Com milhares de contribuintes abandonando o último programa especial de parcelamento de débitos, a Receita Federal decidiu que será mais exigente para autorizar esse tipo de benefício. Empresas e pessoas físicas que quiserem parcelar suas dívidas terão de comprovar dificuldade financeira. As mudanças vão atingir o parcelamento ordinário do Fisco, que é de 60 meses, e servirão de parâmetro para futuras renegociações de débitos.
Na primeira entrevista desde que assumiu o cargo de secretário da Receita, Carlos Alberto Barreto disse que o governo terá de criar um novo tributo, incidente sobre o faturamento e com cobrança ao longo de toda cadeia produtiva, para desonerar a folha de pagamento das empresas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A previsão de alta de 10% da arrecadação em 2011 está mantida?
Sim. Até o fim do ano, o ritmo atual de crescimento vai se acomodar. Não vai crescer como aconteceu nos primeiros meses. As medidas macroprudenciais e o aumento da Selic estão fazendo com que haja contenção de crédito e acomodação do crescimento. No primeiro semestre, a arrecadação acompanhou o aquecimento da economia e agora vem se ajustando às medidas. Está centralizada, sobretudo, na lucratividade das empresas. O ritmo de crescimento vem diminuindo em relação a janeiro.
Há espaço para todas as desonerações pretendidas pelo ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) na nova política industrial. A Receita está emperrando o pacote?
Não. A Receita nunca emperra nada, ao contrário. Ela está cumprindo seu papel de fazer estimativas, calcular as renúncias, levar subsídios e dizer o que é possível fazer para não ter perda de controle fiscal, sem que haja sonegação.
Haverá a redução de 12 meses para zero do prazo para aproveitamento do crédito do PIS e Cofins de máquinas?
Essa é uma medida de muita envergadura para atração e consolidação de investimentos. Sou favorável ao aproveitamento do crédito, mas dado o espaço fiscal possível. Podemos reduzir de uma única vez. Mas poderá também ser parcial. Não temos apenas uma medida – são diversas ligadas ao programa. Hoje, já temos alguns setores nos quais o aproveitamento é imediato, com suspensão da cobrança do tributo.
A Receita vai rever todos os regimes especiais?
A Fazenda está analisando todos os regimes. Com a nova política industrial, vamos analisar o que já temos e o que pode ser agregado e refazer os cálculos. Quais regimes se alinham ao programa, o que vai ser fortalecido. Não vamos acabar com todos os regimes. O objetivo geral do programa é no sentido de desoneração de bens de capital.
O Fisco sempre foi criticado por demorar na regulamentação de medidas anunciadas.
Quando foi isso? O fato é: não haverá mais demora.
Não há muitos regimes especiais?
Eles são necessários. Há medidas que não podem ser de ordem geral por conta do impacto fiscal. Temos de fazer (medidas especiais) para os setores mais fragilizados em função da concorrência, da inovação e do câmbio. Não é difícil fiscalizar.
A Previdência fez um estudo que aponta riscos para arrecadação caso a desoneração da folha de pagamento seja compensada com a cobrança de um tributo sobre o faturamento das empresas. O debate emperrou a desoneração?
Esse estudo já foi analisado. Ele contextualizou um determinado período. Quando o alongamos, o comportamento não é o mesmo. Num determinado período, o crescimento da folha é maior do que o faturamento, mas, se tomarmos um prazo mais longo, isso não se confirma. Aí, o faturamento das empresas cresce mais do que a folha.
Será preciso criar outro tributo para fazer a desoneração?
Sim. Será uma cobrança sobre o faturamento para compensar o que for retirado da folha. A questão é só de calibragem de alíquota. Sem impacto na arrecadação. O tributo será cumulativo.
Mas a ideia não era usar o PIS/Cofins nessa compensação?
Não dá para usar o PIS/Cofins porque temos alíquotas variadas. Quando a alíquota é zero, como eu faria para calibrar? Como faria com a Zona Franca? Temos setores com alíquota zero no meio e no final das cadeias. Os mecanismos não funcionam. Temos de constituir um novo tributo.
Por que o novo tributo terá de ser cumulativo?
Como faríamos para apurar esse tributo não cumulativo em diversos segmentos? A complexidade seria muito grande e não daria também para fazer a desoneração setorial, porque temos aproveitamento de crédito de um setor para outro.
Será preciso aprovação do Congresso? Sim. Temos de esperar três meses para entrar em vigor, porque será uma contribuição.
É possível implementar a mudança ainda neste ano?
Respeitada a noventena, pode ser em qualquer período. A presidenta quer mais cedo.
Será a primeira grande mudança tributária depois das alterações do PIS/Cofins no início dos anos 2000? Não há riscos de erro na calibragem da alíquota?
