O BNDES e a Febraban (Federação Nacional dos Bancos) estão discutindo a possibilidade de criação de um Fundo de Direito Creditório para garantir o crédito privado. Esta seria uma forma de atacar o que é visto como o grande problema por trás da enorme restrição ao crédito que se seguiu à crise internacional: a falta de confiança. Um fundo dessa natureza, financiado pelo Tesouro Nacional e pelos bancos, funcionaria como um seguro para que os bancos de pequeno e médio porte – os mais atingidos pela crise – voltem a emprestar para pequenas e médias empresas, nicho que está praticamente excluído do mercado de crédito hoje. A proposta não contempla bancos e empresas de grande porte.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, considera que a proposta da Febraban, \” em si, é boa\”, mas adianta que a discussão ainda é muito preliminar. \”A conversa existe, é complexa e está em curso. Vou pessoalmente aprofundá-la, mas não está madura\”, disse ao Valor. Coutinho indicou que \”há outros caminhos que podem ser construídos\” para lidar com o problema da falta de confiança dos bancos em emprestar para empresas privadas. Inicialmente, a proposta dos bancos era de que a União assumisse integralmente o risco de crédito, mas hoje já admite dividir com o governo esse ônus. Não há uma modelagem pronta e acabada para a construção desse fundo, que seria semelhante a um grande FIDC. Nem há, no governo, uma agência ou instituição que opere com a compra de créditos privados.
O primeiro problema a superar, portanto, é o legal. A apresentação da ideia ao BNDES decorre do fato de que o banco é a única instituição oficial que reúne condições para operar nessa área, pois é integralmente estatal e tem experiência na concessão de crédito. Para atribuir esse papel, de uma seguradora, ao Banco Central, por exemplo, teria que haver mudança na legislação da autoridade monetária, enquanto o Banco do Brasil, apesar de reunir as premissas básicas para atuar nesse segmento, é parte dele.
Pelos dados colhidos junto à Febraban, a criação de um fundo de direito creditório não demandaria muito dinheiro. Algo como R$ 5 bilhões, acredita-se, já seria suficiente para fazer diferença no mercado das médias instituições, que desenvolveram larga experiência com a clientela de médias empresas. A própria existência do instrumento de garantia amenizaria os temores das instituições financeiras e, talvez, não fosse necessário sequer gastá-lo.
Dentre as várias hipóteses que podem ser elaboradas para o funcionamento deste fundo, o sistema poderia dividir o ônus com o banco emprestador atribuindo a ele a responsabilidade, por exemplo, de arcar com os primeiros 20% do eventual prejuízo em caso de inadimplência, enquanto o fundo arcaria com a parcela restante.
A Inglaterra e a França já desenvolveram mecanismos de seguro para fazer o mercado de crédito bancário fluir e assegurar a recuperação da atividade econômica. Em janeiro o governo britânico anunciou um plano de suporte ao crédito que inclui a concessão de garantia governamental para títulos lastreados em ativos, crédito corporativo e crédito ao consumo; e a compra, pelo Banco da Inglaterra, de até 50 bilhões de libras de ativos de boa qualidade emitidos pelo setor privado, como bônus corporativos, empréstimos sindicalizados e \”commercial papers\”.
O governo francês passou a exigir, como contrapartida ao aporte de capital, que os bancos assumissem compromisso formal de ampliar a oferta de crédito; e criou um mecanismo de mediação do crédito para ajudar as empresas com problemas na renovação de créditos antigos e na obtenção de novos empréstimos. No caso brasileiro, o governo, através do BC, cuidou de dar liquidez aos bancos, mas isto não se mostrou suficiente. Por excesso de conservadorismo e pelas dificuldades inclusive de dimensionar o risco de inadimplência futura – motivada pela queda da atividade -, os bancos cortaram a oferta de crédito e passaram a cobrar \”spreads\” altíssimos de seus clientes, comprometendo o nível de atividade e contribuindo para agravar os efeitos da crise sobre o país.