Embora em todo o mundo o desenvolvimento das leis de regulamentação da atividade de lobby surja principalmente em resposta a escândalos de corrupção, favorecimentos e abusos na conduta de agentes políticos, no Brasil o tufão da Operação Lava-Jato e a crise política que coloca Legislativo e Executivo em pé de guerra ainda não foram suficientes para tirar do escanteio as iniciativas que tratam do tema. Levantamento inédito realizado pelo cientista político Manoel Leonardo Santos, pesquisador do Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), e o doutorando em ciência política Lucas Cunha dá conta de que nos últimos 31 anos foram apresentadas 16 propostas para regulamentar o lobby. Mas elas jamais evoluem ao ponto da aprovação.
“O tema nunca esteve, de fato, na agenda dos líderes do Congresso Nacional. Por isso, o processo de influência nos parlamentos brasileiros continua fora do alcance da sociedade, sempre nas antessalas, sem que se saiba quais são as redes de influência montadas no Parlamento e qual é o volume de recursos envolvidos na atividade”, considera Manoel Leonardo, que coordena estudo financiado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o lobby e a representação dos interesses na Câmara dos Deputados. Além de tornar as relações entre instituições e grupos de interesse mais transparentes, a regulamentação do lobby melhoraria o processo de prestação de contas e atribuição de responsabilidades na esfera pública. “A regulamentação também igualaria as chances de diferentes segmentos da sociedade para exercer influência sobre o Poder Legislativo”, considera o pesquisador.
A atividade em si não necessariamente está relacionada à corrupção. Se transparente e sob o escrutínio da sociedade, dentro de regras claras, a pressão de grupos e segmentos para a defesa de seus interesses é legítima. “Mas o lobby pode degenerar para uma relação corrupta entre interesses e política e é mais fácil de isso ocorrer quando ninguém sabe quem influencia, como influencia e por que influencia”, acrescenta Manoel Leonardo Santos.
Exatamente por isso, a reação de muitos parlamentos diante de escândalos mundo afora é de regulamentar ou arrochar as regras para aumentar a transparência da atividade de lobby. Nos anos 1950, nos Estados Unidos, apenas 38 estados tinham, em graus variados de rigor, leis regulamentando a atuação de grupos de pressão. Mas o escândalo de Watergate nos anos 1970 provocou reações dos parlamentos em vários estados. Califórnia, Arizona, Minnesota, Kansas e West Virginia aprovaram regulações sobre as atividades de lobby, de modo que, em 1988, todos os 50 estados já tinham leis aprovadas. Diferentemente desse cenário, no Brasil a resposta do Congresso Nacional tem sido, historicamente, a pregação de uma reforma política a cada novo escândalo. Reforma que nunca avança em questões que teriam importância – como o financiamento das campanhas – para controlar o poder de pressão sobre os agentes políticos.
Há esforços isolados na Câmara e no Senado para aprovar a regulamentação da atividade de lobby. O mais recente parte do senador Walter Pinheiro (PT-BA). “A proposta é boa, mas dificilmente entrará na agenda. Quem vai encampá-la em meio ao tiroteio que atinge a classe política? Uma parte dos que estão lá se beneficia do financiamento de campanha e aceita as pressões desses financiadores. Outra parte atua como intermediadora de interesses privados. Falta um líder que aproveite este momento para trazer o tema ao centro da pauta”, avalia Manoel Leonardo dos Santos.
Ao desinteresse da maioria do Parlamento pela votação de uma legislação sobre o lobby soma-se a falta de consenso sobre como deve ser essa regulamentação. A radiografia das tentativas malsucedidas ao longo das três últimas décadas para a regulamentação da atividade no Congresso Nacional aponta, nos últimos 21 anos, para 16 propostas tão diferentes umas das outras que as regras indicadas oscilam entre extremos. Ora as propostas se aproximam da legislação norte-americana, a mais rígida entre o seleto grupo de países do mundo que regulamentaram o lobby; ora se identificam mais com o padrão da União Europeia, mais flexível e com menor controle sobre a atividade.
