É notório o agravamento da crise do sistema financeiro e da economia real. Com a deflação, os devedores ficam ainda mais endividados e há perspectiva de um melhor cenário global somente em 2012.
No direito, o jurista Orlando Gomes lembrava há alguns anos em seus escritos que ninguém, em sã consciência, contrata para procurar sua própria ruína. Não há dúvida que a crise atual, a maior desde a grande depressão de 1929, surpreende e pega de surpresa uma série de relações contratuais. Algumas mudanças, severas e nem mesmo razoavelmente previsíveis – leia-se: totalmente imprevisíveis – tornaram alguns contratos ruinosos, excessivamente onerosos e injustamente vantajosos para algumas partes.
\”Ninguém, em sã consciência, contrata para procurar sua própria ruína.\”
Com isso, destaca-se a velha conhecida teoria da imprevisão, bem desenvolvida no Direito Canônico Medieval (Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur) – ou seja, os contratos que têm trato sucessivo e dependência futura devem ser entendidos estando assim as coisas.
Evidente que as coisas não permaneceram as mesmas de quando prometidos e assinados diversos dos contratos vigentes. Com isso, é possível presumir em alguns deles a existência implícita de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato.
\”As coisas não permaneceram as mesmas de quando prometido.\”
Quem pode sustentar a inalterabilidade da situação de fato? Estamos observando com perplexidade as profundas modificações no mundo todo em razão desses acontecimentos imprevisíveis e extraordinários da crise do sistema financeiro, que sem dúvida alguma tornaram excessivamente onerosos para algumas pessoas o adimplemento de determinados contratos, celebrados em realidade completamente diversa.
O contrato precisa ser equilibrado. A liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato (artigo 421, Código Civil). A desconformidade do contrato com a sua função social pode ser corrigida administrativamente ou no Poder Judiciário.
\”O contrato precisa ser equilibrado.\”
Caso não seja possível o aditamento por meio de um acordo entre as partes envolvidas, o Poder Judiciário poderá proceder com a revisão judicial do contrato, modificando as cláusulas contratuais que estejam causando o desequilíbrio entre as partes, bem como a resolução do mesmo.
A jurisprudência brasileira ao longo desses anos reconheceu a aplicabilidade da teoria da imprevisão, atualmente apresentada no Código Civil (artigos 478 e 317). Destaca-se o caráter excepcional da aplicabilidade da teoria da imprevisão. A força obrigatória dos contratos é relativa em situações de extrema gravidade e que realmente possam colocar o devedor em situação muito prejudicial que não previu, nem podia prever ao tempo da celebração do negócio jurídico.
Veja o artigo 478 do Código Civil: \”Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.\” – O Código Civil determina ainda que \”a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato\” (artigo 479) e que \”se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva\”. (artigo 480)
Outro grande jurista brasileiro Caio Mário da Silva Pereira, em brilhante síntese, destacava o fato de que se os contratantes quando da celebração da avença, tivessem em vista o ambiente econômico contemporâneo, e previssem razoavelmente para o futuro, o contrato deveria ser cumprido, ainda que não proporcionasse às partes o benefício esperado. Agora, tendo ocorrido modificações profundas e substanciais nas condições objetivas na época da execução, em relação às envolventes da celebração, imprevisíveis em tal momento, e geradoras de onerosidade excessiva para um dos contratantes, ao mesmo tempo em que para a outra parte oferecesse um lucro desarrazoado, não haveria dúvida caber ao prejudicado insurgir-se e recusar-se a prestação. É a relatividade do poder vinculante do contrato.
Importante lembrar que nas relações de consumo, a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) – artigo 6º, inc V, não exige a imprevisibilidade dos fatos supervenientes e que tornaram as relações excessivamente onerosas.: \”Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: […] V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.\”
kicker: Caso não seja possível o aditamento por acordo, o Judiciário poderá proceder com a revisão judicial do contrato