A mudança será feita com segurança, sem chance de a arrecadação despencar. Não há nem risco de perda da arrecadação nem de o governo usar o instrumento para aumentar a receita. O compromisso do governo é fazer a substituição na medida exata da desoneração da folha que for estipulada. É possível fazer por setores. O objetivo é aumentar a competitividade do produto nacional, no mercado interno e na exportação. Hoje, a tributação da folha não atinge o produto importado, que vem desonerado do exterior e, na exportação, não se consegue desonerar.
Esse tributo será nos moldes do PIS e da Cofins?
Sim. Cumulativo e sobre o faturamento das empresas. O objetivo no primeiro momento não é desonerar a folha toda. É começar no sistema progressivo até um determinado patamar, fazendo uma experiência.
É o melhor sistema?
Dentro do objetivo que é desonerar a exportação e onerar a importação, o princípio está correto.
Por que melhora a competitividade?
Porque esse tributo sobre o faturamento vai incidir no produto importado. Não há variação do preço para o consumidor. O preço da mercadoria permanece, mas o importado vai ficar mais caro. E o exportado passa a ser desonerado, porque a exportação não incide sobre o faturamento.
Milhares de empresas estão abandonando o Refis da Crise. Elas não vão bater na porta do governo para pedir um novo parcelamento?
Nos parcelamentos especiais, para tirar empresas e setores de dificuldades, entra todo mundo – quem está em crise e quem não está. Vamos mudar a sistemática de parcelamento para que seja mais aderente à situação da empresa.
Como será?
É fácil. O banco empresta dinheiro para quem tem capacidade de pagamento. Trabalhei em banco e fazia análise de balanço, de liquidez das empresas, e dávamos um volume de crédito para quem melhor podia pagar. Quanto mais possibilidade de pagar, mais crédito a empresa tem. O que pretendemos fazer é o reverso. As empresas que não estão em dificuldade, que têm geração de caixa, terão prazo menor.
O prazo do parcelamento ordinário de 60 meses vai mudar?
Ele continuará existindo, mas como limite máximo. Vamos ter limites mínimos, considerando a capacidade de pagamento da empresa. A legislação vai mudar e dizer: só tem direito ao prazo de 60 meses quem estiver em dificuldade financeira.
Vai ficar mais difícil então pagar?
Se a empresa tem capacidade de pagamento, é justo? Não é justo. Podemos falar em Refis da Crise, com prazo de 15 anos, para uma empresa que está comprando outras empresas no exterior e aplica dinheiro no mercado financeiro?
Mas os parcelamentos especiais, como o Refis, são os parlamentares que aprovam.
A legislação vai prevenir expectativas futuras de Refis, Refis e Refis. Temos de mostrar para a sociedade que quem deve ser assistido com o favor do parcelamento do Estado são as empresas que precisam. O Congresso tem de refletir sobre isso. Estamos apertando a regras para quem não está em dificuldade.
Qual será o parâmetro para definir quem precisa e quem não precisa?
Teremos critérios lógicos contábeis para dizer se a empresa tem condições de pagamento ou não. Terá de ser feito por meio de uma lei ordinária. Qualquer parcelamento futuro terá de obedecer a esse critério. Vamos deixar de ser um banco para as empresas.
O Fisco mandará equipes para investigar fora do País práticas de triangulação no comércio?
Nas áreas de risco, vamos credenciar adidos temporários para fazer pesquisas in loco e acompanhar o fluxo de comércio. Se dizem que o produto vem de determinado país, vamos ver se há estabelecimento lá. São representantes do Fisco credenciados nesses países. Nossos adidos não atuavam nessas questões e passarão a fazer essas investigações.
Mesmo com a flexibilização das regras, exportadores ainda reclamam do atraso na devolução dos créditos.
Adotamos medidas em 2010 para que se processasse a restituição automática de 50% do crédito. Elas vêm ganhando eficiência. Paralelamente, estamos tomando ações administrativas. Para as empresas que não se enquadram nesse mecanismo, iremos até elas para verificar o que elas têm direito e reconhecer o crédito. São diligências. Esses grupos já começaram a trabalhar.
A Receita está pacificada depois de duas crises institucionais?
A questão já vinha sendo equalizada e resolvida. Tivemos o problema do vazamento, mas ali houve uma exploração do fato (por ser campanha eleitoral). Lidamos com pessoas e esses fatos podem acontecer. Não é prerrogativa daquele momento, daquela administração. Mas a Receita vem se fortalecendo e está pacificada em relação às disputas internas.
O caos no atendimento acabou? Ainda não conseguimos equalizar tudo, mas melhorou substancialmente. Foi necessário focar na atuação eletrônica. Do contrário, não teríamos condições de atender à demanda. A grande medida foi o contribuinte entrar na declaração e alterá-la antes do lançamento fiscal. Hoje, 80% dos atendimentos são feitos pela internet.