João Egydio Gamboa e Helen Lopes O presidente em exercício do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Porfírio Peixoto, acredita que a imagem da instituição já está restabelecida perante a sociedade gaúcha. \”Os esclarecimentos prestados durante os episódios já fizeram com que a imagem fosse recuperada\”, entende. Depois de um ano marcado pelo envolvimento do presidente licenciado do órgão, João Luiz Vargas, na fraude do Detran – ele foi citado em interceptações telefônicas da Polícia Federal e era sócio de uma das empresas envolvidas no escândalo, que desviou R$ 44 milhões dos cofres públicos – e pelas denúncias de mau uso do dinheiro público e de gastos excessivos em diárias e de nepotismo, levantadas pelo conselheiro substituto Aderbal Amorim, Porfírio prefere ressaltar que o TCE é eficiente. \”O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul é, sem dúvida, o mais qualificado do Brasil, pela equipe técnica e pela gestão. É o único que julga as contas e dá parecer ao final de cada período\”. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, concedida antes da decisão de arquivar a investigação sobre a compra da casa da governadora Yeda Crusius, Porfírio também fala da adequação do TCE para cumprir a lei do enriquecimento ilícito e da auditoria que está sendo realizada nos contratos de pedágio. Jornal do Comércio – O ano de 2008 foi bastante conturbado para o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Houve a fraude do Detran, que envolveu o presidente João Luiz Vargas, e também as denúncias do conselheiro substituto Aderbal Amorim. Como recuperar a imagem do TCE? Porfírio Peixoto – Os esclarecimentos prestados durante esses episódios já fizeram com que a imagem fosse recuperada, mas ela é uma construção feita ao longo do tempo. O trabalho realizado pelo Tribunal é de suma importância. Não existe sociedade organizada que possa viver sem órgão de controle. O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul é, sem dúvida, o mais qualificado do Brasil, pela equipe técnica e pela gestão. É o único que julga as contas e dá parecer no ano seguinte. No resto do Brasil, nossos colegas ainda estão com três, quatro anos de atraso. Em março, vamos receber a prestação de contas dos municípios e, em maio, já estamos dando parecer. O mesmo ocorre com as tomadas de contas que entram até 30 de junho deste ano. A prestação de contas é feita pelos Executivos municipais e as tomadas de contas pelos Legislativos e economias mistas, empresas públicas, autarquias, fundações, etc. Essa agilidade faz com que o administrador possa corrigir as falhas e fazer a sua defesa com base nos relatórios apresentados. Se o processo é demorado, quando essa decisão é tomada pelo Tribunal, o citado já não é mais o gestor. Então, ele tem dificuldade de fazer a defesa. JC – Quando João Luiz Vargas retorna ao cargo de presidente? Porfírio – Ele aguarda a decisão do Supremo Tribunal de Federal (STF). Nós encaminhamos uma representação para a procuradoria-geral da República, com base na representação do Ministério Público de Contas sobre o caso do Detran, já que o João Luiz tem foro privilegiado. Depois de um tempo, o Ministério Público do Estado, com base em outros elementos, encaminhou um novo processo ao procurador-geral da República (Antonio Fernando de Souza), este por sua vez mandou tudo para o STF. O Supremo designou um ministro, João Otavio de Noronha, para cuidar do caso. Ele pediu informações à Justiça de Santa Maria, onde corre o processo da fraude do Detran. Como se sabe, nada havia contra o conselheiro João Luiz nesse processo. Logo haverá uma decisão. Se o ministro solicitou que o processo baixasse em diligência, é porque achou que as provas ali existentes eram insuficientes para denunciá-lo. Então, a lógica é que determine o arquivamento. JC – Ele aproveitou que tinha sete meses de férias para se afastar. Quando termina esse período? Porfírio – Ele nunca tinha tirado férias. Saiu em agosto, poderia gozar sete meses e voltar em fevereiro. Como viramos o ano, ele tem mais dois meses de férias, janeiro e fevereiro. Nós, assim como os desembargadores, temos dois meses. Creio que em abril, se não houver decisão, ele pode usar esse expediente. Mas, se quiser reassumir amanhã, pode. JC – Como conselheiro há 19 anos, o senhor acha que o presidente João Luiz Vargas deveria voltar? Porfírio – A postura dele é absolutamente correta. Se não for denunciado, como acredito que não será em função do que já expus, a Justiça o absolveu e ele deve voltar. Se ele for denunciado, é uma questão de foro íntimo. Isso não impede que ele seja presidente. Só ele pode fazer essa avaliação. JC – E para a imagem do Tribunal? Porfírio – Evidente que não é bom para qualquer instituição ter um presidente denunciado. JC – Desde o final do ano passado, o TCE está fazendo uma auditoria operacional nos contratos de concessão das estradas estaduais. Como está esse trabalho? Porfírio – A auditoria operacional é diferente, pega todos os órgãos evolvidos, o Daer e a Agergs, por exemplo. Como ela não tem