Samantha Lima
A ação promovida pela União de elevar a carga tributária no país foi acompanhada de uma reação ainda maior contra o cofre do próprio governo. Nos últimos 12 meses, período em que foram batidos sucessivos recordes de arrecadação, o total de débitos tributários não pagos à Receita aumentou de R$ 276,7 bilhões para R$ 455,7 bilhões. Assim, a inadimplência no período expandiu-se 65%. Já a carga tributária passou de 35,23% para 36,64% do Produto Interno Bruto (PIB).
O avanço da fuga dos impostos também fica evidente quando se verifica a relação entre as dívidas e o total arrecado pela Receita. A soma dos tributos não pagos por evasão, sonegação fiscal ou refinanciados equivalem a 141% de tudo o que o Leão absorveu da sociedade no ano passado e é crescente. Em abril de 2004 (os dados de março de 2004 não são disponibilizados no site da receita), os tributos não-pagos quantificados pela Receita correspondiam a 101% da arrecadação.
– O dado é preocupante porque mostra que o sistema tributário exauriu a capacidade da sociedade de arcar com a alta de impostos, embora a Receita insista que o passivo aumentou devido a um maior rigor fiscal. Com a expansão da economia, deveria ocorrer uma queda na inadimplência e está acontecendo justamente o contrário. Estamos prevendo ainda mais inadimplência nos próximos meses, porque a atividade econômica está reduzindo o ritmo. As empresas vão lucrar menos e arcar com a mesma carga tributária. Por isso, a arrecadação vai cair – prevê Gilberto Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).
A análise dos dados fornecidos pela Receita revelam, ainda, que o efeito do apetite tributário é maior sobre os pequenos contribuintes. Isso porque, nos débitos em cobrança, os valores devidos caíram enquanto o número de devedores aumentou. As pessoas físicas em débito passaram de um total de 1,75 milhão, em abril de 2004, para 2,25 milhões no mês passado, uma expansão de 28,5%, mas os débitos passaram de R$ 1,47 bilhão para R$ 1,93 bilhão. Movimento semelhante ocorreu entre as empresas. O número de pessoas jurídicas em dívida com o Fisco avançou de 1,57 milhão para 1,79 milhão (+14%), e o montante devido caindo de R$ 4,27 bilhões para R$ 2,26 bilhões (-47%).
Já a conta de processos em tramitação na Justiça – que inclui questionamentos de alíquotas de impostos, compensações e cobranças, além de tentativas de anulação de multas – cresceu R$ 9,4 bilhões (ou o dobro do que há em pagamentos em atraso), passando de R$ 46,7 bi para R$ 55,4 bi – alta de 18% em um ano. O que reforça a tese de que os grandes contribuintes buscam na Justiça atenuar a carga tributária, enquanto aos pequenos só resta a inadimplência, acredita Amaral.
– Grandes empresas têm como tentar soluções na Justiça, já que contam com uma estrutura jurídica capaz de questionar a lei. E a queda no valor em reais dos débitos se deve também ao fato de que a Receita passou a inscrever os devedores mais rapidamente na Dívida Ativa da União. Antes o processo ocorria em dois anos e, agora, ocorre em um ano – explica.
Para evitar uma cobrança que considera injusta enquanto a tramitação ocorre na Justiça, esses contribuintes obtêm uma liminar suspendendo o pagamento ou depositam em juízo o valor que avaliam como justo. Nos dois casos, o valor cobrado engorda o passivo. No total, os débitos questionados na Justiça e administrativamente (na própria Receita) passaram de R$ 176,9 bilhões para R$ 222,1 bilhões, avanço de 25%. O valor inclui as multas recorridas nas Delegacias Regionais da Receita e, em segunda instância, no Conselho de Contribuintes.
O coordenador de representação judiciária da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller, concorda que as contestações crescem com a carga tributária.
– Isso é positivo porque revela que o contribuinte está em busca dos seus direitos. Mas vejo que isso também permite o surgimento de uma \’\’indústria\’\’ de questionamentos, com advogados especializados em oferecer serviços a contribuintes ávidos por reduzirem essa carga.
Soller afirma que os maiores alvos de ações por parte do contribuinte em busca de redução de carga são o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – pedidos de compensação de créditos em relação a etapas produtivas anteriores isentas -, PIS/Cofins – questionamento de alargamento de base de cálculo estipulado pela Lei 9718/98 e de cassação de isenção para prestadores de serviço.
– Acredito que haja pelo menos umas dez matérias no Supremo Tribunal Federal relativas à contestação de tributos. No caso do IPI, a perda da causa significará menos R$ 20 bilhões de arrecadação por ano. Já com a ação relativa ao alargamento da base de cálculo da Cofins estão em jogo outros R$ 3 bi.
Fonte: JB Online