Ao navegar pelas águas do direito tributário brasileiro, diversas dúvidas interpretativas surgem quando nos deparamos com temas que impactam o planejamento diário das empresas. Uma dessas dúvidas diz respeito aos efeitos do diferimento do ICMS nas importações e se isso impacta, enquanto subvenção, o Imposto de Renda, uma vez que os benefícios nas saídas já foram amplamente debatidos.
O objetivo, portanto, é estabelecer as premissas necessárias para abordar o tema e, a partir delas, desenvolver o raciocínio jurídico à luz da legislação vigente e dos entendimentos colhidos do Superior Tribunal de Justiça. O escopo deste trabalho está limitado ao período anterior à eficácia da Lei nº 14.789/23, considerando somente a legislação vigente antes das alterações promovidas.
O tema das subvenções vem sendo debatido de longa data e, em resumo, chegou ao STJ, que definiu não somente o caso paradigma, mas estabeleceu premissas que já eram usadas na determinação da natureza das subvenções e seus requisitos. No tema 1.182, julgado em 2023, o STJ firmou duas premissas que impactam diretamente esta análise: a definição de uma subvenção e a classificação delas.
A primeira premissa estabelecida a ser analisada é a definição de um benefício fiscal como uma subvenção. Com base nos julgamentos do Tema 1.182, o STJ entendeu que, para um benefício fiscal ser considerado uma subvenção, ele deve obedecer três quesitos importantes:
Deve ser um tributo exigível: deve haver hipótese de incidência e regulamentação do tributo, de modo que ele seja efetivamente devido.
A finalidade do benefício concedido: deve haver finalidade de implantação ou expansão de empreendimento econômico, ou seja, deve haver uma razão além do lucro para a concessão do benefício como o investimento no empreendimento.
A renúncia fiscal pelo ente competente: após o crivo da exigibilidade e da finalidade, uma subvenção se pauta sobre a renúncia desta arrecadação ou seu diferimento para próximas operações.
A segunda premissa classifica as subvenções em grandeza positiva e negativa. Nas subvenções de grandeza positiva temos, por exemplo, os créditos presumidos, que permitem a dedução de um valor fixo ou a aplicação de certa alíquota sobre o ICMS, sem a necessidade de comprovação de operações tributáveis, e são vistas sob a ótica do pacto federativo. Já as subvenções de grandeza negativa devem cumprir, dentre outros, os requisitos da Lei Complementar 160/2017, como é o caso dos diferimentos ou isenções.
Entendidas as premissas estabelecidas pelo STJ, é necessário aplicá-las ao diferimento do pagamento de ICMS na entrada das importações. O diferimento é uma técnica tributária que adia o recolhimento do tributo para uma fase posterior da cadeia comercial ou produtiva, permitindo que o pagamento do imposto seja postergado em vez de ser recolhido no momento da entrada. O diferimento, enquanto subvenção, deve respeitar integralmente a primeira premissa do STJ.
Quanto à exigibilidade do ICMS nas operações de importações, é clara a existência da incidência do imposto. A Constituição, em seu artigo 155, II, determina a competência dos estados no recolhimento do tributo, ressaltando que a circulação das mercadorias está dentro da incidência mesmo que elas tenham se iniciado no exterior, como é o caso das importações. Além disso, a Lei Kandir 87/1996, artigo 2º, I, elege o importador como o responsável tributário do recolhimento do ICMS.
A finalidade do diferimento também é nítida quanto ao investimento e atratividade da atividade econômica para o estado que difere este recolhimento. No caso da “guerra dos portos”, se materializa a importância do diferimento das importações na alocação da atividade econômica e sua comercialização interestadual subsequente.
Por fim, a renúncia fiscal também está presente neste caso, já que mesmo com as premissas anteriores cumpridas, o ente federado difere o recolhimento do ICMS para um evento posterior na cadeia de circulação desta mercadoria. Vários exemplos materializam esta renúncia fiscal, como o Convênio ICMS 104/1989 ou ainda o Convênio ICMS 130/2007.
A principal questão a ser explorada neste aspecto é o impacto do diferimento na base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL). Para que a exclusão desses benefícios fiscais seja realizada, é necessário cumprir os requisitos do artigo 10 da LC 160/17 (relacionados ao Estado concedente) e do artigo 30 da Lei nº 12.973/14 (que determina a necessidade de registro e manutenção dos valores em reserva de incentivos fiscais).
A lógica por trás da exclusão dos benefícios conforme a LC 160/17 é garantir que o valor financeiro presente seja reinvestido no próprio negócio, ou seja, que esses valores não sejam distribuídos aos sócios, mas permaneçam na empresa. Isso ocorre por meio da reserva de lucros, que é o procedimento exigido para a exclusão das subvenções das bases de cálculo do IR e da CSLL.
Diante da verificação de que o diferimento nas importações é uma subvenção, e considerando a legislação vigente anterior à eficácia da Lei nº 14.789/23, que alterou a dinâmica de exclusão das subvenções das bases de cálculo de IR e CSLL, conclui-se que essa subvenção deve receber o mesmo tratamento dos demais benefícios.
Cumpridos os requisitos da reserva de lucros e da convalidação do benefício fiscal, esses valores não deveriam ter sido incluídos nas bases de cálculo analisadas. Em outras palavras, deveriam ter sido excluídos enquanto diferimentos do ICMS sobre as importações, cujo recolhimento, previsto para ocorrer no desembaraço aduaneiro, foi adiado para uma etapa posterior da cadeia produtiva ou comercial.
Fonte: Conjur