o ritmo das auditorias normais, as ordinárias, nós não temos como precisar hoje o tempo que ainda vamos levar para concluir o trabalho. Estamos averiguando todos os aspectos das concessões, mas, neste momento, ainda temos muito para acrescentar. JC – Quais são os principais problemas identificados pelo TCE na prestação de contas das prefeituras? Porfírio – Pelos valores que envolvem, as concorrências públicas são as que exigem mais atenção. As mais frequentes são irregularidades nas licitações de lixo, transporte escolar, merenda e obras. Há ainda concessão de reajustes indevidos, nomeação de agentes políticos em dívida com o erário, utilização indevida de cargos em comissão, prorrogações sucessivas de contratos, terceirizações de serviços indelegáveis, como saúde e fiscalização, entre outros apontamentos. Observamos também o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os investimentos constitucionais em educação, que são 25%, em saúde, que são 15% da receita corrente líquida do município. É um somatório de preocupações, não dá para eleger a maior. Em novembro, fizemos um curso para os prefeitos eleitos que iriam a assumir. Concluímos também um manual com instruções. JC – Os prefeitos se queixam que o Tribunal é muito exigente com os municípios, mas não é tão severo com o governo estadual. Como o senhor vê essa avaliação? Porfírio – É natural que eles tenham essa percepção porque a prestação de contas do governo do Estado é dividida. São as secretarias estaduais que prestam contas. Nós damos um parecer e quem julga é a Assembleia Legislativa. É um parecer que envolve toda a ação de governo, não é examinado nos mínimos detalhes. No município, não é assim. Se há uma falha na educação, é o prefeito quem responde. Já no governo do Estado, se aconteceu algo de errado na Secretaria de Educação, se a secretária pagou errado, é ela quem responde. Por isso, o prefeito acha que, se comparado com o governador, é penalizado. Mas as exigências do Tribunal atingem órgãos do governo estadual que não existem na esfera municipal. JC – Como o TCE se preparou para cumprir as determinações da lei de enriquecimento ilícito? Porfírio – Tivemos a primeira experiência com o caso da compra da casa da governadora e há também o processo envolvendo o deputado Luiz Fernando Záchia (PMDB), que está em andamento. Na medida em que formos aplicando a lei e tomando decisões é uma inovação, estamos aprendendo. Como milhares de pessoas terão que entregar essa declaração de renda, corremos o risco de nos transformarmos em um depósito de papel. Por isso, queremos informatizar tudo. O processo de regularização interna da lei Villaverde já foi aprovado. Agora precisamos ver como será feita a guarda, porque são dados sigilosos. Precisamos criar nossas próprias ferramentas, as equipes e os profissionais. JC – Isso já não deveria ter sido feito? Porfírio – O processo já está bastante adiantado. Estamos com um pacote de discussões normativas para ser submetido à avaliação das diversas instâncias da Casa. JC – O TCE entendeu que a lei do enriquecimento ilícito se aplica à esfera municipal. Porfírio – Sim, porque o prefeito é um agente público e o presidente da Câmara também. Pelo nosso entendimento, a lei atinge todos os administradores de valores. Aliás, a Constituição, nos artigos 70, 71, 72, define as responsabilidades do Tribunal, que é a guarda do dinheiro público. Como o prefeito é um gestor público, ele também é atingido pela lei. JC – No ano passado, houve a apresentação de um estudo para reestruturação do TCE. O que avançou desde então? Porfírio – Muitas coisas estão saindo, devagar, mas estão. Aquele estudo era um mapeamento interno. São propostas que só podem ser implementadas lentamente. Tem um programa de qualidade que age permanentemente, fazendo auditorias, registrando inconformidades, propondo melhorias. Foi feito um levantamento de quantos funcionários eram necessários em cada setor, avaliamos onde estava faltando e onde estava sobrando e o que poderia ser unido. Em função disso, fizemos algumas mudanças, como a junção do escritório da qualidade com o de controle interno. JC – Isso trará economia de pessoal? Porfírio – Exatamente. Estamos remanejando, racionalizando, tirando de onde está sobrando e colocando onde está faltando. Tínhamos dois setores que faziam os mesmos levantamentos. Isso exigia o dobro de pessoal e fazia com que o fiscalizado perdesse o dobro de tempo. Mesmo precisando desses ajustes, o TCE é uma instituição que funciona muito bem, é ágil. Por isso, alguns apontamentos nos servem e outros não. JC – Haverá uma reformulação quanto aos funcionários que ganham acima do teto? Porfírio – Não. Há um parecer da auditoria estabelecendo o congelamento, até porque a Constituição estabelece o teto, mas também diz que ninguém terá redução de salários. Por isso, não houve corte. Desde 1 de fevereiro de 2008, quem tinha salário acima de R$ 24,5 mil continuou recebendo os seus vencimentos integrais. Quem, no decorrer do ano, incorporou benefícios pessoais ficou com o salário congelado no teto.