Em recente decisão exarada em sede de Agravo de Instrumento,
o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região decidiu pela possibilidade da
interposição de exceção de pré-executividade com o fito específico de discussão
acerca da inconstitucionalidade da base de cálculo do PIS e COFINS:
(…) É viável a discussão sobre a inconstitucionalidade da
majoração da base de cálculo do PIS e da COFINS, em sede de exceção de
pré-executividade, pois o tema afeta a exigibilidade do título. O Plenário do
Supremo Tribunal Federal, no RE nº 390.840, declarou a inconstitucionalidade do
§ 1º, do artigo 3º, da referida lei. (…) Por estes fundamentos, dou
provimento ao agravo, para determ inar que, em Primeiro Grau, seja
analisado o tema referente à majoração da base de cálculo do PIS e da COFINS.[1]
A decisão em comento foi prolatada em face de recurso manejado
contra parecer do 1.º Grau que havia decidido pelo não cabimento da referida
defesa, entendendo que a exceção de pré-executividade somente é admitida nos
casos em que se pretende a discussão de matérias relativas às condições da ação
ou pressupostos processuais, bem como causas de extinção do crédito que não
exijam dilação probatória.
O entendimento do Juiz a quo, no entanto, está totalmente
dissociado da realidade. Com efeito, se levadas às últimas conseqüências as
disposições do Art. 16 da Lei de Execuções Fiscais[2],
o entendimento daí resultante será o de que a única defesa cabível ao executado
são os embargos; todavia, a doutrina e a jurisprudência são uníssonas em
admitir a interposição de exceção de pré-executividade sem o obrigatório
cumprimento dos requisitos dos embargos à execução.
Falar nos pressupostos do processo executivo implica na
obrigatória análise de requisitos indispensáveis; assim, para possibilitar a
interposição de uma demanda executiva, é necessário que o credor possua dois
requisitos: a inadimplência do devedor e um título executivo.
A exceção de pré-executividade é admitida naqueles casos em
que a demanda executiva está baseada em título desprovido dos pressupostos
legais para sua execução: liquidez, certeza e exigibilidade. Assim, muito
embora a ausência de previsão legislativa expressa, referida exceção tem larga
aceitação nos Tribunais brasileiros, servindo perfeitamente como meio de defesa
àqueles casos em que o título executivo encontra-se eivado por vícios ou
nulidades. Por outro lado, no que concerne ao caso em exame, aplicável o
disposto no parágrafo único do artigo 741 do CPC[3], eis que o mesmo
considera igualmente inexigíveis aqueles títulos fundados em lei ou resultantes
da aplicação de lei declarada inconstitucional.
Assim, a exceção de pré-executividade tem como função
precípua atacar execução baseada em créditos com a exigibilidade suspensa ou
extinta, ou em títulos carentes dos requisitos de exigibilidades legalmente
exigidos, buscando evitar a efetivação da penhora e a constrição do patrimônio
do executado. A doutrina é uníssona em referendar a possibilidade de sua
interposição, afirmando que não são somente os embargos a única defesa cabível
em sede de execução fiscal:
Não tem o menor sentido, portanto, restringir a atividade do
juiz da execução a conhecer de seus incidentes apenas na ação incidental dos
embargos do devedor. Ali se comportam, obviamente, objeções que se opõem ao
cabimento e aos limites dos atos executivos e da execução forçada como um todo.
