiscal e perda do regime especial de tributação.
In verbis, a decisão:
Vistos.
Rosina Alimentos Ltda. aforou, contra o Estado do Rio Grande do Sul, ação ordinária através da qual pretende, liminarmente, a suspensão do crédito tributário referente ao mês de novembro de 2008, considerando ter feito pedido de compensação de créditos administrativamente, bem como para que fosse mantida no regime especial de tributação, com a expedição das CPEF de débito.
Atribuiu à causa o valor de alçada.
Juntou documentação nas fls. 32/478.
Determinada a emenda a inicial para adequação do valor da causa (fl. 480), aportou manifestação nas fls. 482/483, tendo sido recolhida a diferença dos valores (guia da fl. 484).
Vieram-me os autos conclusos.
Passo a examinar o pleito vertido liminarmente.
Considerando as decisões proferidas pela MM. Juíza Titular do feito nos autos da demanda cautelar em apenso, onde concedeu direito à empresa autora de ser mantida no regime especial de tributação, bem como determinou ao Fisco que emitisse certidões positivas de débito fiscal com efeitos de negativas em prol da demandante, bem como deferiu a compensação de créditos tributários, o deferimento do pedido retro deduzido é corolário lógico que se impõe.
Eventual indeferimento da medida, além de ficar divorciado com o que vem sendo decidido nos autos da demanda preparatória em apenso, poderia causar prejuízo a empresa demandante, considerando eventual execução fiscal que poderia ser intentada pelo fisco, bem como a perda do regime especial de tributação a que faz jus. De outro lado, ofereceu precatórios para compensação do crédito, sendo que ha indícios de que será deferido na sentença, como disse alhures.
Nestes termos, e com apoio no inc. v do art. 151 do CTN, defiro a liminar pleiteada e declaro suspenso o credito tributário nos moldes externados e solicitados, devendo o fisco se abster de retirar da demandante o regime especial de tributação a que faz jus por forca da cautelar em apenso, bem como de emitir certidões positivas em seu nome, as quais devem ter efeitos de negativas, nos termos do art. 206 do mesmo diploma legal citado.
Oficie-se comunicando-se o réu desta decisão.
Intimem-se.
Carta precatória e oficio a disposição.
Na mesma linha, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proferiu decisão similar recentemente. No caso em apreço, a Édison Freitas de Siqueira apresentou Agravo de Instrumento (nº 70021852835) em face de decisão que em nome de seu cliente indeferiu liminar postulada em mandado de segurança, a qual visava à suspensão da exigibilidade do crédito tributário e manutenção no regime especial tributário.
Ocorre que a liminar do Agravo foi deferida e posteriormente restou confirmada, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário. Os desembargadores deram provimento ao agravo, por maioria, alegando a possibilidade de compensação do crédito tributário com o crédito de precatório vencido e não pago.
No presente caso, a fundamentação referiu que a compensação entre credores e devedores recíprocos é direito natural e não depende de previsão normativa. Segue abaixo o voto dos desembargadores que julgaram o Agravo:
VOTO
Des. Irineu Mariani (RELATOR)
Pedindo vênia à digna Procuradora de Justiça, inicialmente afasto a preliminar de não-conhecimento do recurso, na linha da orientação da Câmara em diversos precedentes, por exemplo, o AI 70 002 775 377, do qual fui relator, resultando a seguinte ementa no ponto que interessa: “O direito processual não é apenas lógico-formal, mas também lógico-material. Desse modo, no mandado de segurança, face ao recurso de pedido de suspensão, embora por motivos políticos, quando a decisão na medida liminar é contra a entidade pública, é de ser garantido ao impetrante, quando a decisão é contra este, direito recursal de efeito equivalente, no caso, o agravo de instrumento, com base em motivos jurídicos. Do contrário, resta ferido o princípio processual e constitucional da igualdade de tratamento (CPC, art. 125, III; CF, art. 5º, caput).”
No mais, eminentes colegas, considerando estarmos em nível de juízo provisório, e considerando os diversos precedentes transcritos na decisão que deferiu a liminar, inclusive do STJ, limito-me a transcrever a ementa que resultou da ap. cív. 70 014 993 067, da qual fui relator:
“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO COMO DIREITO NATURAL. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM CRÉDITO DE PRECATÓRIO VENCIDO E NÃO PAGO. NÃO-FERIMENTO À ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTO DOS PRECATÓRIOS. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO FACE AO IPERGS COM DÉBITO FACE AO ESTADO. DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CESSÃO DE CRÉDITO DE PRECATÓRIO E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL.
1. Compensação como direito natural.
A compensação entre credores e devedores recíprocos é direito natural, quer dizer, independe de previsão normativa. É legal, supraconstitucional.
