Dentre as questões fundamentais em um sistema processual assentado na observância de precedentes, afigura-se elementar saber quando um pronunciamento jurisdicional assim pode ser classificado (do “tipo” precedente), bem como em que momento e mediante quais critérios deixa de revestir tal estatura, a despeito de haver operado eficácia vinculante por um longo período.
Seja como for, a sempre implícita possibilidade de distinção, transformação ou mesmo superação de um precedente — embora, neste último caso, desejavelmente remota —, deixa evidente que sua higidez não há de ser presumida. Ao contrário, afigura-se indispensável que a comunidade jurídica promova sua permanente revisitação, sempre com os olhos nas possíveis inovações do sistema de direito positivo, bem como na prática jurisdicional das Cortes de Justiça.
Na seara do processo tributário, há diversos exemplos de pronunciamentos vinculantes que, exarados pelo Superior Tribunal de Justiça ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), não raramente provocam reflexões quanto à sua atualidade, a demandar parcimônia do intérprete, que deverá se equilibrar entre dois vetores: a necessidade de respeito aos precedentes e o inevitável e esperado desenvolvimento do Direito.
Este é precisamente o caso do Tema repetitivo nº 131/STJ, de longeva existência, e mediante o qual, em 2009, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça assentou que “o termo inicial para a oposição dos Embargos à Execução Fiscal é a data da efetiva intimação da penhora, e não a da juntada aos autos do mandado cumprido”.
Naquele paradigma, recorria-se de acórdão de Tribunal Regional Federal que havia considerado intempestivos embargos à execução fiscal porquanto aparelhados após o prazo de 30 dias contados da data da intimação da penhora, respaldado no teor do artigo 16, inciso III da Lei nº 6.830/1980 – Lei de Execuções Fiscais (LEF). A insurgência recursal do contribuinte lastreava-se na aplicabilidade de dispositivo do CPC/1973 e não da LEF, o qual, após sucessivas reformas, estabeleceu que o prazo para oposição de embargos à execução deveria ser contado da juntada do termo de intimação da penhora.
Em sua redação original, à semelhança do disposto no artigo 16, inciso III da LEF, o CPC/1973 prescrevia no artigo 738, inciso I, que o prazo para oferecimento de embargos à execução computar-se-ia da intimação da penhora. Contudo, após o advento da Lei nº 8.953/1994, o diploma processual civil passou a adotar como termo inicial para oposição dos embargos a data “da juntada aos autos da prova da intimação da penhora”, sem que tenha havido semelhante alteração na LEF.
Posteriormente, com a reforma introduzida pela Lei nº 11.382/2006, a questão perdeu relevância no âmbito da legislação geral do processo civil, ante a eliminação da exigência de garantia do juízo para oferecimento de embargos à execução, os quais passaram a ser opostos a contar da juntada aos autos do mandado de citação cumprido, tratamento normativo que se perpetuou com o advento do CPC/2015 em seu artigo 915.
Ao julgar o Recurso Especial nº 1.112.416/MG que conformou o conteúdo do Tema repetitivo nº 131, o Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência dos preceitos do CPC/1973, ante a existência de disciplina própria no artigo 16, inciso III da LEF, conclusão que se mantém intacta nos dias de hoje, mesmo com a vigência do CPC/2015, a evidenciar a atualidade do conteúdo desse precedente.
Fato é que não houve qualquer alteração normativa na LEF sobre a definição do termo a quo do prazo para oposição de embargos à execução fiscal, e, desta forma, não temos dúvida em reconhecer e afirmar que o pronunciamento vinculante exarado pelo STJ em 2009 dispensa atualização, de modo que, em se tratando de execução fiscal, perdura a contagem do prazo para oposição de embargos a partir da intimação pessoal (lei especial), e não da juntada do respectivo mandado cumprido (lei geral).
Não obstante a certeza da atualidade desse julgado do STJ, diante de algumas inovações do CPC/2015, dúvidas podem surgir quanto à adequada identificação do termo inicial para aparelhamento dos embargos, ou seja, quanto ao momento em que se considera formalizada a penhora e, por conseguinte, devidamente intimado o executado.
A questão torna-se relevante, sobretudo, no caso da penhora eletrônica de ativos financeiros, modalidade que assumiu inegável preponderância no cardápio de medidas constritivas, seja em razão da inegável preferência pela penhora em dinheiro, dotado de máxima liquidez, seja em decorrência de sua fácil operacionalização, mediante acionamento do sistema Bacenjud/Sisbajud.
