A definição da base de cálculo do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) é matéria bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência, especialmente porque a legislação é lacônica acerca deste tema.
Este tributo remonta o tempo do Império, quando foi instituído no dia 3 de junho de 1809, por alvará, denominado Siza, cujo critério material era a compra e venda de bens de raiz e a Meia Siza, que incidia sobre a comercialização de escravos ladinos.
A Constituição que inaugurou a República em 1891 outorgou aos estados a competência para instituir o ITBI, seja ela decorrente de morte, doação ou negócios jurídicos praticados entre vivos. Os municípios ainda não compunham a Federação.
A tentativa de separar os critérios materiais da transmissão — por morte, doação ou negócios entre vivos — foi promovida de forma incipiente pela Emenda Constitucional nº 5, de 1961, mas o Código Tributário Nacional de 1966 ainda manteve a competência destinada aos estados, conforme consta no seu artigo 35.
Somente na Constituição de 1988, quando os municípios alçaram a “qualidade” de Entes Federados, foi que houve a divisão da competência tributária relativa a este imposto, de modo que os estados ficaram com a tributação derivada das transmissões por mortes e doações e os municípios com as transmissões “inter vivos”, por atos onerosos, sobre bens imóveis e direitos reais. Acrescente que o Distrito Federal detém ambas as prerrogativas.
Não obstante a conquista da prerrogativa de instituir, cobrar e fiscalizar o ITBI (também conhecido como ITIV), a falta de uma legislação contundente para definir um dos critérios da regra matriz de incidência tributária situado no consequente normativo, qual seja, a base de cálculo, acabou por gerar diversas demandas judiciais propostas pelos contribuintes, defendendo que ela deveria corresponder ao valor da avença.
Para os municípios, a base de cálculo do ITBI poderia ser o valor venal utilizado para calcular o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), o valor de mercado ou mesmo o valor da negociação, portanto que fosse eleito o maior. Assim, valendo-se da prerrogativa de ser um ente público, ao receber as informações prestadas pelo contribuinte, para viabilizar o lançamento por declaração, fazia uso do nominado lançamento de ofício, e fixava o preço da exação que entendia ser devido, sempre maior, avolumando as provocações ao Poder Judiciário.
No dia 24 de fevereiro de 2022, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) editou o Tema 1.113, quando realizou o julgamento em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), e fixou três teses que merecem ser destacadas: que a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; que o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo Fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN); e que o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Reescrevo para melhor compreensão: que a base de cálculo do ITBI é o valor da venda (isto reforça a natureza de lançamento por declaração), que o valor da avença declarado pelo contribuinte é tido por verdadeiro e que se a municipalidade desejar afastá-lo, deverá instaurar o procedimento administrativo tributário de arbitramento, regulado pelo artigo 148, do CTN (isto impede o lançamento de ofício sem outorgar ao contribuinte o direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa).
Na prática, porém, é comum a pessoa recolher o tributo, para discutir depois acerca do indébito tributário, ou seja, do valor a mais que não deveria ter sido pago, já que as partes querem (ou muitas vezes precisam) concretizar o negócio jurídico, mas a transmissão da propriedade só se efetivará mediante o registro do ato perante o notário e este não o praticará sem que haja a prova do recolhimento integral do tributo, já que ele próprio figura como sujeito passivo da obrigação tributária, na condição de responsável por imputação legal.
Com olhares no futuro, convêm destacar a existência do projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024, em trâmite perante o Congresso Nacional, que visa instituir o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), onde o seu artigo 35 procura corrigir a antinomia existente entre o artigo 35 do “atual” CTN de 1966 em face do artigo 156, da CF/88, de forma que já define que o ITBI pertence aos municípios e ao Distrito Federal.
Outro ponto contido no referido Projeto de Lei Complementar 108/2024 é que o seu artigo 38-A apresenta novas técnicas para apurar o “valor venal” do ITBI, discorrendo sobre o maior montante entre o “valor de referência” e o valor de transmissão — este, é claro que se trata do valor da avença.
Diz, ainda, que o “valor de referência” deverá ser fixado e atualizado anualmente pelo ente, mediante a análise do valor de mercado do bem, de informações prestadas pelos notários, bem como pela análise da localização, tipologia, destinação, padrão de construção e outras características do imóvel. Não bastasse, estabelece que se o contribuinte discordar, ele que prove o valor de mercado do bem.
Assim, não obstante o fato de o aludido Projeto de Lei Complementar 108/2024 corrigir a atribuição da competência tributária do ITBI para os municípios e o Distrito Federal, a vagueza e as grandes possibilidades que ele confere ao fisco, para definir a base de cálculo do ITBI , numa primeira análise, parece continuar colidindo com os postulados da legalidade tributária, a uma porque o critério da base de cálculo do tributo deverá ser certo e determinado, a duas, porque a possibilidade de a autoridade fiscal atualizar e escolher qualquer dos elementos para servir à base de cálculo do tributo — sempre o maior — poderá colidir com a “não surpresa tributária”, a três, porque transferir o ônus da prova para o contribuinte litigar contra Administração aparenta inverter a ordem dos valores erigidos pelo Sistema Tributário, Estatutos e pela Constituição.