Com um histórico de vitórias em disputas tributárias bilionárias nos tribunais superiores nos últimos anos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acumula derrotas quando de trata da cobrança desses créditos. A burocracia excessiva, além de gerar reclamações recorrentes tanto por parte das empresas quanto do Judiciário, não garante arrecadação: a dívida ativa da União é de R$ 643 bilhões, mas a procuradoria estima que a cada ano recupere apenas R$ 3 bilhões – ou 0,48% do total. No fim do ano passado, um pacote de quatro anteprojetos de lei, ainda na Casa Civil da Presidência da República, e uma medida provisória – a MP 449, em tramitação no Congresso Nacional – foram apresentados na tentativa de mudar esse quadro. Uma segunda etapa será uma alteração administrativa: a instalação de um departamento criado exclusivamente para reformar a cobrança da dívida ativa.
O Departamento de Gestão da Dívida Ativa da União foi criado formalmente no dia 10 de fereveiro pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, Luis Inácio Adams, e será comandado pelo ex-secretário adjunto da Receita Federal do Brasil, Paulo Ricardo Cardoso. A ideia, segundo Adams, é agilizar a troca de informações entre a Receita e a procuradoria e introduzir no governo federal alguns princípios de cobrança inspirados no setor financeiro. Um desses princípios é a criação de um \”rating\” da dívida ativa e, a partir dele, formas de cobrança específicas para os diferentes tipos de devedor – como o protesto de contribuintes e a terceirização da cobrança para os próprios bancos. O primeiro pacote de créditos terceirizados – ou \”bancarizados\” – foi assinado no fim da semana passada. A experiência foi feita com um grupo de 53 mil devedores da União cujos nomes foram levados ao departamento de cobrança do Banco do Brasil – o pacote incluiu dívidas de crédito rural \”podres\” do próprio banco assumidas pela União em 2002, totalizando cerca de R$ 5 bilhões. Daqui para a frente, dívidas da PGFN inferiores a R$ 10 mil deverão ser cobradas regularmente nos bancos federais. \”O sistema financeiro hoje é o que tem mais eficiência na cobrança de créditos, pois é quem mais trabalha com isso\”, afirma o procurador-geral. Em entrevista exclusiva ao Valor, Adams conta como funcionará a nova gestão da dívida ativa da União.
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Sim. O pequeno crédito, cuja cobrança direta é cara, se torna mais factível se cobrado nesse modelo. Nossa intenção é a de que somente ao fim do processo de cobrança amigável o crédito vá para a Serasa. E o primeiro exemplo disso será o do crédito rural, que pertencia aos bancos e desde 2002 foi adquirido pela União. E com a cobrança bancária haverá a inscrição na Serasa? Há um princípio do Código de Contribuintes do Canadá de \”cobrar o que é devido\”. Parece óbvio, mas na prática significa que não vou cobrar aquilo que não poderei receber, independentemente do modelo. Essa é a diretriz: a de fazer que o que vai para Justiça e para a penhora seja de fato devido e passível de ser cobrado. Não faz sentido gastar R$ 20 mil na cobrança de um crédito de R$ 1 mil. Hoje temos uma primeira avaliação que diz que o custo médio para o Estado ao ajuizar uma ação de execução é de R$ 13 mil. Isso gerou uma restrição de ajuizamento de execuções somente de créditos superiores a R$ 10 mil. Ou seja, o trabalho de cobrança tem que ser menos burocrático, não podemos transformar a procuradoria e os juízes em um mero cartório de recebimento e encaminhamento de créditos. Temos que ter eletividade nesse processo para dar efetividade ao crédito. Por isso determinados valores serão cobrados de outra forma, por meio de um agente de cobrança privado. Há algum tempo a procuradoria de São Paulo fez um levantamento parecido na dívida ativa do Estado e chegou à conclusão de que 70% dela era incobrável… Sim, implica em cancelar créditos indevidos ou incobráveis. Temos que reconhecer créditos que sejam inexecutáveis para termos uma situação