Legisladores e autoridades reguladoras de todas as partes do mundo estão tentando encurralar os bancos e outros culpados pela crise financeira. Mas as empresas e os pequenos investidores também poderão ser pegos, uma vez que novas regras e outras que estão sendo propostas poderão afetar os lucros corporativos e os retornos dos investimentos.
Os reformadores não estão alheios às potenciais consequências. Eles simplesmente acham que os benefícios compensam os efeitos colaterais. Mesmo assim, afirma Simon Gleeson, sócio da firma de advocacia Clifford Chance, as armadilhas percebidas “não estão rendendo medalhas de ouro aos políticos pelas políticas que estão formulando”. E eles não estão facilitando para que empresas e investidores superem a recessão.
Tome, por exemplo, as regras propostas para os derivativos. As autoridades reguladoras dos Estados Unidos e da Europa querem restringir o uso de instrumentos financeiros complexos, cujos valores estão atrelados ao desempenho de um título ou referencial. Os negócios ficaram com o nome sujo no quarto trimestre do ano passado, quando uma versão especialmente hermética e arriscada – o credit default swap – foi pelos ares, provocando grandes prejuízos na seguradora American International Group (AIG) e outras companhias. As reformas pendentes propõem-se a impedir outro desastre.
Mas as corporações poderão acabar pagando um preço alta. Muitas companhias compram tipos básicos de derivativos para proteger seus lucros contra as flutuações dos juros, dos preços das commodities ou das moedas – um processo conhecido como hedge. “O hedge é uma arma importante do arsenal de qualquer companhia”, afirma John Grout, diretor técnico e de políticas da Association of Corporate Treasurers, uma entidade de classe. A American Airlines, por exemplo, controla os custos dos combustíveis com derivativos. A Kraft Foods os utiliza para manter sob controle as despesas que tem com a compra de grãos.
Quaisquer regras novas poderão forçar as companhias a transferir seus acordos de derivativos para uma bolsa regulamentada, onde os negócios são mais transparentes e a supervisão, mais rígida. (No momento, quase todos os contratos de hedge são criados em transações privadas com bancos de investimento no mercado de balcão.) Os derivativos negociados em bolsa reduzem as reservas de caixa. Sob as atuais exigências, as companhias precisam separar mais de 3% do valor de um contrato como garantia adiantada, caso a transação tenha problemas. Elas também precisam reservar fundos extras caso as condições mudem – como, por exemplo, quando os preços das commodities sobem ou caem dramaticamente.
Se as propostas seguirem adiante, as companhias que usam os derivativos terão menos dinheiro para investir em suas operações. A Siemens calcula que precisará de uma reserva de caixa extra de US$ 1 bilhão, e a Rolls Royce calcula essa número em US$ 4 bilhões.
As mudanças também poderão fazer dos derivativos uma ferramenta menos eficiente no controle de despesas. Os derivativos vendidos no mercado de balcão são elaborados levando em conta as necessidades específicas das empresas, enquanto os contratos negociados em bolsa são padronizados. Com os contratos personalizados, as empresas podem fixar seus preços em qualquer data, digamos 12 de dezembro de 2010. Um contrato padrão negociado em bolsa possui apenas determinadas datas – normalmente perto do fim do mês -, o que deixa as empresas vulneráveis aos movimentos de preço nesse meio tempo. “Qualquer redução ao acesso aos derivativos não padronizados acrescenta volatilidade e risco aos ganhos trimestrais”, disse ao Congresso americano no mês passado Michael W. Connoly, tesoureiro da Tiffanys. A joalheria usa os derivativos para gerenciar os custos da prata e outros metais.
As empresas estão repensando suas estratégias em resposta às regras propostas. Alguns executivos pararam de usar essas técnicas de gerenciamento de riscos, temendo que as mudanças nas regras acabem invalidando os contratos existentes. As fabricantes de automóveis e outras indústrias, grandes usuários dos derivativos, estão indecisas quanto a entrar em novos contratos porque fazer alterações nesses contratos custaria caro. “Isso está fazendo os tesoureiros perderem o sono”, afirma Tim Sangston, diretor-gerente da consultoria Greenwich Associates.