Não é, todavia, o único lugar onde a parte pode bater-se contra a falta de
requisitos indispensaveis à execução. É que há muitas questões cujo exame
decorre de dever a ser desempenhado ex officio pelo órgão judicial, porque
envolvem requisitos de legimação de sua própria atividade jurisdicional.[4]
Embora não exista previsão legislativa sobre a exceção de
pré-executividade, a mesma é amplamente difundida como meio de defesa na
doutrina e jurisprudência. Tendo sido originalmente concebida por Pontes de
Miranda em parecer elaborado a pedido da Companhia Siderúrgica Mannesmann, seu
objetivo central é o de “evitar que o devedor comprometa o seu patrimônio para
discutir obrigação contida em título imprestável que, melhor analisado, não
seria nem mesmo hábil a ensejar a instauração da execução.”[5]
Assim, se o Juiz não examina a questão de ofício, como lhe
cabe, deverá examiná-la após provocado pelo devedor, o qual, por óbvio, não
deverá ser penalizado com o ônus da garantia da execução para fins de
impugnação, eis que apenas está explicitando um aspecto que restou ignorado
pelo Julgador e que por ele deveria ter sido abordado no desempenho de seu
mister.
Em casos análogos ao ora examinado, a relevância da exceção
de pré-executividade como meio de defesa do devedor mostra-se ainda mais
evidente, tendo em vista que a mesma deverá ser utilizada para afastar cobrança
de tributo ilegalmente constituído. De fato, o dispositivo inserto no art. 3º,
§ 1º da Lei 9.718/98 alterou o conceito
de faturamento para fins de apuração do PIS e da COFINS, em face da distorção
no conceito de receita bruta e faturamento.
À parte o fato de ser lei ordinária, o que por si só já fere
o sistema tributário – eis que alterações no CTN somente podem ser operadas por
meio de lei complementar – referido diploma legal contraria também o disposto
no art. 110 do CTN[6], quando altera brutalmente
o conceito de faturamento:
Pudesse o legislador ordinário alterar a definição, o
conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado, utilizados pela Carta
Magna para definição de competências tributarias, não só surgiriam inevitáveis
conflitos de competência impositiva entre as entidades componentes da Federação
Brasileira, como também o contribuinte perderia a sua garantia maior de se ver
tributado tão-só com os impostos discriminados na Carta Magna.[7]
Por fim, conforme asseveramos alhures, o Supremo Tribunal
Federal, em ocasião anterior, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo
inserto no art. 3º, § 1º da Lei 9.718/98. Esse aspecto serve de sólido
embasamento à interposição da exceção de pré-executividade, eis que um título
executivo baseado em lei inconstitucional obviamente não poderá ser admitido
para fins de ajuizamento de execução fiscal.
Dessa forma, totalmente acertada a decisão exarada pelo
Tribunal Regional Federal da 3.ª Região: ao determinar que o Juiz de 1.º Grau
aprecie a questão relativa ao PIS/COFINS, o Desembargador Federal imprime o
entendimento acerca do cabimento da exceção de pré-executividade com o fito de
discutir título executivo fundado em tributo constituído por lei
inconstitucional.
Dra. Julia Fiorese Reis
[2] Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de
30 (trinta) dias, contados:
I –
do depósito;
II
– da juntada da prova da fiança bancária;
III
– da intimação da penhora.
§
1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
§
2º – No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à
defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas,
até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite.
§
3º – Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de
suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar
e serão processadas e julgadas com os embargos.
[3] Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os
embargos só poderão versar sobre:
I –
falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II
– inexigibilidade do título;
III
– ilegitimidade das partes;
IV
– cumulação indevida de execuções;
V –
excesso de execução;
VI
– qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como
pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que
superveniente à sentença;
VIII
– incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do
juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste
artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato
normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou
fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo
Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
[4] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Meios de defesa do devedor
diante do título não executivo, fora dos embargos à execução: ações autonomas e
argüição de não-executividade. In Revista Dialética de Direito Processual n.º
15, Dialética, São Paulo, 2004, p. 33.
[5] FILHO, Napoleão Nunes Maia. Estudo Processual sobre a
Argüição de Inexecutividade. In Revista Dialética de Direito Processual n.º 18, Dialética, São Paulo, 2004, p.
95.
[6] Art. 110.
A lei tributária não pode alterar a definição, o
conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas
Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos
Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
[7] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São
Paulo : Atlas, 2008, p. 456.