O mercado está dividido sobre a reunião do Copom da próxima quarta-feira. Parte acredita em manutenção do ritmo de corte da Selic em um ponto. Outra defende uma diminuição da velocidade de queda para 0,75 ponto. O Banco Central iniciou o ciclo de queda na reunião de janeiro com corte de um ponto, de 13,75% para 12,75%. Na seguinte, em março, ampliou a dose para 1,5 ponto. E voltou ao compasso de um ponto no encontro de abril. Agora em junho seja qual for o caminho escolhido – ou 1 ponto, com a Selic caindo a 9,25%, ou 0,75 ponto, para 9,50% – irá desbravar uma nova e desconhecida fronteira, a da taxa nominal de juro abaixo de 10%. Desde que as taxas negociadas no overnight passaram a ser catalogados em séries, em 1974, o país não tinha um piso do custo do dinheiro de um dígito.
Dos 16 analistas consultados pelo Valor, nove acreditam que o Copom sustentará a velocidade de queda em 1 ponto, enquanto seis apostam no freio para 0,75 ponto e apenas um vê a possibilidade de aceleração para 1,5 ponto. O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, acredita que o Copom pode insistir tranquilamente no corte de um ponto. O efeito cumulativo das baixas já feitas será sentido até o fim do ano e, com as expectativas de IPCA para 2010 ancoradas abaixo da meta de 4,5%, não parece haver problema no horizonte. A taxa de câmbio esperada também está “firmemente ancorada” para baixo, e não há pressão de demanda à vista. “Não há razão para impor à sociedade os custos de menos atividade e mais gastos com juros em nome do regime de metas, uma vez que o IPCA está firme abaixo do centro da meta”, diz o economista. Os textos oficiais até podem se queixar de que não há simetria entre um IPCA somente levemente abaixo de 4% e um PIB oscilando entre +0,5% e -1%. “Mas não precisa ser simétrico: há preços administrados e inércia, além de serviços, que transferem renda mesmo em períodos de recessão”, diz Gonçalves.
Não se pode desconsiderar os efeitos da queda sobre as contas públicas (que melhoram), nem supor que os cortes não têm efeito nenhum sobre a taxa de câmbio real. Do lado fiscal, o Brasil melhora e, do outro, também. Fica com um câmbio menos incompatível com a corrente de comércio. No entender do economista, esses elementos são importantes na avaliação de risco e melhoram tal avaliação, estimulando novas entradas de dólares. Segue-se que o real não vai se valorizar, a não ser na hipótese, cada dia mais provável, de surgimento de um problema com o dólar que faça retornar o movimento da “fuga para a qualidade”, ainda que por um prazo curto. “Mas isto não é argumento para não baixar a Selic”, diz. Algum efeito existirá sobre o câmbio, embora isso possa não vir a ser um problema.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acha que não há razão para mudar a trajetória declinante agora. “O BC mesmo já indicava que queria fazer o ajuste rapidamente e acho que deve seguir este caminho”, diz Vale, que, por isso, sustenta o prognóstico de mais um recuo de 1 ponto. A atividade continua sendo um risco extremamente baixo, praticamente nulo. As recuperações na margem são ínfimas e o crescimento do consumo não é excepcional a ponto de preocupar o BC. Além disso, o câmbio não deixa de ajudar. “Ele pelo menos diminui o ímpeto de alguém que estivesse pensando em reajustar preços nos próximos meses”, diz Vale. Os preços administrados devem ser favoráveis no ano que vem e isso vai ajudar o IPCA de 2010 de forma importante. “Então, não vejo risco inflacionário relevante”, diz.
Luiz Fernando de Paula, professor de economia da UERJ, acredita que pela trajetória de inflação mundial e brasileira haveria espaço para um corte de um ponto na Selic, mas o BC deve ser coerente com o seu gradualismo conservador e reduzir a velocidade para 0,75 ponto. Uma redução mais forte dos juros, além de diminuir o diferencial em relação aos juros internacionais, com impacto direto na rentabilidade das aplicações em renda fixa, tem um efeito indireto sobre os fluxos de capitais pois normalmente a bolsa de valores reage positivamente atraindo aplicações por ocasião de uma queda de juros, junto com a melhora no risco-país. “Talvez fosse o caso de se pensar ainda na adoção de um recolhimento não-remunerado de cerca de 20% sobre todos os capitais que entram de forma a arrefecer os efeitos da entrada de capitais sobre a taxa de câmbio. Seria uma alternativa melhor do que introduzir um IOF de 1,5% sobre aplicações em renda fixa”, diz o professor. No entender de Paula, dada a característica de fungibilidade do capital, a taxação de uma forma específica das entradas de capitais no Brasil – como o IOF sobre renda fixa – fará com que o sistema financeiro brasileiro, altamente sofisticado, descubra formas de burlar os controles.
Rodrigo Trotta, superintendente de tesouraria do Banco Banif, espera mais um corte de um ponto no juro básico. Para ele, os últimos indicadores, como a produção industrial, mostraram crescimento na margem, mas ainda estão bastante ruins. Ele mantém a projeção para o ano: mais um corte de 0,50 ponto e manutenção da Selic no patamar de 8,75%. E prevê estabilidade da taxa nesse degrau em 2010.
O diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Moura Nehme, diz que, depois de solucionado o entrave representado pelo rendimento da caderneta de poupança, abre-se a possibilidade de preservação do corte de 1 ponto, ritmo, de resto, exigido pelos indicadores econômicos atuais. Como a capacidade ociosa da indústria é ainda elevada, um eventual e desejável aquecimento de demanda não será repassado aos preços. Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Way Investimentos, prevê baixa agora de 0,75 ponto e apenas mais uma redução de 0,5 ponto, interrompendo-se o ciclo de corte quando a taxa chegar a 9%. “Acredito que o BC irá ser prudente para analisar o tamanho da retomada da atividade, que já deverá ocorrer a partir do terceiro trimestre do ano”, diz o economista.
Único analista a defender um corte mais agressivo da Selic, de 1,5 ponto, o estrategista do Pentágono Asset, Marcelo Ribeiro, acredita que o BC deveria mirar a redução do custo financeiro das dívidas das empresas e dos governos federal, estadual e municipal, todas atreladas à variação da Selic. Na sua visão, reduzir o custo financeiro é fundamental pois as empresas estão sofrendo uma queda dramática de receita e geração de caixa. Além disso, ao cortar os juros pesadamente o BC desestimula a “carry-trade” e a especulação com o real. “Não consigo observar risco inflacionário com o câmbio nesse patamar, a economia global estagnada e países desenvolvidos (Suiça) e emergentes (China) registrando deflação”, diz Ribeiro.