Um primeiro ponto merece destaque: a intimação da penhora de ativos financeiros, deve operar-se no processo, mediante a tradução do evento indisponibilidade para o fato jurídico penhora.
A rigor, enquanto o evento indisponibilidade opera-se mediante o tão só bloqueio nas contas do executado – do qual ele tomará conhecimento através de simples consulta ao extrato bancário, por exemplo –, o fato jurídico processual da penhora requer a devida juntada aos autos dos documentos comprobatórios da constrição realizada, bem como a emissão de linguagem (ato processual) capaz de relatar a efetivação da penhora e a transferência do respectivo numerário para a conta judicial. Por outras palavras: essencial que o ato de constrição seja documentado nos autos e levado ao conhecimento do executado.
Da realização da penhora, documentalmente registrada nos autos, expedir-se-á mandado, para que se dê a intimação pessoal do executado. Isto porque, conquanto o artigo 12, § 3º da LEF somente exija a intimação pessoal “se, na citação feita pelo correio, o aviso de recepção não contiver a assinatura do próprio executado, ou de seu representante legal”, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, em Execução Fiscal, o executado deve ser intimado pessoalmente sobre a penhora, com expressa menção, no mandado, do prazo legal e do termo inicial para oposição dos embargos; não se aplicando, portanto, o disposto no artigo 841, § 2º do CPC/2015, segundo o qual somente se não houver advogado constituído nos autos o executado será intimado pessoalmente e, de preferência, por via postal.
Neste quadrante, o maior foco de controvérsia e, consequentemente, de insegurança, parece estar relacionado ao rito estabelecido no artigo 854 do CPC/2015, o qual deixa evidente que a mera efetivação da indisponibilidade não é, ainda, constitutiva de penhora.
Bem, nos termos dos seus §§ 2º e 5º, abre-se ao executado a oportunidade de arguir eventual impenhorabilidade ou excesso da indisponibilidade realizada, de modo que, “rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução”.
O rito preparatório da formalização da penhora de dinheiro parece ir ao encontro da cooperação (artigo 6º do CPC/2015) que deve reger o processo judicial e, naturalmente, o processo executivo fiscal. E, à míngua de disposição específica na LEF, não há dúvida de sua aplicabilidade aos executivos fiscais, embora necessários alguns ajustes.
Assim, diante da efetivação da penhora on-line, o executado pode se valer do decantado preceito para, comparecendo espontaneamente aos autos, arguir impenhorabilidade ou excesso da constrição, sem que, do seu tão só comparecimento, considere-se deflagrado o prazo para oposição de embargos à execução fiscal. Somente a partir da rejeição dos seus argumentos e, consequentemente, da conversão da indisponibilidade em penhora, é que deverá ser providenciada sua indispensável intimação pessoal, a fim de que, querendo, oponha embargos à execução fiscal.
Por outro lado, caso não ocorra o comparecimento espontâneo do executado para arguir impenhorabilidade ou excessividade da penhora, parece mais consentâneo com o rito da Execução Fiscal tomar a penhora por perfectibilizada desde já, ainda que sujeita a eventual arguição por parte do executado, seja na própria petição de Embargos, seja mediante manifestação avulsa, nos termos do artigo 917, § 1º do CPC/2015. Isto porque, sendo a oposição de Embargos à Execução Fiscal dependente de prévia garantia do Juízo, a aplicação irrestrita do art. 854 poderia conduzir à necessidade de dúplice intimação pessoal do executado, primeiramente para arguir eventual impenhorabilidade ou excesso da penhora e, somente depois, para a oposição de Embargos à Execução Fiscal, o que, definitivamente, não se compatibiliza com a celeridade que se espera do procedimento executivo.
Assim, conquanto inexista dúvida de que se mantém hígida a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema repetitivo nº 131, é necessário atentar para a superveniência de alterações legislativas que impactam o modo de formalização da penhora online.
Ante a necessidade de oportunizar ao executado a efetiva arguição de eventual excesso ou impenhorabilidade de quantia indisponibilizada, reputamos inadequado considerá-lo intimado a partir do comparecimento espontâneo aos autos. Porém, quando ausente tal comparecimento, consideramos inadequada a duplicidade de intimações pessoais, devendo o executado arguir eventual indisponibilidade ou excessividade da penhora no prazo para oposição de embargos à execução fiscal.
Fonte: Conjur