Os grandes escritórios de advocacia saíram perdendo com a publicação da lei de conversão da Medida Provisória 627 nesta quarta-feira (14/5), a Lei 12.973. Acabou vetado pela presidente Dilma Rousseff o dispositivo que tiraria as bancas do regime não cumulativo do PIS e da Cofins, contribuições que incidem sobre o faturamento em proporção quase três vezes maior que a do regime cumulativo.
Desde a edição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, as empresas submetidas ao recolhimento do Imposto de Renda pelo lucro real — obrigatório para quem fatura hoje mais de R$ 78 milhões por ano — devem recolher o PIS e a Cofins pelo sistema não cumulativo, cujas alíquotas são maiores, mas no qual é possível deduzir despesas da base de cálculo. Pelo sistema anterior, previsto na Lei 9.718/1998, essas contribuições eram recolhidas a alíquotas que, somadas, não passavam de 3,65%. Já no novo sistema, a soma das alíquotas é de 9,25% do faturamento. Em contrapartida, despesas com insumos passaram a poder ser deduzidas da base tributável.
Para a indústria e o comércio, que trabalham com uma cadeia de produção e venda, o sistema não cumulativo foi uma vantagem. Mas, para o setor de serviços, cuja maior despesa é com mão de obra, despesa não considerada um insumo, houve quase uma triplicação de tributação.
Foi o que argumentaram os advogados durante a tramitação do projeto de lei que converteria a MP 627 na Lei 12.973, sancionada nesta quarta. As bancas sugeriram alterar o inciso X do artigo 8º da Lei 10.637, que dizia quais sociedades ficariam fora do regime não cumulativo do PIS. O texto aprovado no Congresso foi: “as sociedades cooperativas e as sociedades regulamentadas pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994 [a lei que instituiu o Estatuto da OAB]”. Propôs-se também a mudança na Lei da Cofins, a Lei 10.833, cuja alínea “a” do inciso XIII do artigo 10, sobre os serviços fora da não cumulatividade, ficaria assim: “prestados por hospital, pronto-socorro, clínica médica, odontológica, de fisioterapia e de fonoaudiologia, laboratório de anatomia patológica, citológica ou se análises clínicas e sociedades regulamentadas pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, que não realizam atos mercantis”. Ambos foram vetados.
A Presidência da República, com base nas razões apresentadas pelos Ministérios da Fazenda e da Justiça, justificou que as mudanças não poderiam passar por significarem “renúncia fiscal sem atender ao disposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal”. A Lei Complementar 101/2000 prevê que a proposta de renúncia fiscal seja acompanhada de estudo de impacto orçamentário no exercício de sua vigência. A Advocacia-Geral da União, no entanto, reconheceu, em parecer, a constitucionalidade das alterações propostas.
No entanto, o argumento da Presidência da República não foi o mesmo ao aprovar a manutenção das empreiteiras no regime cumulativo, antes prevista apenas para até o fim de 2015. Pela lei sancionada em ano de campanha eleitoral, as receitas de construtoras e incorporadoras ficarão no regime mais benéfico até 2019. Além disso, de acordo com o artigo 56 da nova lei, as empreiteiras podem recolher as contribuições pelo regime de caixa — ou seja, apenas quando recebem efetivamente o dinheiro, e não quando o contrato é assinado, momento do faturamento.
Segundo o diretor de Relações Governamentais do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, Marcos Joaquim Gonçalves Alves, a manutenção no regime atual desestimula o crescimento e a consolidação das sociedades de advogados, já que o aumento do faturamento para acima do teto do lucro presumido leva à alíquota triplicada de PIS e Cofins. “Infelizmente, a presidente Dilma foi levada a erro novamente. A manutenção dos advogados no regime não cumulativo ofende a isonomia, porque não é diferente dos médicos e de outros profissionais liberais que estão no recolhimento cumulativo. A mudança é constitucional, conforme a Advocacia-Geral da União e o próprio Congresso Nacional já atestaram por três oportunidades.”