real do que é cobrável, de forma que o custo de administração também seja reduzido. Não há porque ficar onerando o Estado com créditos que têm quase um século de cobrança. A rigor todo o crédito tem que ser inscrito na dívida ativa, mas posso começar a criar parâmetros para não ajuizá-lo. Dá para saber também se há como alcançar sucessores caso a empresa tenha fechado. Esse é um trabalho de gestão, não há nada jurídico nisso. Essa é a ênfase diferente que será dada agora, estamos vivenciando uma forte mudança estrutural. Teremos uma administração tributária ágil e mais segura para nós e para o contribuinte. Isso implica em descartar uma parte da dívida ativa? O sistema financeiro hoje é o que tem mais eficiência na cobrança de créditos, pois é quem mais trabalha com isso. Essa eficiência decorre de um modelo que avalia a qualidade do crédito, do ponto de vista de tempo, garantia, situação do devedor e tamanho do crédito. Há vários elementos que são inclusive parametrizados pelo Banco Central para que o banco lance determinado crédito como prejuízo ou não. Muitas vezes o banco também securitiza esses créditos – aliás, a crise do subprime foi isso, um descuido que os Estados Unidos tiveram quanto à qualidade dos créditos: esses recebíveis tornaram-se muito atraentes, mesmo que podres. O Banco do Brasil produziu um modelo estatístico em cima da dívida ativa da União para ver o percentual de chance de recuperação. E inclusive se notou que falta muita informação para fazer essa base de dados – como o registro de garantias. Essa informação existe com pouca qualidade, porque não se sabe o tipo de garantia – se imóvel, fiança, seguro, precatório, recebível. Para se ter uma avaliação mais gerenciável da dívida é preciso de mais informações. Quando Portugal mudou o processo de cobrança da dívida ativa, em 2002, foi feito um forte investimento nas informações gerenciais fornecidas pelo sistema. Lá, no processo executivo de cobrança, ao abrir o sistema se tem informações sobre a vida do contribuinte, informações detalhadas. Aqui, às vezes estamos cobrando contribuintes que já faleceram ou empresas que não existem mais. É preciso permitir uma rastreabilidade do patrimônio, e esse é um trabalho do banco. Qual é a vantagem da parceria com os bancos? Também. O primeiro objetivo da gestão é qualificar o crédito, eliminar de vez aquela percepção generalizada de que o crédito não é cobrado, o que é bem complexo. O fato de eu reconhecer a prescrição de cinco anos não quer dizer que os créditos vencidos há mais de cinco anos não serão cobrados. Podemos ter casos de interrupção de prescrição e há vários elementos de interrupção que fazem com que se possa ter créditos com mais de cinco anos e que estejam válidos para execução, como um recurso administrativo do contribuinte, um parcelamento, qualquer ato inequívoco do contribuinte reconhecendo o débito. Fizemos um trabalho junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal de avaliação da qualidade de cobrança do crédito. Trata-se de um juízo de conveniência, ver o que é cobrável, ter uma percepção da eficiência da cobrança. Com essa dinâmica se estabelece um sistema de gestão para identificar a relação custo-benefício da cobrança da dívida ativa. Quanto custa a cobrança de um crédito, será que faz sentido mantê-la? Às vezes não é interessante manter esse custo para a sociedade. O grande objetivo do novo departamento é aumentar a arrecadação da dívida ativa? As primeiras metas são o CF DAU, a regulamentação de procedimentos próprios para a cobrança executiva da dívida ativa e a unificação do atendimento ao contribuinte. Já foi publicada uma portaria autorizando a contratação de dois mil servidores, e a ênfase do concurso é o atendimento unificado. Com a unificação do atendimento o contribuinte não tem que ficar \”tomando passe\” – passe aqui, passe lá – para resolver seu problema tributário. O novo departamento já tem suas primeiras metas? O sistema entrará em produção no segundo semestre e estará em vigor