A consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) terá de pagar R$ 25 milhões em indenização por negligência em auditoria feita no antigo Banco Noroeste. A Justiça de São Paulo concluiu, nesta quarta-feira (28/8), julgamento de recurso de ex-controladores do banco que acusam a empresa de não apontar, em verificações feitas antes da venda ao Santander, em 1998, desvios de US$ 242 milhões.
Para os desembargadores da 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que analisaram o caso, a consultoria tem responsabilidade pela fraude por não tê-la identificado e comunicado aos administradores, trabalho que só uma auditoria poderia fazer.
A condenação foi de reparação de 10% do total ainda não recuperado pelos antigos controladores, que soma mais de R$ 250 milhões. É a primeira decisão condenando uma consultoria estrangeira por esse tipo de falha de que se tem notícia no país.
Custo da responsabilidade
Vendo o processo como leading case sobre o assunto, os desembargadores compararam o ocorrido aos grandes escândalos internacionais de fraude ao sistema financeiro, como o da americana Enrom, que em 2001 acabou por levar a consultoria Arthur Andersen à lona, e a crise do subprime, iniciada depois que se descobriu, a partir da quebra de bancos nos Estados Unidos, em 2006, erros de avaliação de risco na concessão de empréstimos hipotecários.
Para os desembargadores, fatos como esses são resultado de as auditorias tenderem a suavizar análises de furos relevantes nas contas das empresas que as contratam. Embora sua responsabilidade seja “de meio” e não “de resultado”, uma recomendação mais severa poderia evitar fraudes.
No caso do banco Noroeste, para os julgadores, a responsabilidade dos administradores da instituição por desvios e falhas na gestão não substitui a das auditorias independentes, cuja função é prevista em contratos, que mencionam inclusive possíveis reparações em caso de danos. Essa tese contou com parecer do jurista Luiz Gastão Paes de Barros Leões, juntado ao processo em favor dos ex-controladores.
Os desembargadores mencionaram que as auditorias modernas têm sistemas de autofiscalização que ajudam a identificar falhas contábeis. Por isso, segundo eles, houve descaso administrativo e gerencial por parte da PwC no trabalho feito no Noroeste.
Uma das inconsistências identificáveis, segundo eles, foi o fato de a agência do Noroeste no exterior responder por apenas 2% do patrimônio do banco, enquanto foi destino de quase 45% das movimentações da instituição. A aferição de valores contábeis na matriz brasileira e de depósitos na filial estrangeira mostraria, para os desembargadores, que eles não constavam do passivo do banco. Valores registrados no Brasil e no paraíso fiscal eram claramente discrepantes, disseram os julgadores. Em vez de comparar e expor os saldos, segundo eles, a consultoria fez apenas um contingenciamento contábil.
A lista de erros foi caracterizada pela Câmara como negligência, imprudência e imperícia na demonstrações financeiras e nas demonstrações consolidadas do banco. A conclusão se baseou em perícia contábil judicial, que concluiu que a auditoria não aplicou preceitos elementares na consolidação das demonstrações e nas conciliações bancárias.
A reparação de R$ 25 milhões a ser paga aos ex-controladores sofrerá correção de 12% ao ano desde o ajuizamento da ação, além de sucumbência de 2% do valor da causa, fixado em R$ 250 milhões.
Desvios
Quase metade do patrimônio do Noroeste (47,44% do total) foi desviado, sem registros contábeis, para uma filial nas ilhas Cayman. Só se soube dos desvios depois que o banco Santander fez uma due diligence nas contas e encontrou o problema, avisando os controladores do Noroeste, que tiveram de abater o valor do total recebido na venda.
O ex-diretor da área internacional do banco, Nelson Sakagushi, chegou a ser preso na Suíça e respondeu a processo criminal — depois trancado pelo Superior Tribunal de Justiça — como participante do desfalque. Os controladores conseguiram recuperar US$ 139 milhões no exterior, mas US$ 101 milhões ficaram descobertos.
Funcionários da PwC também foram investigados, após seis auditorias durante três anos não terem estranhado as movimentações. O Banco Central aplicou multa de R$ 100 mil à consultoria, reduzida depois pela metade. As famílias Cochrane e Simonsen, dos ex-controladores, então, ajuizaram ação, em 1999, alegando que a consultoria também teve culpa na fraude, por negligência, e pediram que ela respondesse solidariamente pelo rombo.