Regime especial
Em coluna publicada pela ConJur — clique aqui para ler —, o professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo Heleno Taveira Torres afirmou que a atividade de advocacia deveria ficar de fora do regime não cumulativo por não gerar créditos nos custos de suas atividades e por não transferir o ônus das contribuições na cadeia de serviços. Para ele, advogados, assim como médicos, não exercem atividade mercantil e deveriam ter um regime especial de recolhimentos.
“Essas demandas, expressamente autorizadas na Constituição, no artigo 195, parágrafo 9º, não indicam qualquer privilégio nas concessões dos regimes especiais, quando demonstrada a incapacidade de apuração de créditos na cadeia de cada setor”, escreveu ele. “Segundo o Estatuto da OAB, a Lei 8.906/1994, está vedada aos advogados a prática de atos de comércio. Logo, uma legislação de PIS/Cofins nitidamente direcionada aos setores de varejo e indústria (quanto à sistemática de aproveitamento de créditos) não se pode aplicar, de forma idêntica, às sociedades de advogados.”
Os médicos, no entanto, tiveram suas atividades excluídas do regime não cumulativo, por meio da Lei 10.865/2004. Torres usa isso como exemplo e faz analogia com a advocacia. “Não há qualquer diferença com aquilo que se verifica com as sociedades de advogados, ressalvado que a maioria destas já se encontra sob o regime cumulativo das contribuições ao PIS e a Cofins, porquanto submetidas ao regime de ‘lucro presumido’, à semelhança da maioria das clínicas médicas”, apontou. Ao proibir o mesmo regime aos escritórios no lucro real, a lei impede seu crescimento, diz o professor.
Tiro pela culatra
Segundo fontes ouvidas pela ConJur, a manutenção dos grandes escritórios sob tributação mais alta pode beneficiar concorrentes estrangeiros que têm chegado com frequência cada vez maior ao país, por conta dos grandes eventos esportivos programados para acontecer. Eles afirmam que bancas de fora têm aberto escritórios pequenos, com baixo faturamento, para prestar serviços a clientes também estrangeiros, já que os pagamentos por esses serviços podem ser feitos a suas matrizes fora do Brasil.
Em 2007, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, esteve reunido com representantes do mercado de capitais na sede da Prefeitura de Londres, onde relatou que escritórios de advocacia britânicos reivindicaram maior acesso ao mercado brasileiro. Na época, ele disse que o Reino Unido deveria levar em conta o princípio da reciprocidade e que o Brasil só poderia fazer concessões no seu setor de serviços se houvesse contrapartida dos europeus para a entrada dos brasileiros nas áreas agrícola e de advocacia. Apesar da afirmação, ao rejeitar a alteração proposta na MP 627, a Fazenda comprometeu a competitividade das bancas nacionais.
Guerra sem fim
Após mais de 10 anos, a disputa gerada pelas regras do PIS e da Cofins não cumulativos ainda se arrasta no contencioso administrativo e judicial. Até mesmo empresas para quem a mudança foi destinada têm dificuldades de deduzir despesas. As duas leis listaram as despesas que podem ser deduzidas da base de cálculo das contribuições, mas nem sempre os insumos usados na produção coincidem com os exemplos elencados. E essas discussões têm sido travadas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e até mesmo na Justiça.
A cobrança do PIS e da Cofins dos escritórios é motivo de uma guerra ainda mais antiga. Sociedades civis de prestação de serviços profissionais foram isentadas da cobrança pela Lei Complementar 70/1991, mas a Lei 9.430/1996 revogou a isenção. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, considerou que uma lei ordinária não poderia revogar uma lei complementar, e editou a Súmula 276 a respeito. O entendimento levou várias bancas a deixar de recolher os tributos. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da lei de 1996 e não modulou a decisão, deixando muitas bancas afogadas em um passivo tributário. A Súmula 276 do STJ acabou cancelada em 2003.