Está cada vez mais difícil contribuintes serem condenados na Justiça por sonegação fiscal ou outros crimes tributários. A mais recente estratégia de sucesso é propor na Justiça uma ação para anular a condenação da empresa na esfera administrativa. Decisões da primeira instância do Judiciário de São Paulo vêm suspendendo inquéritos policiais e ações criminais até que se finalize a ação anulatória do débito fiscal. Já existem pelo menos quatro decisões nesse sentido em São Paulo. Na prática, a ação anulatória tem surtido o mesmo efeito que o Supremo Tribunal Federal (STF) confere ao processo administrativo desde 2005. Naquele ano, a corte entendeu que somente após o julgamento final de recurso administrativo, o Ministério Público pode levar adiante inquérito policial ou ação penal contra o contribuinte.
Em uma dessas decisões que suspendeu o processo penal, a empresa contesta a acusação de ter aproveitado indevidamente R$ 3,2 milhões em créditos do ICMS, referentes ao período de novembro de 1991 a junho de 1996. “A apresentação de garantia, no caso de eventual condenação, tem sido fundamental para o convencimento dos juízes”, afirma Eduardo Reale, do escritório Reale e Moreira Porto Advogados Associados, advogado que defende a empresa.
Atualmente, entre as várias maneiras de escapar de uma condenação penal, está o pagamento do débito fiscal. Antigamente, com base na Lei nº 9.249, de 1995, a extinção da punibilidade criminal só era possível se o débito fosse quitado até a data da denúncia. Depois da vigência da Lei nº 9.983, de 2000, surgiu uma lacuna legal que resultou em decisões judiciais que aceitam o pagamento realizado em qualquer momento do processo. Para o juiz federal da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Nino Toldo, esse é o principal motivo que tornou cada vez mais difícil ocorrer condenações em caso de crimes tributários. Para o magistrado, muitas vezes o empresário só paga quando percebe que será condenado. Isso, depois de anos de processo, em razão da enorme quantidade de recursos – ele contabilizou pelo menos sete – possíveis para protelar a sentença final. “São custos públicos e trabalho do Judiciário jogados fora”, diz. O magistrado afirma que essa situação é uma consequência do fato de o direito penal ser usado como ferramenta de cobrança de tributos.
Para especialistas, já são tantas as medidas que livram o empresário da condenação penal, que ele já não teme mais que isso possa acontecer. Essa é a percepção, por exemplo, do promotor Fernando Arruda, do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Crimes de Sonegação Fiscal (Gaesf) do Ministério Público do Estado (MPE) de São Paulo. Segundo ele, há os contribuintes que argumentam na Justiça que o crime prescreveu pelo fato de a esfera administrativa ter demorado para julgar se existia débito fiscal. Outra medida comum é aderir ao parcelamento fiscal. Em um caso recente, por exemplo, um empresário paulista prometeu ao juiz aderir ao “Refis da Crise”, criado pela Lei nº 11.941, de 2009, para pagar a dívida fiscal, em até 180 meses, se conseguisse seu habeas corpus. O pedido ainda não foi julgado.
Outra tese jurídica que vem sendo vitoriosa no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que o empresário só pode ser responsável criminalmente pelo não-repasse de contribuição previdenciária, se ficar comprovado que ele usou tais recursos em proveito próprio, como para a compra de um imóvel, por exemplo. “Esse entendimento se mantém, desde 2008, nos tribunais superiores”, comenta o advogado Renato Stanziola Vieira, do escritório André Kehdi & Renato Vieira Advogados. Já a denúncia espontânea do débito fiscal, que livra o contribuinte de uma multa de 75% sobre o valor devido, é um método pouco comum. “Isso porque a confissão da dívida tem que ser feita antes mesmo da fiscalização”, diz o advogado Yun Ki Lee, da banca Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados.
Recentemente, o que vem surtindo efeito positivo para os empresários é ajuizar ação para anular a condenação do conselho de contribuintes. Em um dos processos, o juiz Carlos Eduardo Xavier Brito, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Pindamonhangaba, interior de São Paulo, determinou a suspensão do inquérito policial, até que se finalize a ação anulatória do débito fiscal em curso. No processo, o promotor Sussumo Tanaka dos Santos considerou que, assim como o Supremo entende que apenas após o fim do processo administrativo pode ser proposta ação penal, só com o julgamento final da ação anulatória, o processo criminal pode ser instaurado. “Ainda mais quando já houve o prévio depósito do valor em discussão”, declarou no processo.
No caso, foi fundamental a apresentação de depósito, de valor equivalente ao débito em discussão, como garantia de pagamento, para convencer o magistrado. Mas, segundo o advogado Luiz Guilherme Moreira Porto, que também patrocinou a ação, a apresentação de fiança bancária não vem surtindo efeito. O promotor Fernando Arruda, que atuou no caso, defendeu que fiança não é uma das modalidades que extinguem o crédito tributário, de acordo com o Código Tributário Nacional (CTN). Para o promotor, o juiz deve analisar os pedidos de suspensão do inquérito ou ação penal com prudência. Arruda defende que, quando trata-se de um caso de simples solução, em que o MP já tem provas suficientes sobre o crime, o pedido de suspensão não deve ser aceito, nem com a apresentação de depósito. Na contramão desse entendimento, o advogado Jair Jaloreto Júnior, do Jair Jaloreto Junior e Associados, tenta na Justiça de Florianópolis obter a extinção do processo de um cliente, em razão do depósito integral da dívida e não apenas a suspensão da ação penal.
Para Eduardo Fagundes, subprocurador-geral do Contencioso Tributário-Fiscal do Estado de São Paulo, após o trânsito em julgado de decisão administrativa, uma ação anulatória não pode suspender ação criminal porque o débito já estava constituído. “Mas, enquanto não conseguirmos a cassação da decisão, vamos acatá-la”, diz.
Ainda é polêmico o debate sobre a possibilidade de uma ação anulatória poder suspender o prazo de prescrição do crime. O jurista Luiz Flávio Gomes entende que se o juiz analisar a ação anulatória e não suspender o lançamento do tributo, o crime está configurado. “Se a ação anulatória não interfere no processo criminal, não interfere na prescrição também”, diz. Se a ação anulatória tramitar por anos, o empresário pode tentar alegar no Judiciário que os crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita prescreveram. E se livrar da cadeia ou da prestação de serviços à comunidade. A pena para esses crimes é de dois a cinco anos de reclusão e multa.