2. Compensação de crédito tributário com crédito de precatório vencido e não pago.
1.1 – O art. 170 do CTN refere a necessidade de lei para que possa haver compensação tributária, mas se dirige tão-só à autoridade administrativa, isso em razão do princípio da legalidade que rege a administração pública (CF, art. 37, caput). Como ainda não existe a referida lei, si et in quantum não é possível a compensação tributária apenas na esfera administrativa, isto é, por iniciativa do administrador público. A ausência da mencionada lei não torna letra morta, na esfera judicial, o direito à compensação previsto no art. 156, II, do CTN, sob pena de violação ao art. 5º, XXXV, da CF. Tanto existe o direito à compensação na esfera judicial que o STJ reconheceu-o inclusive na via estreita do mandamus (Súm. 213). Ademais, o art. 170-A do CTN enseja a compensação de crédito, após a decisão judicial..
1.2 – O § 2º do art. 78 do ADCT/CF-88, acrescido pela EC 30-00, disciplina a situação específica do inadimplemento em relação aos precatórios previstos no caput, funcionando, pois, como a lei referida no art. 170 do CTN, isto é, compensação na esfera administrativa. Não só não exclui a possibilidade da compensação na esfera judicial, como autoriza que o Judiciário, por analogia, faça o mesmo, em relação aos demais precatórios, quando o devedor comete a mesma infração, isto é, inadimplemento.
3. Não-ferimento à ordem cronológica de pagamento dos precatórios.
Se, por um lado, o art. 100, caput, da CF, estabelece ao pagamento dos precatórios a ordem cronológica de apresentação, por outro, no § 1º, determina que o pagamento ocorra até o final do exercício seguinte. Uma vez não pago no exercício seguinte, há mora ex re. E se o devedor do precatório está em mora, e se ao mesmo tempo tem a receber daquele a quem deveria ter pago, nada mais lógico e de acordo com o direito natural a quitação até onde os créditos e os débitos se compensam. Não há falar, aí, em violação à ordem cronológica no pagamento dos precatórios, haja vista que o § 2º do art. 78 do ADCT/CF-88, acrescido pela EC 30-00, não faz qualquer referência, por desnecessária, de que, com a possibilidade de compensação nele estabelecida, estava excepcionando a citada ordem.
4. Compensação de crédito face ao IPERGS com débito face ao Estado.
Sendo o Estado o primeiro fiador da autarquia previdenciária, a autonomia financeira desta não lhe dá mais do que o direito ao benefício de ordem. Na medida em que o Instituto Previdenciário não vem pagando os precatórios já há diversos anos, resta evidenciado o estado de insolvência ou de incapacidade, e por conseguinte o rompimento da barreira do benefício de ordem. Tal não fosse, o parágrafo único do art. 10 da Lei-RS 9.127, estabelece que na insuficiência de recursos do IPERGS, o excesso corre por conta e responsabilidade do Estado e de suas autarquias. Ainda, o art. 13 do Ato das Disposições Constitucionais da Constituição do Estado, de 1989, estabeleceu o prazo de noventa dias para ser efetuado levantamento completo da dívida do Estado para com o IPERGS, com envio de projeto de lei para ser estabelecido cronograma de pagamento. Passaram-se quase vinte anos, e nada foi feito. Assim, nas circunstâncias, a compensação de crédito face ao IPERGS com débito face ao Estado é modo, in extremis, de compeli-lo a cumprir suas obrigações institucionais.
5. Declaração do direito à compensação em mandado de segurança.
Diz a Súm. 213 do STJ que o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.
6. Cessão de crédito de precatório e substituição.
Para a cessão de crédito civil ser eficaz em relação a terceiros, deve ocorrer em instrumento próprio, e para que seja eficaz em relação ao devedor, este deve ser notificado. Tratando-se de cessão de crédito decorrente de título judicial, a eficácia em relação ao devedor se opera mediante a substituição processual. Exegese do art. 290 do CC/02.
7. Cumprimento dos requisitos no caso concreto.
Uma vez, no caso concreto, cumpridos os requisitos legais, tem a impetrante direito líquido e certo de compensar crédito de precatório vencido e não pago, que tem via cessão, perante o IPERGS, com débito face ao Estado.
8. Apelação provida.”
Nesses termos, afasto a preliminar de não-conhecimento e provejo, confirmando a medida liminar.
DES. IRINEU MARIANI – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70021852835, Comarca de Canoas: “À UNANIMIDADE, AFASTARAM A PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO E, POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, VENCIDO O DES. DIFINI QUE O DESPROVEU”
Julgador(a) de 1º Grau: PAULO CESAR FILIPPON
De acordo com as decisões, verifica-se que a oferta de precatórios está cada vez mais sendo aceita em processos judiciais, permitindo sua compensação com os créditos tributários. Isto permite que empresas discutam seu débito e adquiram garantias perante o Fisco, em razão do inadimplemento das obrigações por parte dos órgãos públicos.
Dra. Ana Carolina Ghisleni
Advogada Executiva I