Merece destaque a edição da Lei nº 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A mencionada lei trouxe ainda diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.
Dentre as definições trazidas na Lei nº 12.305/10, há o conceito de resíduos sólidos como qualquer material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
Materiais comumente utilizados em nossa sociedade de consumo em massa como o alumínio e o plástico se enquadram dentro do conceito de resíduo sólido, sendo importantes materiais utilizados para embalagem e armazenamento de produtos que são produzidos e comercializados.
Tendo em vista a grande utilização de tais tipos de materiais, surge o conceito de gestão integrada de resíduos sólidos, que é o conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável.
Assim, a gestão integrada dos resíduos sólidos é pressuposto para o desenvolvimento sustentável.
Como parte desta gestão integrada, tornam-se relevantes a realização de coleta seletiva dos resíduos sólidos, bem como a reciclagem de tais resíduos.
A coleta seletiva é entendida como a coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição, nos termos da Lei nº 12.305/10.
Por sua vez, a reciclagem é entendida como o processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos.
E como passo fundamental para uma reciclagem mais eficiente dos resíduos sólidos, surge o conceito de logística reversa, que é entendida como instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.
Nessa linha, o artigo 33 da Lei nº 12.305/10 determina que são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de: (1) agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso; (2) pilhas e baterias; (3) pneus; (4) óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; (5) lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e (6) produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
Vale destacar que o § 1º do artigo 33 da Lei nº 12.305/10 estende a obrigatoriedade de implantação de sistemas de logística reversa para produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados.
Diante do cenário em que a proteção do meio ambiente deve ser buscada e os tributos podem ser utilizados para alcançar outras finalidades além da arrecadatória, torna-se natural que os tributos possam servir como um instrumento para estimular comportamentos dos agentes econômicos que estejam relacionados com desenvolvimento sustentável ou desestimular comportamentos que não estejam relacionados com desenvolvimento sustentável.
Assim, o legislador tributário poderia estabelecer disposições legais expressas incentivando a prática da logística reversa, por exemplo, por meio de reduções de carga tributária para quem efetivamente realiza tal prática.
Todavia, diante da inexistência de disposições específicas sobre o tema, cabe aos intérpretes da legislação tributária conferirem uma interpretação que se coadune com os objetivos da proteção do meio ambiente no que tange aos dispositivos normativos atualmente vigentes e que se relacionem com os gastos com logística reversa.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cumpre citar o julgamento do Recurso Especial 1.221.170/PR, pelo qual a 1ª Seção do STJ decidiu que o conceito de insumo para fins de apuração de créditos da não cumulatividade do PIS e da Cofins deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou da relevância do bem ou serviço para a produção de bens destinados à venda ou para a prestação de serviços pela pessoa jurídica.
Para tanto, o “critério da essencialidade diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço”: (1) “constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço”; e (2) “ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”.
Por sua vez, o critério da relevância “é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja”: (i) “pelas singularidades de cada cadeia produtiva”; e (ii) “por imposição legal”.
Considerando que a Lei nº 12.305/10 traz dispositivo legal sobre a obrigatoriedade dos gastos com logística reversa, nota-se que o critério da relevância foi preenchido por imposição legal, no entanto, pode haver dúvidas acerca do preenchimento do critério da essencialidade.
A Receita Federal já manifestou entendimento bastante restritivo com relação ao conceito de insumos no que tange aos gastos com logística reversa no âmbito da Solução de Consulta Cosit 215/2021.
No referido caso, entendeu-se que o dispêndio relativo à estruturação e à implementação de sistemas de logística reversa por fabricantes e importadores de lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e seus componentes, embora advenha de uma imposição legal, não é inerente ao processo de produção dos bens, sendo assumido com o intuito de garantir a destinação final ambientalmente adequada dos produtos já consumidos e que estão no fim da sua vida útil.
Dessa forma, entendeu-se que tais gastos não seriam essenciais naquele processo produtivo, de modo que a Receita Federal não permitiu o creditamento de PIS e Cofins sobre tais valores.
Por outro lado, no julgamento do Recurso Extraordinário 607.109, o ministro Gilmar Mendes afirmou que as interpretações restritivas no que tange ao creditamento de PIS e Cofins sobre os gastos com meio ambiente acabam por gerar um tratamento tributário prejudicial às cadeias econômicas ecologicamente sustentáveis, desestimulando a manutenção de linhas de produção assentadas em tecnologias limpas e no reaproveitamento de materiais recicláveis.
Em outras palavras, a tributação não pode ser um obstáculo para a implantação das políticas ambientais, de modo que a interpretação mais adequada a ser dada a não cumulatividade de PIS e Cofins deve ser aquela que se coaduna com a proteção ambiental.
Por fim, vale notar que a Emenda Constitucional nº 132/23 incluiu um § 3º ao artigo 145 da Constituição determinando que o Sistema Tributário Nacional deve observar o princípio da defesa do meio ambiente, dentre outros.
Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf que tratam do assunto.
Nos Acórdãos 3301-013.627, 3301-013.636 e 3301-013.637 (todos de 26/10/2023), foi exonerado, por unanimidade, o crédito tributário de PIS e Cofins, concluindo-se pela possibilidade de creditamento de PIS e Cofins sobre gastos com logística reversa, relacionados com frete para eliminação de resíduos sólidos (sucata).
Nos votos relativos a tais acórdãos que foram todos escritos pela mesma conselheira relatora, constou expressamente que o descarte adequado do resíduo agropastoril por meio de transporte de “sucata de sacaria plástica” é essencial, sendo compromisso socioambiental decorrente da Lei nº 12.305/10.
Por sua vez, no Acórdão 3301-014.003 (16/04/24), foi mantido o crédito tributário por voto de qualidade reafirmando-se o entendimento da autoridade fiscalizadora pela impossibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins sobre gastos com fretes relacionados à logística reversa.
O voto vencido da conselheira relatora foi construído no sentido de que as despesas com fretes de logística reversa são indissociáveis das operações de venda, de modo que sobre eles deveriam ser calculados os créditos de PIS e Cofins.
Por sua vez, o voto vencedor do redator designado parte do pressuposto de que o crédito somente é possível nos fretes relativos às operações de venda em sentido estrito a partir de sua interpretação do artigo 3º, IX, da Lei nº 10.833/03, não abrangendo as operações com logística reversa.
Vale destacar que a partir da leitura do referido acórdão, não quer nos parecer que o frete de logística reversa discutido neste caso se refere às operações de logística reversa previstas na Lei nº 12.305/10 e que possuem fundamentação de proteção ao meio ambiente, mas sim às despesas para a coleta de mercadorias dos clientes por motivo de devolução. Ou seja, mais parece que são mercadorias devolvidas pelos clientes em função da previsão do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a possibilidade de desistência do contrato no prazo de sete dias do recebimento do produto quando fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial.
Diante de todo o exposto, nota-se que ainda são poucos os casos em que o tema foi enfrentado, de modo que se trata de assunto que merecerá muitos debates ao longo dos próximos anos. Todavia, acho importante que seja ressaltada a visão já manifestada pelo ministro Gilmar Mendes no âmbito do STF de que a interpretação da lei tributária deve levar em conta a proteção do meio ambiente, o que se torna ainda mais forte com a inclusão do princípio de que o Sistema Tributário Nacional deverá observar o princípio da defesa do meio ambiente pela Emenda Constitucional nº 132/23.
– Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.