até 2010. Será um processo de migração da dívida ativa que já está inscrita para esse novo sistema. O Departamento de Gestão da Dívida Ativa foi concebido fundamentalmente como mais um momento desse processo de integração. Ele faz com que a dívida ativa não seja tratada apenas do ponto de vista jurídico, porque na modelagem que tínhamos de organização, a condução desse processo era sempre no âmbito jurídico, enquanto a dívida ativa é um problema de gestão. Essa é a nova visão, que não se prende só ao elemento jurídico, mas leva em conta questões como o pagamento, o parcelamento, as garantias. Tive a ousadia de ter trazido um auditor fiscal para conduzir esse departamento (leia mais à página E2). Qual o prazo previsto para a implantação desse sistema? No processo de execução que estamos propondo existe, por exemplo, a admissão do que se chama exceção de pré-executividade administrativa, ou seja, quando for aberto um processo, o contribuinte vai poder peticionar ao procurador algo como \”esse crédito não pode ser executado porque já foi pago, eu tive a compensação aceita, tenho uma causa de suspensão, por isso solicito que não esteja em fase executiva\”. O procurador, pelo novo sistema, vai poder ter acesso às informações para saber se houve de fato um registro de pagamento, por exemplo, e tomar a decisão de ou dar razão ao contribuinte e cancelar o crédito ou suspender sua cobrança e, consequentemente, tira-lo do universo de executividade. É o momento de retirada do chamado \”crédito podre\”. Para isso, o acesso ao sistema é fundamental. Hoje a obtenção dessa informação é burocrática, é preciso de um memorando da Receita. Com essas informações, o que muda na execução? Para poder analisar a qualidade do crédito tributário. Por exemplo, para saber se ele está prescrito ou não, é preciso consultar quando venceu o crédito, se houve caso de interrupção da prescrição durante o curso do processo tributário. Até agora só se sabia isso se o contribuinte informava, e aí era preciso mandar essa informação para a Receita checar e aguardar sua comunicação. Perceba a burocracia do processo, prejudicial para a organização, porque onera a Receita, a procuradoria e o Judiciário, além de prejudicar a empresa, porque enquanto não se resolve o ciclo todo, ela não obtém certidão negativa de débitos (CND). É útil também do ponto de vista de agilidade na informação, como na busca de bens para penhora, de informações sobre o patrimônio do contribuinte, dando efetividade à execução. Mas até que ponto é útil o procurador saber, durante a execução, como se deu a autuação fiscal? Sim. Até 2003, por exemplo, a Receita entendia que o sigilo fiscal alcançava a procuradoria. Isso é um contra-senso, porque a procuradoria precisa fazer a cobrança executiva do crédito tributário, mas não tinha essas informações, não podia ter acesso à declaração de Imposto de Renda ou situação fiscal do contribuinte. É um modelo que vem de uma cultura do passado e tinha que ser substituído. Agora vamos trabalhar com a ideia do macroprocesso tributário, que é o conceito de pensar o processo todo. Serão várias ações. Uma delas, já em curso desde a gestão passada, é a implementação do chamado \”CF DAU\”, um módulo da cobrança executiva dentro do sistema de informática da Receita. Com ele, a atuação da procuradoria passa a ser dentro do sistema da Receita. Temos aqui um processo de integração, há um banco de dados só para compartilhar a informação. Isso porque cada ator tem seu momento de interagir no sistema: o crédito tributário nasce na Receita e em um determinado momento chega na procuradoria. Agora temos a visibilidade de todo o processo. E isso criava problemas? Assumi a procuradoria com a ideia de promover uma forma de integração da administração tributária como um todo, seja na parte da Receita, seja na procuradoria. O modelo comum não facilitava a comunicação das organizações no processo tributário. Qual é a ideia central do novo Departamento de Gestão da Dívida Ativa da Fazenda Nacional?