Os custos dos derivativos já estão subindo. Enquanto concorrentes saem do negócio em meio ao tumulto, JP Morgan Chase, Barclays e outros bancos aumentam seus preços. Estão cobrando até 3% do valor do contrato. Cobravam menos de 0,1% antes da crise.
Enquanto isso, investidores individuais estão sentindo o apertão das novas regras para as commodities. A Commodity Futures Trading Commission dos EUA (CFTC) e bolsas como a Bolsa Mercantil de Nova York (Nymex) estão limitando as compras de petróleo, grãos e outros derivativos de commodities conhecidos como contratos futuros. As mudanças são projetadas para conter a especulação pelos fundos de hedge e outros participantes financeiros do mercado, cujos negócios podem afetar dramaticamente os mercados. Alguns especialistas suspeitam que especuladores forçaram a alta do preço do petróleo para mais de US$ 147 o barril em 2008.
Diante das mudanças, instituições financeiras estão recuando em algumas ofertas de commodities para pequenos investidores. Em 1º de setembro, o Deutsche Bank anunciou que iria acabar com o PowerShares DB Crude Oil Double Long, produto negociado em bolsa e voltado para investidores individuais. O banco percebeu que seria difícil administrar o fundo sem ultrapassar os limites.
Os gestores de investimentos que estão mantendo seus fundos de commodities abertos, poderão decidir cobrar mais ou assumir riscos maiores com derivativos exóticos. Este ano, o U.S. Natural Gas Fund, um fundo negociado em bolsa, parou de emitir novas ações em meio a preocupações com os limites. Isso elevou o valor das ações existentes, significando que os investidores que queriam acesso ao fundo tiveram que pagar um prêmio de 10% ou mais por suas participações. Recentemente, o fundo começou a vendas novas ações outra vez. Para fazer isso, os administradores estão comprando derivativos complexos, que criam uma outra série de problemas. John Hyland, diretor de investimentos do U.S. Natural Gas Fund, diz que a firma estão adotando medidas para amenizar os riscos, “mas você não os elimina completamente”.
O ambiente regulador está levando alguns consultores financeiros a evitar esse tipo de oferta. Recentemente o Barclays Wealth recomendou a clientes ricos que abandonassem os fundos negociados em bolsa que se concentram nas commodities, trocando-os por fundos de hedge e outras alternativas que investem nessa área. “A maior parte dos fundos negociados em bolsa ainda é boa”, diz Michael Crook, estrategista do Barclays Wealth. “Só não sabemos o que vai acontecer.”
Os investidores de varejo também poderão ser afetados se as negociações em alta frequência forem contidas. A Securities and Exchange Commission (SEC) está investigando se instituições financeiras que usam computadores superrápidos para comprar e vender ações, possuem ou não uma vantagem injusta. A técnica vem provocando controvérsias, uma vez que grandes corretoras estão conseguindo bilhões de dólares em lucros enquanto as carteiras de seus clientes definham.
Se a SEC acabar com a prática, os custos de negociação poderão aumentar. Os operadores de alta frequência compram e vendem regulamente ações em pequenos lotes, ao longo do dia. A atividade desses profissionais, que responde por cerca de 70% do volume negociado, vem ajudando a derrubar os spreads – a diferença entre o preço de compra de uma ação e seu preço de venda. Uma década atrás, o spread para os investidores de varejo era de cerca de 6 centavos por ação. Agora, está ao redor de 1 centavo. “Como acontece com qualquer tecnologia nova, sempre há a possibilidade de abusos”, afirma Andrew W. Lo, professor da Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Technology (MIT). “Mas os investidores estão se beneficiando disso.”