O julgamento já durava 14 anos, desde que os ex-controladores ajuizaram a ação de indenização. Após perderem em 1º e 2º graus, elas recorreram ao Superior Tribunal de Justiça em 2006, protestando contra o cerceamento de sua defesa, já que a Justiça paulista não permitiu que se juntassem aos autos a condenação administrativa pelo Banco Central, nem o processo criminal que corria sobre o caso.
Alegou-se também que os advogados das duas famílias tiveram de dividir o tempo regimental para sustentação oral no TJ-SP, quando deveria haver prazo de 15 minutos para cada um, por serem partes interessadas diferentes. Em 2011, a corte reconheceu o cerceamento e ordenou que o TJ-SP julgasse novamente o caso, apreciando as provas faltantes e dando o tempo correto aos advogados das famílias.
No último dia 14 de agosto, a 14ª Câmara de Direito Privado do TJ trouxe o julgamento à pauta, mas um pedido de vista do desembargador Thiago de Siqueira adiou a decisão final. Nesta quarta (28/8) ele trouxe seu voto, não antes de a defesa da PwC pedir novo adiamento, que foi negado.
Siqueira acompanhou os votos do relator do caso, desembargador Carlos Abrão, e do revisor, Melo Colombi. Unânime, a turma julgadora entendeu que a consultoria tem culpa concorrente por falhar em um trabalho que só ela, por ser uma auditoria, poderia fazer. Eles destacaram que falhas do tipo podem afetar não só a empresa desfalcada, mas acionistas e todo o mercado. Para eles, não foram seguidos preceitos contábeis recomendados pelo Conselho Federal de Contabilidade e regras internacionais de segurança, o que gera responsabilização civil pela prestadora dos serviços.
As novas provas, acrescentadas aos autos após a ordem do STJ, foram mencionadas pelos julgadores, que entenderam que o “descaso” da Price contribuiu para que a fraude fosse praticada durante algum tempo. Eles citaram que o Banco Central concluiu que, embora a PwC tenha dado alertas tímidos sobre a conciliação de contas contábeis em moeda estrangeira, seu trabalho deveria ter sido mais incisivo. Entretanto, embora tenham requerido no STJ que o TJ-SP permitisse mais tempo de sustentação oral, os advogados das famílias dos ex-controladores não compareceram a nenhuma das novas sessões de julgamento na corte estadual.
Fim comemorado
Para o advogado da PwC, Sérgio Bermudes, a decisão é encarada como uma vitória. “Os ex-controladores pediram indenização de todo o prejuízo restante, no valor de R$ 230 milhões, mas a Justiça só autorizou R$ 25 milhões, do que pretendemos recorrer ao STJ”, afirma. Além da indenização, as famílias pediram ainda lucros cessantes e respectivos juros moratórios, que foram negados.
Bermudes levará à corte superior o argumento de que a função do auditor se limita a conferir cálculos, e não a veracidade dos lançamentos. “O auditor não é fiscal ou policial. A intenção dos ex-controladores é justificar o próprio erro ao Santander culpando a consultoria.” O advogado acrescenta que a análise que o Banco Central faz é de fatos, diferente da que faz uma auditoria.
Já o advogado da família Cochrane, Paulo Lazzareschi, diz que as duas famílias de ex-controladores ficaram satisfeitas com o resultado. “Elas viram reconhecido seu direito de obter reparação de parte do prejuízo pela Price, pelo fato de a consultoria ter deixado de cumprir com suas obrigações legais e profissionais, embora isso tenha demorado 14 anos.”
Especialistas têm observado que casos de gestão fraudulenta e crimes relacionados passarão a ser vistos de forma diferente pelos tribunais. Um dos fatores da aposta é o resultado do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal, que responsabilizou agentes financeiros pelos ilícitos encontrados.
O outro é a Resolução 1.445, publicada pelo Conselho Federal de Contabilidade no dia 30 de julho, que aumenta a responsabildiade dos profissionais. A norma atende determinação prevista na nova Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/2012) e determina que contadores, assessores, auditores ou conselheiros contábeis devem estar atentos a desvios para informar possíveis crimes ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).