Se o impacto positivo das boas práticas de governança empresarial têm sido difícil de ser mensurado pelos especialistas, os estragos causados pela práticas ruins já são bem mais nítidos. Empresas que são alvos de questionamentos públicos de investidores tendem a ter uma queda fora do padrão esperado, de 6,6% no dia em que o assunto é divulgado. Numa janela maior, de 15 dias, esse percentual é maior, de cerca de 12%. Essas são algumas das conclusões do mais recente trabalho do professor Alexandre di Miceli, da Universidade de São Paulo (USP), em co-autoria com Armando Lopes Dias Jr.
Estudioso de assuntos relacionados à governança, ele analisou 24 eventos societários de companhias abertas, entre 2001 e 2008. \”Consideramos para esse trabalho os questionamentos de minoritários aos controladores que foram noticiados pelos meios especializados \”, explica Miceli.
Entre os casos estudados, as operações de aquisição e incorporação continuam aparecendo como as principais causadoras de polêmicas e disputas. As questões vão desde a exigência de uma oferta pública, que dispare o direito de venda conjunta a todos os acionistas em casos de alienação do controle, até as críticas ao valor de troca oferecido aos investidores em casos de incorporação.
Esse último tema aparece no centro de disputas tanto nos primeiros anos pesquisados quanto nos mais recentes, o que reforça o sentimento, inclusive dos reguladores, de que é essa uma das mais sensíveis questões do mercado brasileiro. Outra operação que aparece nas contestações é a que envolve partes relacionadas à companhia.
Segundo o professor, em um mercado com as características do brasileiro, os minoritários costumam tentar resolver questões diretamente com as empresas e, quando os questionamentos se tornam públicos, geralmente é porque envolvem pontos realmente polêmicos, sobre os quais não há consenso.
\”Analisamos um período de 15 dias, sendo cinco antes da notícia veiculada e dez depois do evento\”, diz. Isso porque, quando o fato é veiculado como notícia nos meios de comunicação, geralmente já ocorreu alguma mobilização de investidores ou foi divulgado algum relatório de analista, o que pode afetar o papel alguns dias antes.
Miceli explica que usou dois métodos distintos para chegar aos resultados. O primeiro buscou neutralizar os efeitos que as tendências do mercado tiveram no período estudado. Ou seja, verificar se a queda ou alta das ações não aconteceu por conta de um período de turbulência ou euforia que afetou o mercado como um todo. Os percentuais encontrados já descontam os fatores comuns ao mercado.
O autor explica que a média de 12% de queda apurada é o chamado retorno anormal, ou seja, o quanto as ações caíram além daquilo que já seria normalmente esperado pelas correlações históricas dos ativos e índices de mercado. \”Esses resultados médios de retornos negativos que encontramos já descontam esse efeito. Por isso, dizemos que é o retorno anormal\”, diz.
No segundo método adotado, o professor usou comparações com o desempenho de empresas de tamanho similar e do mesmo ramo de atividade daquela que foi contestada pelos minoritários. O objetivo foi o de neutralizar impactos de eventos que podem ter afetado o setor da companhia no período avaliado. \”O interessante é que os resultados encontrados com os dois diferentes métodos são muito semelhantes, o que reforça a consistência dos dados encontrados\”, afirma Miceli.
O professor diz ainda que não há sinais de que o efeito negativo nas ações das companhias tenha sido transitório. Um dos fatores que o leva a essa conclusão é que os retornos anormais se estabilizam geralmente três dias após o evento ocorrido. Ou seja, se acomodam nesse novo nível mais baixo, após a queda. \”Podemos dizer que, aparentemente, os investidores deixam esses papéis e não voltam\”, diz.
Outro cálculo feito pelo professor da USP foi do impacto de destruição de valor causado pela má governança. A conclusão foi a de que, somados, os 24 eventos causaram uma redução de US$ 7,8 bilhões em valor de mercado. \”Nossa estimativa é que o valor da redução individual para cada companhia ficou num intervalo entre US$ 325 milhões e US$ 497 milhões\”, afirma.
A pesquisa analisou casos que envolveram diferentes pleitos de acionistas minoritários, sendo que seis das disputas aconteceram nas companhias do setor de telecomunicações e cinco foram no segmento de siderurgia. Porém, esses dois setores concentraram mais os eventos nos primeiros cinco anos pesquisados. No período mais recente, o segmento de agronegócio protagonizou três disputas e o de construção civil foi alvo de uma reclamação de minoritários. Os de papel e celulose e energia elétrica tiveram dois casos analisados cada um. Houve também eventos nos segmentos financeiro, de varejo e de alimentos e bebidas.
Entre os casos analisados estão desde fatos como a exigência de uma oferta pública feita pelos minoritários da Cosipa, ainda em 2001, até a aquisição da Tenda pela Gafisa, que aconteceu em setembro deste ano e foi alvo de algumas reclamações de minoritários. Também aparecem na lista disputas acirradas que se desenrolaram por muito tempo, como a incorporação da Oi (na época só de telefonia celular) pela Telemar. Outros casos recentes que foram estudados são os que envolveram os minoritários da Cosan, que ficaram descontentes com aspectos da criação da Cosan Limited, e ainda o caso da cobrança de dividendos dos acionistas da Eletrobrás, questão que está prevista para ser equacionada pela empresa no próximo ano.
Segundo o autor, a análise dos custos dos chamados \”conflitos de agência\” (entre controlador e minoritário) ganha uma relevância maior num mercado em que a estrutura acionária das companhias é bastante concentrada, como é o caso do brasileiro. Miceli diz, porém, que ainda não foi possível refinar os resultados e analisar, por exemplo, que tipo de conflito o mercado percebe como mais relevante e se o perfil do grupo de controle (se é familiar, estatal, compartilhado etc.) também exerce algum tipo de influência nessa reação dos investidores. Esses são temas que ele pretende trabalhar futuramente.