Embora o debate sobre as garantias prestadas pelo particular nos contratos firmados com a administração pública seja bastante consolidado, com uma regulação igualmente ampla, o caminho inverso, isto é, a temática das garantias prestadas pelo poder público, passa por uma discussão bem mais restrita, geralmente com um léxico próprio ao Direito da Infraestrutura, que muitas vezes dificulta uma compreensão mais ampla dessa noção e de suas possibilidades. A ideia desse artigo é discutir, de forma mais abrangente, o que são, quais as modalidades e como funcionam as garantias contratuais a cargo do poder público.
Também denominada por “garantia soberana”, a garantia prestada pelo poder concedente possui tanto uma finalidade comum, atinente a evitar ou mitigar o risco de inadimplemento público, como extracontratual, ao atrair o capital privado a projetos de longo prazo e maior risco. Com o risco controlado por esse instrumento, além de outros comumente previstos, como a matriz de risco, o interesse de investidores e financiadores pode ser majorado por um cenário de maior segurança e estabilidade.
A Lei Federal nº 8.987/1995, que regula as concessões e permissões de serviços públicos, já estabelecia essa possibilidade de forma tímida, ao prever, no inciso V de seu artigo 23, que dentre as cláusulas essenciais dos contratos de concessão estariam reguladas as matérias atinentes “aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações”. Contudo, foi a Lei Federal nº 11.079/2005, que regula as parcerias público-privadas, que ampliou as possibilidades sobre o tema.
De acordo com o artigo 8º da norma, as obrigações assumidas pela administração pública em contrato de PPP poderiam ser garantidas mediante (1) a vinculação de receitas; (2) a instituição ou utilização de fundos especiais; (3) a contratação de seguro-garantia com companhias seguradoras que não sejam controladas pelo poder público; (4) a garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras; (5) as garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; bem como (6) outros mecanismos admitidos em lei.
Dentre as modalidades previstas, certamente a vinculação de receitas é a que gera maior debate, tendo sua constitucionalidade muitas vezes questionada. Por se tratar de garantia de natureza orçamentária, em que receitas públicas são afetadas especificamente para a cobertura de obrigações do contrato firmado, muito já se discutiu sobre uma eventual burla ao sistema de precatórios ou o comprometimento de outras obrigações públicas. Atualmente, entende-se que a efetividade desse tipo de garantia está muito mais voltada ao afastamento de riscos políticos do que financeiros, na medida em que a liberação desses recursos passa por uma série de entraves de ordem prática.
Também como uma garantia inerentemente pública e igualmente questionada está a criação ou uso de fundos especiais, nos quais ficam reservados recursos públicos com uma destinação específica, em muito se assemelhando à modalidade anterior. Para alguns doutrinadores, a previsão de instituição ou utilização desses fundos não trouxe à tona uma forma de garantia propriamente dita, mas uma “modalidade de pagamento com vinculação orçamentária”, configurando garantias objetivas, e não subjetivas, como costumeiramente ocorre com essa figura jurídica.
Nessa mesma toada estão as garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade, cuja diferença central com relação ao item anteriormente analisado diz respeito à concessão de personalidade jurídica a tais entes, o que inclusive confere vantagens ao contratado para fins de execução dos valores eventualmente inadimplidos pelo poder público, que não se submetem ao regime de precatórios. A temática foi regulamentada por diferentes entes federativos, para além da disciplina da União, que criou o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP).
Já a contratação de seguro-garantia e a prestação de garantias por parte de organismos internacionais ou instituições financeiras, mais conhecidas por serem adotadas em outras modalidades de contratação pública, entram numa categorização de garantia fidejussória, em que um terceiro, mediante remuneração, assume o risco de indenizar o beneficiário em caso de eventual mora ou inadimplemento do poder público. Apesar de amplamente conhecidas pelo mercado, são empregadas com menor frequência pelo poder concedente, muito possivelmente por envolver um custo direto e recorrente para a sua manutenção.
Além de estabelecer modalidades específicas, a Lei de PPPs, como mencionado, também autorizou o uso de “outros mecanismos admitidos em lei”, conferindo flexibilidade para formatos de garantia compatíveis com modelagens mais modernas de concessões e parcerias público-privadas. Assim, ademais daquelas garantias mais conhecidas no Direito Privado, como a fiança, o penhor, a hipoteca e a alienação fiduciárias, também se conferiu abertura para formas mais inovadoras, como a cessão fiduciária dos direitos creditórios detidos contra a instituição financeira depositária dos recursos oriundos dos FPE e FPM e a utilização de parcela do ganho de eficiência como fonte de recursos para conta garantia.
De modo geral, ainda que não se possa descartar os desafios associados às garantias soberanas, a exemplo da majoração do risco fiscal e da ampliação da moral hazard, não há dúvidas de que os benefícios delas advindos são relevantes, possibilitando, sobretudo, a atração de investimentos privados, com a consequente viabilização de importantes projetos públicos, aprimoramento de serviços públicos e desenvolvimento econômico e social. A ampliação de seu uso, acompanhada de instrumentos de controle e boas práticas de governança, certamente ampliará modelagens de parcerias mais robustas e confiáveis, o que deve ser antecedido de uma compreensão mais ampla desses diferentes institutos, seus desafios e oportunidades.
Fonte: Conjur