“As propostas revelam visões muito diferentes dos legisladores sobre a atividade de lobby e, por consequência, de como e em que medida ela deve ser regulada. Além disso, uma grande omissão é comum entre elas: nenhuma apresenta dispositivo que preveja que o órgão de controle e fiscalização da atividade ofereça a possibilidade de cadastro, de apresentação de relatórios de atividades e de gastos on-line”, afirma o pesquisador.
Com base em um índice internacional elaborado pelo The Center for Public Integrity, que avalia, em vários parlamentos do mundo, o nível de regulamentação do lobby em termos de transparência e de responsabilização de lobistas que transgridem as regras, os dois pesquisadores analisaram o teor de 12 das 16 propostas legislativas que tramitaram no Congresso Nacional entre 1984 e 2015.
Quanto maior a regulamentação do lobby para um determinado Parlamento, maior a nota obtida nesse índice, que varia de 0 a 100 pontos e aborda oito dimensões relacionadas ao controle da atividade de lobby. Por meio dessas notas, é possível comparar o nível de regulação proposta por cada proposição que tramitou no Congresso Nacional nos últimos trinta anos com as legislações em vigor de outros parlamentos do mundo. “Modelos com alto grau de regulamentação têm a vantagem de oferecer informações bastante detalhadas sobre as atividades de lobby, o que torna as relações entre grupos de interesses, lobistas e parlamentares mais transparentes e acessíveis à sociedade”, consideram os pesquisadores. Por outro lado, têm a desvantagem do alto custo da atividade, o que pode alimentar a percepção para grupos de interesse menores ou sem recursos que não têm acesso à possibilidade de fazer lobby. Estados Unidos e Canadá estão entre os países do mundo em que a atuação dos lobbies nos legislativos têm o mais alto grau de regul
amentação. “Pelo menos dois motivos ajudam a explicar essa opção: a importância histórica dos grupos de interesses no processo de tomada de decisão, que tem alto grau de competição por influência, é um deles”, afirma Manoel Leonardo Santos, que anota ainda a revisão e a expansão da regulamentação da atividade nos Estados Unidos depois de grandes escândalos políticos.
Entre as 12 proposições analisadas para tratar do tema apresentadas ao Congresso Nacional, a do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) é a que apresenta o mais alto grau de regulamentação e, nesse sentido, se aproxima da legislação vigente nos Estados Unidos. Trata-se do Projeto de Lei 1.202, de 2007, que entra, portanto, em sua terceira legislatura e que voltou a tramitar depois de pedido de desarquivamento feito pelo autor. Segundo o cientista político Manoel Leonardo Santos, o projeto de Zarittini apresenta alta cobertura na definição da atividade de lobby, na exigência de apresentação dos gastos dos contratantes de lobistas, no estabelecimento de quarentena de ex-parlamentares e servidores públicos para o exercício da atividade e no registro individual de cada lobista. Por outro lado, tem baixa cobertura para a publicação de gastos individuais do lobista na atividade, a divulgação on-line dos serviços e na definição de sanções para os casos de transgressão das normas definidas para o lobby.
No outro extremo do ranking da regulamentação está o Projeto de Lei 6.928, apresentado em 2002 pela então deputada federal Vanessa Graziotin (PCdoB – AM), hoje senadora. “A proposta dela, que foi apensada a um outro projeto de lei, limita-se à definição da atividade que caracteriza um lobista, ao controle do cadastro e ao acesso público às informações”, considera o cientista político. A proposição de Graziotin se aproxima de países como a Polônia, a Alemanha e o Parlamento Europeu, que apresentam legislações que vão pouco além da exigência do registro dos lobistas. “Embora os dados dos cadastros sejam públicos, seus gastos, suas atividades, as matérias que acompanham e o período de quarentena não figuram nos seus diplomas normativos”, afirma o cientista político. A atividade é percebida como democracia participativa – e acesso de grupos de interesse ao legislativo. Na União Europeia, por exemplo, os grupos de interesse são vistos como especialistas. “Lá, o desenho institucional promove o envolvimento direto e
ntre setores organizados da sociedade e os tomadores de decisão. Existe uma relação quase simbiótica entre grupos de interesse e o governo, o que minimiza a percepção da desconfiança e os escândalos”, considera Manoel Leonardo Santos.